Correio braziliense, n. 19332, 30/04/2016. Política, p. 4

Ministros fazem defesa de Dilma

Julia Chaib 

Ao longo de pouco mais de nove horas de sessão, a defesa da presidente Dilma Rousseff foi ouvida e questionada na comissão especial destinada a analisar a admissibilidade do pedido de impeachment da petista no Senado. Por duas horas, falaram o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, a ministra da Kátia Abreu e, por fim, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. No restante do tempo, eles foram questionados pelos senadores.

Na quinta-feira, foram ouvidos os autores do pedido de impeachment: Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr. Ontem, ao colegiado, os ministros afirmaram que todas as ações de Dilma apontadas não ocorreram dentro da legalidade. O primeiro a falar foi Barbosa, que repetiu diversas vezes a frase “não há base legal para o impeachment”. Dilma é acusada de crime de responsabilidade por editar decretos presidenciais sem autorização do Congresso e pela contratação ilegal de operações de créditos, as chamadas pedaladas fiscais.

Segundo Barbosa, os decretos não aumentavam a previsão de valores gastos. O titular da Fazenda assegurou que Dilma agiu de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e estava “amparada por pareceres do governo”. Afirmou ainda a edição de decretos seguiu a mesma forma usada em 2001 e 2009, e estava baseada no entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) até então, mas, em outubro do ano passado, houve uma mudança de jurisprudência. Barbosa argumentou que o novo entendimento não pode retroceder, mas só ser aplicado em decisões adiante. “Houve um pagamento, não há o que se falar em acúmulo ou atrasos. Novos entendimentos têm aplicação para frente e nunca para trás.” O governo pediu para anexar ao processo documentos que comprovam que a mesma prática havia sido adotada em 2001 e 2009, mas teve o requerimento negado.

A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, falou na sequência. A peemedebista afirmou que não houve “empréstimo” nem ilegalidade nas denúncias referentes às chamadas pedaladas fiscais, em que o Tesouro teria atrasado repasses ao Banco do Brasil no âmbito do Plano Safra. De acordo com Kátia, a operação de crédito se dá entre a instituição financeira e o produtor. Entre o Tesouro e o banco, isso não ocorre. Kátia afirmou por diversas vezes que essa prática não configura “empréstimos” por parte do governo. A ministra explicou que programa oferece juros mais baratos aos produtores rurais, pagos pelo Banco do Brasil. Em seguida, a diferença dos juros subsidiados e os praticados pelo mercado são restituídos pelo governo.

A ministra defendeu ainda o caráter de Dilma. “Também estou com a presidente Dilma porque acredito na sua idoneidade, honestidade e espírito público. Não confio e acredito naquele que faz, mas rouba. Jamais a apoiaria se tivesse viés de dúvida do seu caráter”, afirmou. “Jamais apoiaria os ‘que roubam, mas faz’. Se tivesse uma mínima possibilidade de dúvida com relação ao seu caráter, jamais apoiaria”, continuou.

 

“Golpe”

O terceiro a realizar a defesa do governo foi o advogado-geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, que utilizou os mesmos argumentos apresentados na Câmara dos Deputados. “Não estou fazendo nenhuma heresia quando eu digo que impeachment feito em desrespeito às regras é golpe. Esse processo não está sendo realizado de acordo com a Constituição. Por isso que digo, em se consumando o impeachment nesses termos, efetivamente, haverá um golpe.” Cardozo voltou a afirmar que o impeachment só foi deflagrado por um ato de vingança do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por ter perdido apoio do PT no processo que prevê a cassação do mandato do peemedebista. O ministro garantiu que Cunha “ameaçou” e “chantageou” o governo.

Cardozo disse ainda que a antecipação dos votos dos deputados quando o processo foi analisado na Câmara fere a “imparcialidade” e o processo jurídico. “Por isso, é nula de direitos aquela sessão (da Câmara). Nula”, reforçou. O ministro afirmou ainda que o processo deve se concentrar em apenas dois pontos, os que se referem à edição de decretos sem autorização do Congresso e a operação de créditos ilegais. “Se se tratar de outros pontos, é nulo o processo. Indiscutivelmente nulo”, completou o ministro, que não descarta a hipótese de recorrer ao Judiciário mais uma vez. Diante da acusação de golpe, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) rebateu Cardozo. “O que está fazendo Vossa Excelência? Por que não procurou o Ministério Público? O que faz Vossa Excelência que afirma que é golpe e não toma providências? Por que não vai ao STF?”, questionou.

 

Encontro no STF

 

Depois de mais de oito horas de trabalhos, às 18h, o presidente da comissão especial que analisa o impeachment no Senado, senador Raimundo Lira (PMDB-PB), saiu para encontrar o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O encontro serviu para uma conversa sobre a segunda fase do colegiado, que já passa a ser chamada de comissão processante. O calendário da comissão prevê que na segunda-feira sejam ouvidos mais especialistas que defendem a tese da acusação.

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Pedido de suspensão da ação

José Eduardo Cardozo afirmou que insistirá e questionará a suspeição regimental do relator, senador Antonio Anastasia (PSDB- MG), o mesmo procedimento feito por governistas. O titular da AGU deve apresentar o requerimento na próxima segunda-feira. Na quinta-feira, Janaina Paschoal disse ter recebido R$ 45 mil do PSDB para elaborar o pedido de impeachment e afirmou que Reale Júnior é filiado à legenda. “Um partido não pode tomar conta de um processo dessa maneira”, avaliou Cardozo. No fim da sessão da comissão, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) pediu a suspensão do processo todo.

O ministro afirmou que denunciantes e relatores não podem ser da mesma sigla. “Ele não pode ter os denunciantes que são os seus membros, a advogada que subscreveu sendo paga por ele e o relator, justamente para firmar um posicionamento sobre a denúncia feita. Isso está incorreto do ponto de vista ético e regimental. Não tínhamos avaliado antes porque não havia se configurado”, disse. Antes, porém, o presidente do colegiado, Raimundo Lira (PMDB-PB), adiantou o posicionamento frente à possibilidade de questionamento, que já havia sido colocado por Cardozo no início da sessão. “Indeferi a questão dele. Ele fez verbalmente, mas eu fiz uma nota técnica para constar nos autos, nos anais da comissão”, disse Lira.

 

Vanessa Grazziotin foi além. Ela questionou a relatoria por Anastasia e pediu a suspensão do processo. Segundo ela, o pedido de impeachment descumpre a lei ao apontar descumprimento das metas fiscais de 2015, antes do fim do prazo de apresentação das contas. Anastasia afirmou que é alvo de ataques “injustos”. (JC)

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Cardozo seguirá como advogado

Paulo de Tarso Lyra

 

O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, deve continuar a defender a presidente Dilma Rousseff mesmo após a votação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado. Caso os senadores aprovem, por maioria simples, o afastamento da presidente por até 180 dias, todos os ministros terão de deixar os cargos. Em tese, Cardozo precisaria cumprir uma quarentena para voltar a advogar. Na opinião de integrantes da AGU e do Planalto, essa restrição não se aplica à relação entre Dilma e Cardozo.

A quarentena, que dura seis meses, tem de ser cumprida por ministros; ocupantes de cargos de natureza especial; presidentes, vice-presidentes e diretores de autarquias e empresas públicas; e detentores de cargos de direção e assessoramento superiores (DAS 5 e 6). É uma obrigação para evitar que o recém-saído do setor público utilize informações privilegiadas para se beneficiar financeiramente, politicamente ou para prejudicar o governo.

 

“Que tipo de informação privilegiada Cardozo utilizaria na defesa do julgamento do impeachment? Ele já está defendendo a presidente, continuaria exercendo o mesmo papel depois”, ponderou um jurista do governo. A mesma autoridade lembrou que, após a admissibilidade, Dilma está apenas afastada, mas ainda tem o direito de morar no Palácio da Alvorada e de utilizar os aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). “Em tese, ela poderia pedir para o novo advogado-geral da União a defender. Claro que não fará isso, pois ele terá sido indicado pelo vice-presidente (Temer)”, disse um interlocutor de Cardozo.