O Estado de São Paulo, n. 44730, 05/04/2016. Política, p. A5

CARDOZO DIZ QUE CUNHA ATUA POR VINGANÇA

Advogado-geral da União critica deputado e indica que poderá recorrer ao Supremo

Por: Ricardo Brito/ Daiene Cardoso/ Victor Martins

 

Ricardo Brito

Daiene Cardoso

Victor Martins / BRASÍLIA

 

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, defendeu ontem a rejeição do pedido de abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff por entender que não há base legal para destituí-la do cargo. Cardozo disse que o afastamento da presidente é um “golpe” à Constituição de 1988 e, numa estocada em duas ocasiões no vice presidente Michel Temer, beneficiário direto de uma eventual saída de Dilma, disse que o novo governo não terá“ estabilidade” para conduzir o País. Declarou ainda que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) age por “vingança” e “retaliação”. “Caso um novo governo nasça de um processo de impeachment comum golpe à Constituição de 1988, ele não terá direito, pode ter poder. Não terá estabilidade, não terá condições democráticas de reunir as energias necessárias para que o País possa sair desta crise”, disse ele, ao destacar que não se faz um golpe apenas “com armas”. O chefe da AGU espera que o processo seja declarado nulo e, se isso não ocorrer, não descarta recorrer ao Supremo Tribunal Federal para barrar o pedido. O relator da comissão, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), não adiantou qual caminho adotará em seu relatório, que deverá ser apresentado até quinta-feira para não ser contestado. A previsão é que ele seja votado na próxima segunda-feira. Durante a fala de uma hora e 40 minutos, Cardozo buscou rebater ponto a ponto o pedido e entregou à comissão uma defesa com 201 páginas. Inicialmente, ele solicitou que o pedido fosse arquivados em a análise do mérito por quatro argumentos, entre eles o de que Cunha agiu por “vingança” e “retaliação” diante do fato de que Dilma não teria atuado para que deputados do PT votassem contra a abertura do pedido de quebra de decoro parlamentar contra o peemedebista. “A presidente não se curvou a isso. Governo que se curva a esse tipo de situação não tem legitimidade para governar”, disse Cardozo. “Esses são indícios suficientes de desvio de poder(de Cunha). Esta é uma verdade inexorável”, completou. Ao deixar a comissão, ele voltou a criticar Cunha ao afirmar que o processo contra Dilma andou a “toque de caixa” enquanto o do presidente da Câmara no Conselho de Ética não tem tido a mesma agilidade. Cunha rebateu as acusações. “Cardozo está faltando com a verdade e exercendo de forma indigna essa defesa dele. Ele falta com a verdade para dizer que é nulo, que tem desvio de poder”, disse o peemedebista. O ministro ainda classificou como “fraca” a denúncia apresentada pelos juristas Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo e Janaína Pascoal, avaliando que há nela “erros conceituais básicos” de direito financeiro. Cardozo disse que o impeachment somente deve ser usado em situação de “absoluta excepcionalidade institucional” e que é preciso ficar configurado uma ação de “dolo”, “má- fé” e de “atentado à lei maior” da presidente para caracterizar o crime de responsabilidade.

 

Justificativas. O chefe da AGU rebateu exaustivamente os dois pontos que fundamentam a denúncia. Cardozo disse que os seis decretos de crédito suplementar no valor de R$ 2,5 bilhões não representaram gastos extras no Orçamento de 2015, mas apenas uma realocação de recursos públicos. Ele reforçou que 70% desses créditos foram determinados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e destacou que a prática de edição desse tipo de normas ocorre não apenas em nível federal, mas também nos Estados. “É correto o impeachment de Alckmin? Não”, argumentou. “Ao defender a presidente Dilma, defendo todos os governadores e prefeitos que agiram da mesma forma e que agiram, sem má fé, entendendo cumprir a lei.” O ministro também rejeitou a existência das pedaladas fiscais, atraso no pagamento de subvenções a bancos públicos por parte do Tesouro. Cardozo disse que esse tipo de adiamento nos repasses não configura operações de crédito, prática vedada por lei, e que os governos FHC e Lula se valeram do mesmo instrumento. Ele observou que, até o ano de 2014, o TCU aceitava esse tipo de operação e, no ano passado, mudou seu entendimento. O governo, disse, parou de usar desse expediente e quitou o passivo bilionário. Para ele, a lei não poderia retroagir para punir Dilma.

 

Legitimidade

“Caso um novo governo nasça de um processo de impeachment com um golpe à Constituição de 1988, ele não terá direito, pode ter poder. Não terá estabilidade”

José Eduardo Cardozo

ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO