Correio braziliense, n. 19325, 23/04/2016. Política, p. 2

Dilma pede ajuda a Mercosul e Unasul

Naira Trindade

Alegando-se “injustiçada” e “vítima de um processo golpista”, a presidente Dilma Rousseff aproveitou a viagem internacional a Nova York para dizer que quer que o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) avaliem o processo no Brasil. Dilma viajou aos Estados Unidos para a cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, na sede da ONU. Em discurso, a presidente defendeu novamente seu mandato do processo de impeachment em curso no Senado. Apesar de não ter usado o termo golpe no discurso oficial para criticar o processo de impedimento, Dilma concedeu entrevista coletiva e disse que vai pedir o apoio do Mercosul e da Unasul. “Está em curso no Brasil um golpe. Então, eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem por esse processo”, disse. A presidente defendeu a aplicação da cláusula democrática dos dois organismos, mas evitou dizer se isso levaria à suspensão do País. “A cláusula democrática implica uma avaliação da questão”, disse.

Dilma também criticou as declarações de três ministros do Supremo Tribunal Federal refutando a avaliação de que há um golpe em curso no País. Ela lembrou que o impeachment é previsto na Constituição, mas que é preciso haver crime de responsabilidade. “Não é a opinião do Supremo. É a opinão de três ministros. E são ministros que não deveriam dar opinião porque vão me julgar.”

A presidente voltou a insistir na tese do golpe. “Dizer que não é golpe é tapar o sol com a peneira. Eu sou uma pessoa vítima, sou uma pessoa injustiçada, e isso é grave porque eu sou presidente da República. Se a lei nem para mim vale, quanto mais para a população do nosso país”, comparou. Dilma mostrou disposição para convencer os senadores de que não há crime nas pedaladas fiscais e considerou como eleições indiretas o processo de impedimento. “Não sou uma pessoa apegada a cargo. Mas estou defendendo meu mandato. Não acuso de golpista ninguém que propuser a eleição direta. Isso não é golpe, é outra discussão”, afirmou. “O que não é admitido é um processo de impeachment que, na verdade, é uma eleição indireta travestida de impeachment.”

 

Cautela

A presidente foi a sétima a falar na cerimônia de assinatura do acordo climático e adotou uma linha cautelosa ao mencionar “o momento” vivido no país. A petista ressaltou a crise política brasileira apenas no fim de sua fala. “Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento em que vive o Brasil”, afirmou, sem citar os termos “impeachment” ou “golpe”.

Após um discurso mais voltado ao acordo climático, a presidente afirmou não ter dúvida de que os brasileiros vão saber impedir “quaisquer retrocessos”. “Quero dizer que o Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos”, afirmou, agradecendo o apoio de líderes. “Sou grata a todos os líderes que expressaram a mim sua solidariedade.”

 

Temer

O presidente em exercício, Michel Temer considerou “adequado” o discurso de Dilma na cerimônia da ONU. “Acho que foi adequado”, resumiu. Ao sair da vice-presidência, ontem, Temer ainda rebateu as críticas em relação às entrevistas concedidas à imprensa internacional. “Fui provocado para aquelas entrevistas, achei que deveria dizer alguma coisa, já que houve manifestação em relação à imprensa internacional, especialmente pretendendo desqualificar a minha posição. Acho que o Brasil não merece desqualificações por meio de eventuais agressões à Vice-Presidência”, criticou.

 

Manifestações

Enquanto discursava na sede da ONU, grupos de contrários e favoráveis ao impeachment se manifestavam do lado de fora. Cerca de 30 brasileiros seguravam cartazes com frases como “democracia do Brasil sob ataque”. Um grupo menor em favor do impedimento (cerca de dez pessoas) pediam a saída da presidente com faixas de “Dilma é uma criminosa. Impedimento agora”.

Em relação às críticas da presidente por ela dizer que o processo é um golpe ao estado democrático, a presidência da Câmara, conduzida por Eduardo Cunha, divulgou nota argumentando se tratar de um processo previsto na Constituição Federal. “Pode-se dizer, sem qualquer dúvida, que a tese de “golpe” e de que não há “crime de responsabilidade” não prospera. As acusações direcionadas contra a presidente da República são gravíssimas e levaram o país ao caos econômico, sem contar que atentaram contra princípios constitucionais importantes”, afirmou.

 

Colaborou Jacqueline Saraiva

 

Frase

"Nosso povo é trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos”

 

Dilma Rousseff, presidente da República