Correio braziliense, n. 19330, 28/04/2016. Política, p. 2

Uma relação cada vez mais deteriorada

Paulo de Tarso Lyra

Julia Chaib

Naira Trindade

A deteriorada relação entre Dilma Rousseff e Michel Temer atingiu um nível mais alto ontem. Petistas e integrantes do governo defendem que não haja a formação de uma equipe de transição entre os dois governos, com o compartilhamento espontâneo de informações estratégicas do Executivo Federal, pelo fato do governo Temer ser “ilegítimo, fruto de golpe e sem o amparo democrático das urnas”.

Alguns mais ponderados refutam a tese de que os dados serão “escondidos, apagados ou destruídos”. Mas acrescentam que, se aliados de Temer quiserem acessos a projetos, planilhas e orçamentos, eles que procurem nos ministérios. Não haverá a mínima boa vontade da atual administração de explicar como está o país e o que poderá ocorrer nos próximos meses. Outros nem sequer pretendem admitir a derrota antes da votação no Senado.

“É um direito deles, evidentemente. Mas é claro que é péssimo. Não sabemos a situação do país que eles vão nos passar, quais os esqueletos, as bombas e possíveis sabotagens”, reconheceu um interlocutor do vice-presidente Michel Temer.

É mais um capítulo do transe político que paralisa o país com dois governos em funcionamento diante de uma população que convive com uma inflação de dois dígitos, desemprego na casa dos 10 milhões de pessoas e recessão que beira os 5% de encolhimento do PIB. Dona de uma caneta sem tinta, a presidente Dilma Rousseff nomeia e demite ministros, luta para sobreviver na batalha do impeachment e acelera projetos para tentar deixar alguma marca administrativa para tentar apagar o trauma do impeachment.

Herdeiro do eixo do poder de fato, mas ainda não de direito, o vice-presidente confirma ministeriáveis, abandona convites feitos a amigos para se tornarem ministros e se envolve até em julgamentos no Supremo Tribunal Federal. O debate em torno da mudança nos juros — de compostos para simples — da dívida dos estados é emblemática. Se o cálculo dos juros for alterado, a União arcará com um rombo de R$ 402 bilhões. Mais preocupado com a defesa de Dilma Rousseff no Senado, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, deixou o caso da dívida aos cuidados de outros defensores.

Preocupado com o possível rombo de meio trilhão de reais que poderia ser obrigado a assumir, Temer mandou interlocutores conversar informalmente com ministros do STF. Conseguiu, assim, a primeira vitória de um governo que ainda não existe. Os ministros decidiram adiar o julgamento por 60 dias, prazo no qual, em tese, Temer já será presidente da República.

 

Solenidades

Dilma combinou com assessores acelerar o lançamento de programas sociais e de outras iniciativas, como entrega de residências do Minha Casa Minha Vida para evitar que Temer “roube” as bandeiras históricas do PT. Dilma vai fazer uma grande solenidade amanhã, no Palácio do Planalto, com cerca de 100 profissionais cubanos, para prorrogar por mais três anos a permanência de profissionais estrangeiros no Mais Médicos. Será editada uma medida provisória. Hoje, atuam no programa 18,2 mil médicos, sendo 11,4 mil de Cuba. Segundo o Ministério da Saúde, 63 milhões de brasileiros são beneficiados.

Ontem, foi instalado o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), em cerimônia no Ministério da Justiça. Dilma também participou da solenidade de abertura da Conferência Nacional de Direitos Humanos. No evento, chamou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de “pecado original” do processo de impeachment que tramita no Senado e tende a afastá-la do governo no próximo dia 12.  “Vocês sabem perfeitamente que esse processo tem um pecado original. Vocês acabaram de falar quem é o pecado original: é o presidente da Câmara”, afirmou a presidente, enquanto a plateia gritava “Fora Cunha”.

“Mas aí vocês podiam me perguntar: por que ele é o pecado original?”, indagou a presidente. Dilma esclareceu que, no fim do ano passado, Cunha tentou se salvar de uma investigação do Conselho de Ética da Câmara e, sem apoio do governo no acordo de indicação de nomes petistas, se vingou abrindo o processo de impeachment contra ela.

 

“O senhor presidente da Câmara queria fazer um jogo escuso com o governo. Qual era o jogo? Votem para que eu não seja julgado no Conselho de Ética e eu não entro com processo de impeachment”, afirmou Dilma.“Um governo que aceita uma negociação dessa é um governo que entra em processo e de apodrecimento e, aí, nós nos recusamos a fazer essa negociação”, enfatizou a presidente.