Correio braziliense, n. 19332, 30/04/2016. Economia, p. 7

Temer terá que tornar LDO de 2017 realista

Paulo Silva Pinto

Dentro de 12 dias, a presidente Dilma Rousseff deverá deixar o Palácio do Planalto, e os seus ministros, a Esplanada dos Ministérios. Serão substituídos imediatamente por nomes escolhidos por Michel Temer, mesmo no exercício ainda provisório da Presidência da República. É o roteiro na previsão altamente provável da aceitação do pedido de impeachment pelo plenário do Senado em 11 de maio.

A equipe de Temer terá muito trabalho pela frente. Uma das principais será mudar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, que define os parâmetros para a composição do Orçamento da União. Se, normalmente, os planos para os gastos do ano seguinte já são uma peça de ficção, desta vez, o descompasso é maior ainda: tudo foi feito por um grupo de técnicos de uma administração e será usado por um governo completamente diferente.

Outro problema é que o agravamento da recessão tornou caducas grande parte das previsões realizadas. “Temer não terá tempo a perder, e a modificação da LDO é parte essencial disso”, avisou o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. O desafio aumenta porque, ao mesmo tempo em que terá de mudar as projeções para as contas de 2017, Temer terá que aprovar, em regime de urgência, a nova meta fiscal de 2016 para evitar a paralisia completa da máquina pública.

Com o impeachment na ordem do dia, nada anda no Congresso. A Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deve avaliar a LDO de 2017, não foi sequer instalada. Portanto, o projeto não tem relator. Espera-se que isso seja resolvido na próxima semana. Mesmo que não se resolva, não será um drama, na avaliação do economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país. “Estaremos em um governo de transição. Isso terá de ser levado em conta”, afirmou.

 

Frustração

O projeto enviado pelo governo prevê crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1%, enquanto os analistas de mercado não veem mais do que 0,3% de alta. O pior de tudo, porém, é a meta de resultado primário. A proposta do governo conta com resultado zero, mas estabelece uma licença para abater R$ 42 bilhões com frustração de receitas e R$ 23 bilhões com obras. Na prática, aceita-se, de antemão, deficit de R$ 65 bilhões — é a primeira vez que o Executivo envia uma proposta de LDO com previsão de rombo nas suas contas. Esse buraco, porém, está aquém dos R$ 103,5 bilhões que os analistas de mercado projetam, em média, para o resultado do próximo ano.

É preciso tomar um cuidado adicional. A acusação que a Câmara admitiu contra a presidente Dilma Rousseff, que poderá levar ao impeachment, está centrada exatamente no descumprimento da meta da LDO de 2015. “Há, hoje, mais transparência na elaboração da LDO e do Orçamento. Provavelmente, Temer eliminará as bandas de tolerância, admitindo, de fato, que haverá deficit nas contas”, aposta o economista Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria.

No caso da modificação da meta da LDO de 2016, o tempo é curto. O texto em vigor exige superavit de R$ 24 bilhões (0,39% do PIB). Somente no primeiro trimestre do ano, o rombo acumulado chegou a R$ 18,2 bilhões. Está claro que não é possível chegar ao fim de 2016 com as finanças no azul. O projeto de mudança enviado pelo Executivo estabelece apenas R$ 2,8 bilhões de saldo positivo. Mas as reduções permitem chegar a um rombo de R$ 96,6 bilhões.

 

Tesoura afiada

Para não infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é preciso alterar a meta até 22 de maio. O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cogita levar o texto ao plenário do Congresso antes de passar pela CMO. Uma dúvida grande que vai surgir na hora de refazer as contas para a LDO de 2017 será para que lado levar o deficit. O agravamento da recessão sugere um resultado pior. Por outro lado, espera-se melhora da economia por conta da queda da inflação, da expectativa de redução dos juros e da melhora da confiança que poderá vir com Temer na Presidência — e ele provavelmente vai querer cravar essa melhora de expectativas na LDO.

O economista Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho, contava com deficit de 1,8% do PIB neste ano. Agora, espera 1,5%. Há pouco tempo, ele pretendia revisar o número para cima. Mudou de direção por conta do aumento das chances de impeachment. O deficit acumulado em 12 meses de todo o setor público está em 2,3% do PIB. Para chegar ao que Rostagno espera, o novo governo precisará fazer um esforço fiscal de 0,8 ponto percentual do PIB. “A curto prazo, Temer vai cortar parte dos subsídios e desonerações. Depois, proporá reformas, para garantir algo mais sustentável”, disse. Para 2017, ele prevê deficit de 0,8% do PIB, metade da expectativa do mercado.

 

Klein, da Tendências, projeta rombo menor em 2017: 0,75% do PIB. E também conta com a redução de subsídios e desonerações.

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Cortes têm que ser maiores

Sem saída diante do avanço do processo de impeachment no Senado e da paralisia do Legislativo, o governo começa a falar de forma clara sobre as dificuldades para reequilibrar as contas públicas. Ontem, em evento na Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, admitiu que a elevação dos gastos públicos nos últimos anos foi influenciada, basicamente, pelo crescimento de despesas obrigatórias e que, o ajuste baseado apenas no corte das discricionárias (não obrigatórias) não é suficiente.

Para ele, somente reformas mais profundas, como o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria e o efetivo limite os gastos públicos seria capaz de mudar a trajetória das despesas da União. De acordo com Pires, no ano passado, os gastos obrigatórios chegaram a 14,5% do PIB, e a projeção do governo é que atinja 15,2% neste ano — patamares bem superiores aos de 2010, quando os gastos ficaram em 12,1% do PIB.

O secretário alerta que a queda nas despesas não obrigatórias — de 4,6% para 3,9% do PIB entre 2014 e 2015 — não é sustentável a longo prazo. “É necessário, além de ganhar mais flexibilidade, buscar em equilíbrio maior dentro da capacidade de ajuste que o governo tem. Por isso, avançamos na discussão de uma reforma mais ampla”, afirmou.

 

Estudos

Uma das medidas em estudo é a limitação de gastos, prevista do Protejo de Lei nº 257, que possibilita o corte de gastos em três estágios, de acordo com o nível de desequilíbrio fiscal de União, estados e municípios. As medidas iriam desde a proibição da criação de cargos até o cancelamento do aumento real de salário.

Uma simulação feita pela Fazenda mostra que, se os três estágios tivessem sido aplicados em 2014, teriam impacto de R$ 68,11 bilhões, ou 1,2% do PIB. No ano passado, o impacto seria menor, de R$ 21,5 bilhões, ou 0,36% do PIB. Ainda de acordo com o estudo, o deficit primário poderia ter ficado em 0,3% do PIB no ano passado, em vez de 2%, caso todas as medidas tivessem sido tomadas.

Segundo Pires, essa discussão, no entanto, está paralisada, por causa da polêmica sobre a dívida dos estados no Supremo Tribunal Federal. Essa, segundo o técnico, é a questão que mais preocupa do governo no momento, porque pode gerar um rombo de R$ 402 bilhões, caso o cálculo com juros simples seja estendido a todos as unidades da Federação.

 

Na opinião do secretário, o governo federal precisa garantir instrumentos que deem mais sustentabilidade às contas públicas e mais flexibilidade a curto prazo, e que isso se estenda a estados e municípios.

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Buraco de R$ 136 bi

Rosana Hessel 

As contas da União, de estados e municípios vão de mal a pior. Segundo o Banco Central, o setor público como um todo registrou rombo de R$ 136 bilhões nos 12 meses terminados em março, o equivalente a 2,28% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o pior resultado da série histórica iniciada em dezembro de 2001. Qualquer que seja a comparação, os dados são desanimadores. Somente no primeiro trimestre deste ano, o buraco nas finanças somou R$ 5,8 bilhões, o primeiro deficit para o período. Em março, faltaram R$ 10,6 bilhões para fechar as contas, saldo sem precedentes para o mês desde 2001.

Os números do setor público só não foram piores devido à queda do dólar, que permitiu ao Banco Central acumular ganhos de R$ 42,7 bilhões em março com os contratos de swap cambial. Assim, a conta de juros diminuiu e, por consequência, o deficit nominal, que inclui as despesas com a dívida. A fatura de com encargos da dívida ficou positiva em R$ 648 milhões e o deficit nominal cravou R$ 9,9 bilhões.

Na avaliação de Fernando Rocha, chefe adjunto do Departamento Econômico do Banco Central, os resultados do setor público continuarão no vermelho, porque a economia continua afundando. “A atividade fraca afeta as receitas do governo”, frisou. Ele ressaltou que a boa notícia, também por causa do dólar, foi o recuo da dívida bruta em março, de 66,7% para 66,3% do PIB. Já a dívida líquida, que desconta as reservas internacionais do país, subiu de 36,8% para 38,9% do PIB e deve passar para 39,1% em abril.

Para o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, ainda haverá muita decepção na área fiscal. Pelas contas dele, o deficit primário do setor público deste ano ficará em 1,8% do PIB e o de 2017, em 1,3%. “O resultado dos juros pode ter sido positivo, mas não foi suficiente para reverter a tendência de aumento do deficit primário. Quando olhamos as despesas do governo central, elas continuam crescendo. Isso mostra que a política fiscal está frouxa. Logo, será um grande desafio para o próximo governo consertar esse desarranjo”, comentou.

 

Estados

 

O quadro fiscal é muito ruim, admitiu Rocha, do BC. Não bastassem os criados pelo próximo governo, a manutenção das liminares em favor dos estados para a correção do saldo da dívida com a União nos próximos 60 dias aumentará o endividamento federal. A torcida do Ministério da Fazenda era para que o Supremo Tribunal Federal (STF) pusesse um ponto final no tema, impedindo a mudança na atualização dos débitos. Mas foi derrotado. Segundo o técnico, se o impasse não for resolvido até junho, o BC deverá elevar as projeções do endividamento público para este ano.