Correio braziliense, n. 19329, 27/04/2016. Política, p. 2

Comissão votará parecer em 6 de maio

Natália Lambert

Julia Chaib

O Senado deu a largada à análise do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A comissão especial, formada por 21 titulares e 21 suplentes que votarão pela admissibilidade ou não do pedido, foi instalada ontem. Apesar dos questionamentos por parte de governistas à indicação do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) para a relatoria, o tucano acabou confirmado para a função. Para compor a mesa, o peemedebista Raimundo Lira (PB) ficará com a presidência. A previsão é que o parecer seja votado em 6 de maio na comissão, formada majoritariamente por senadores a favor do impeachment.

Diferentemente do presidente do colegiado, eleito ontem por aclamação e salva de palmas, a indicação de Anastasia causou debates e foi decidida no voto. O senador recebeu 16 indicações favoráveis e teve cinco contrários, que são hoje os únicos desfavoráveis à aceitação do processo. Ainda nesta semana, serão ouvidos os denunciantes e a defesa da presidente. Basta maioria simples para aprovar a admissibilidade tanto na comissão quanto no plenário. Embora tenha derrota praticamente certa no colegiado, o governo trabalha para tentar reverter votos no Senado. E pode também recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular o processo. Ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) apelou à própria Câmara dos Deputados para anular o rito.

Ontem, na comissão, o governo tentou, em vão, evitar que Anastasia ficasse com a relatoria. Por mais de duas horas, o senador mineiro ficou praticamente calado durante a sessão que o elegeu relator da comissão especial. Sério e concentrado, o tucano ouviu senadores discutirem, elogiarem e questionarem a parcialidade de seu nome à frente da relatoria do processo de admissibilidade do impedimento da presidente Dilma Rousseff no cargo.

Já sentado à mesa, o tucano disse as primeiras palavras ao microfone e agradeceu a confiança. Parafraseando o ex-presidente Juscelino Kubitschek, quando afirmou que “Deus o poupou do medo”, Anastasia afirmou que o Criador concedeu a ele o dom da serenidade. “E essa serenidade servirá para desempenhar com seriedade e responsabilidade a função de relator dessa comissão.”

Além da eleição da presidência e da relatoria da comissão, os senadores definiram ontem o cronograma de trabalho. O relatório será apresentado e lido na próxima quarta-feira e votado no dia 6. Aprovada a admissibilidade do processo na comissão, a denúncia vai para a análise do plenário do Senado, que, se aprovar, define o afastamento de Dilma da Presidência por 180 dias. O documento deve ser levado ao plenário no dia 11.

 

Questionamento

A suspeição em relação à relatoria do senador Anastasia por parte da base governista foi justificada porque um dos advogados que subscrevem a denúncia do impeachment aprovada pela Câmara dos Deputados, Flávio Henrique Costa Pereira, é coordenador jurídico do PSDB. Já no começo da sessão, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) levantou questão de ordem sobre o nome de Flávio não constar da ementa da denúncia junto ao dos autores: Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior.

“Não repitamos a votação vexatória que foi feita na Câmara. Não vamos permitir que uma questão tão importante tenha eleito um relator escolhido por aclamação e entre palmas”, acrescentou o senador Humberto Costa (PT-PE), pedindo a indicação de outro nome.

O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) afirmou que o advogado está na denúncia somente como defensor dos autores. “O que está acontecendo aqui é chicana com objetivo de procrastinação. Em uma leitura política simples dos argumentos, eles não resistem a uma primeira análise. É uma incoerência. Se tem algum partido que é beneficiário desse processo é o PMDB, que tem o presidente Raimundo Lira. A coerência do argumento não resiste à formação da mesa. É implicância pura.”

Exaltado após o longo debate, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que a comissão cometeu um equívoco referendando o nome de Anastasia para a relatoria. “Para nós, é uma provocação a indicação de um nome do PSDB. O Anastasia é o maior aliado de Aécio Neves (PSDB-MG), um dos responsáveis pela crise que vivemos, porque é um ressentido. Nunca aceitou que perdeu as eleições. Já começa errado o trabalho no Senado”, comentou.

O senador Magno Malta (PR-ES) ponderou ser preciso conduzir os debates de forma mais tranquila. “Estamos seguindo um rito que vai se prolongar um pouco mais. O que ocorreu aqui é absolutamente legítimo, mas não podemos permitir esse questionamento. A base do governo não precisa se preocupar. Tenho certeza de que o relatório dele nem vai doer. Olha o nome dele Antônio ‘Anestesia’”, provocou Malta.

 

Frases

“Essa serenidade servirá para desempenhar com seriedade e responsabilidade a função de relator dessa comissão”

Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator da comissão especial no Senado

 

“Não repitamos a votação vexatória que foi feita na Câmara. Não vamos permitir que uma questão tão importante tenha eleito um relator escolhido por aclamação e entre palmas”

Humberto Costa (PT-PE), senador

 

“Estamos seguindo um rito que vai se prolongar um pouco mais. O que ocorreu aqui é absolutamente legítimo, mas não podemos permitir esse questionamento”

 

Magno Malta (PR-ES), senador

_______________________________________________________________________________________________________

Peregrinação pelos gabinetes

 

O ministro-chefe da AGU, José Eduardo Cardozo, começou uma peregrinação pelos gabinetes do Senado para conversar com todos os congressistas pessoalmente. Ele esteve com o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). Cardozo disse acreditar que conseguirá esclarecer os pontos da defesa. “Confio que vai dar para reverter votos ao longo dos próximos dias, pois nossos argumentos são claros e contundentes”, disse o ministro-chefe da AGU.

Em outra frente, a AGU entrou ontem com um pedido na Câmara dos Deputados para tentar anular a sessão do plenário em que foi aprovada a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, no último dia 17. A AGU argumenta que a sessão desrespeitou pontos definidos pelo Supremo Tribunal Federal sobre o rito.

Segundo a Advocacia-Geral da União, ao orientarem as bancadas, os líderes partidários “violaram formação da livre e pessoal convicção dos deputados”. “Nesse sentido, ter-se um posicionamento derivado de orientação partidária, antes das alegações, ofende o devido processo legal e nulifica o julgamento, por impedir a imparcialidade”, diz a petição, endereçada ao presidente da Casa, Eduardo Cunha.

 

Outro argumento usado pela AGU para tentar derrubar o processo é o de que os votos deveriam se restringir ao objeto da denúncia recebida. Neste caso, ao expressarem as respectivas posições sobre a abertura do processo, parlamentares fugiram à motivação principal da acusação, focada na prática das chamadas “pedaladas fiscais”. A Mesa da Câmara recebeu a solicitação e, por ora, ela não anula nenhum procedimento. Não há prazo para resposta. (JC)