Correio braziliense, n. 19331, 29/04/2016. Política, p. 5

Sessão tumultuada no Senado

Guilherme Waltenberg

A terceira reunião da comissão especial do impeachment no Senado, que contou com a participação de dois dos três autores do pedido, foi marcada por discussões acaloradas entre governistas e oposicionistas, além de críticas aos fundamentos do pedido de afastamento. Prevista para começar às 16h, a audiência com os juristas Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior teve início apenas duas horas depois, devido às discussões sobre o andamento do rito do impeachment.

A discussão surgiu quando senadores governistas apresentaram oito requerimentos pedindo que ministérios e órgãos de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União), apresentassem documentos sobre o processo contra a presidente. Já a oposição rebateu os pedidos dizendo que a maior parte dessas informações era pública e que não seria necessário um pedido formal para ter acesso a esses dados.

O relator do processo, senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), recusou os pedidos avaliando que não era o momento para essa discussão. Os governistas insistiram em prosseguir com a votação, o que adiou o início das discussões. “A base do governo não quer ouvir os convidados, fica claro que (o pedido) é mero casuísmo político”, afirmou o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Lindbergh Farias (PT-RJ) rebateu dizendo que o direito de defesa da presidente estava sendo cerceado.

 

“Gravíssima”

O jurista Miguel Reale Júnior sustentou que a presidente Dilma Rousseff cometeu uma “irresponsabilidade gravíssima” na condução das finanças públicas. “O fato delituoso pode não existir lá na Lei das 12 Tábuas, mas existe na consciência das democracias”, disse o professor, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso.

Em sua fala, Reale Júnior disse que as operações de crédito feitas por Dilma foram “indevidas”. “Ela maquiou artificiosamente esses débitos, fazendo de conta que não existiam, para se gerar junto à população e aos agentes econômicos a ideia de que havia superávit primário”. O jurista prosseguiu: “Não venha dizer que se agiu por necessidade de atender programas sociais. Necessidade só existe quando não há outro caminho e para reduzir os gastos públicos existem vários.”

 

Objeto

A professora da USP (Universidade de São Paulo) Janaína Paschoal, coautora do pedido de afastamento de Dilma, argumentou, em sua fala no Senado, que, independentemente do objeto aceito na denúncia pela Câmara dos Deputados, que se limitou às operações conhecidas como pedaladas fiscais e à liberação de crédito extraordinário em 2015, o Senado teria autonomia de incorporar à análise outras partes da denúncia, como a operação Lava-Jato.

“Inclusive fatos alheios à denúncia num processo de impeachment, que é jurídico-político, podem ser levados em consideração pelo Senado Federal na hora do julgamento. A doutrina diz isso, está na minha denúncia”, afirmou a advogada. “Mas eu não estou pedindo a vossas excelências que considerem nada além do que está na denúncia”, prosseguiu.

Janaína fez uma apresentação emocionada de quase duas horas. Em um momento, ela embargou a voz e disse que o pedido de impeachment tem como objetivo que “as criancinhas” tenham mais conhecimento sobre a sua capacidade de melhorar o país, e chamou a constituição de “livro sagrado”.

 

Frase

“Não venha dizer que se agiu por necessidade de atender programas sociais. Necessidade só existe quando não há outro caminho e para reduzir os gastos públicos existem vários”

 

Miguel Reale Júnior, coautor do pedido de impeachment

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Anastasia nega pedalada

 

O senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), relator do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, minimizou ontem a denúncia de deputados mineiros de que ele, quando governador do estado, também teria feito as operações conhecidas como pedaladas fiscais no exercício do cargo. Segundo ele, essas acusações não têm “nenhum fundamento”.

“Essas manobras não vão me retirar, em nenhum momento, a seriedade, a responsabilidade e a minha serenidade no exercício desta tarefa importante que o Senado, que a Comissão me atribuiu de ser o relator deste processo”, disse.

Anastasia governou o estado de Minas Gerais entre 2010 e 2014, sucedendo o atual presidente do PSDB, senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ele foi escolhido relator do processo de impedimento na última terça-feira, sob protestos do PT, que avaliou que a comissão não teria isenção com um tucano na relatoria. Ainda assim, ele continuou no cargo com apoio da maioria da comissão especial do impeachment.

Segundo o senador, há uma diferença entre as denúncias que agora imputam a ele e o processo contra a presidente Dilma Rousseff. “Quero sempre relembrar que neste processo o objeto não é análise de ações de responsabilidade de ex-governadores, ex-prefeitos ou ex-presidentes, mas da atual presidente da República”, afirmou.

 

“E, ademais, é bom lembrar que, no caso do meu governo, ele já acabou há mais de dois anos”, concluiu o senador, sem dar mais declarações sobre o assunto.