Placar de 11 a 0 no STF põe fim a manobras
Em menos de 24 horas, o Supremo Tribunal Federal ( STF) desfez meses de manobras patrocinadas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para se manter no comando da Casa. De madrugada, a pedido do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, o ministro do STF Teori Zavascki determinou, em decisão liminar, a suspensão do mandato de deputado federal de Cunha e, consequentemente, seu afastamento da presidência da Câmara. No fim da tarde, por unanimidade os demais dez ministros do STF confirmaram a decisão de Teori, relator do caso.

— Onze a zero — comemorou Janot ao deixar o STF ao fim do julgamento.

O STF não fixou um prazo para a duração da suspensão. Assim, Cunha ficará impedido de exercer o mandato por tempo indeterminado. Ele ainda pode recorrer, mas as chances de obter uma vitória são consideradas pequenas. O pedido de Janot foi feito em dezembro, o que gerou críticas pela demora de uma decisão. Nesse tempo, Cunha patrocinou manobras para retardar o andamento do processo contra ele no Conselho de Ética na Câmara, e deu celeridade ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ontem, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, defendeu o tribunal:

— O tempo do Judiciário não é o tempo da política nem é o tempo da mídia. Nós temos ritos, temos procedimentos, temos prazos e devemos observá- los.

Em seu voto, o decano do tribunal, ministro Celso de Mello, fez um discurso contra a corrupção revelada pela Operação Lava- Jato. Segundo ele, as práticas ilícitas dos agentes públicos, inclusive Cunha, tinham o objetivo de “capturar organizações governamentais por meio de uma organização criminosa”.

— Os elementos revelados na Operação Lava- Jato são no sentido de que a corrupção ter- se- ia impregnado profundamente na intimidade do Estado brasileiro, caracterizando conduta endêmica, com a degradação da dignidade política, reduzida ao plano subalterno da delinquência institucional — declarou Celso, concluindo: — O STF não pode permitir que se configure o risco da prática de delinquência pelo agente público enquanto do desempenho de suas atividades funcionais.

Inicialmente a favor de só afastar Cunha da presidência da Câmara, mas não do mandato, Dias Toffoli se disse convencido pelos argumentos de Teori.

— Essa decisão de suspender mandato popular há de ocorrer em circunstâncias que sejam as mais necessárias e plausíveis possível. Não é desejo de ninguém aqui que isso passe a ser instrumento de valoração de um poder sobre o outro, instrumento de empoderamento do Judiciário em relação aos poderes eleitos pelo voto popular — disse Toffoli.

 

‘ EM DEFESA DA PRÓPRIA CÂMARA’

Outros ministros refutaram a ideia de que a decisão seja uma ingerência do Judiciário sobre o Legislativo. Segundo Gilmar Mendes, no caso específico de Cunha, só o afastamento da presidência da Câmara não seria o suficiente.

— O afastamento aqui, tendo em vista a necessária excepcionalidade, está relacionado ao exercício das funções parlamentares. Não há como fazer a separação. Muitas das práticas desenvolvidas foram executadas valendo- se da condição de parlamentar, não necessariamente da condição de presidente da Câmara — argumentou.

— Não há qualquer ingerência no Poder Legislativo. Nós estamos atuando estritamente dentro dos limites da nossa competência. A proposta do ministro Teori Zavascki limitou- se simplesmente a suspender o exercício do cargo. Uma eventual cassação do mandato continua sob a competência da Câmara — acrescentou Lewandowski.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que o STF defendia a própria Câmara:

— O Supremo nesta decisão não apenas defende e guarda a Constituição, como defende e guarda a própria Câmara (...) uma vez que a imunidade do cargo não pode ser confundida com impunidade ou possibilidade de vir a ser.

Ao votar, Luís Roberto Barroso contou que, recentemente, ouviu de um presidente de centro acadêmico de universidade pública uma frase que o emocionou:

— Ele me disse: eu não quero viver em outro país, eu quero viver em outro Brasil. Essa frase não me saiu da cabeça.

 

O globo, n. 30223, 06/05/2016. País, p. 5