Título: Argumentos do chanceler
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 14/10/2011, Política, p. 4

Antonio Patriota defende que foram adequadas as abstenções nos casos líbio e sírio. No primeiro, para não endossar uma intervenção militar ilimitada. No segundo, também para evitar o alinhamento com um bloco de membros permanentes do Conselho de Segurança contra outro

Argumentos do chanceler Como conciliar o pragmatismo, um traço orgânico das relações internacionais, com o principismo? O desafio fica ainda mais complexo em situações radicalmente novas, como agora na chamada Primavera Árabe.

É um assunto tratado criticamente com alguma frequência nesta coluna, e sobre o qual conversei ontem no Itamaraty com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Passo a listar alguns argumentos do chanceler.

"A posição do Brasil tem sido intervir para conseguir melhorar as situações. Se não for possível, pelo menos para não piorar", diz Patriota.

Para ele, não faria sentido intervir em cenários de risco aos direitos humanos para criar situações que embutem ameaças tão graves quanto, ou mais, a esses direitos.

Na Líbia, o Brasil vinha integrado ao movimento geral no Conselho de Segurança, mas decidiu abster-se por enxergar na redação do texto final brechas para intervencionismo excessivo.

Segundo o chanceler, uma preocupação confirmada pelos fatos.

Mas e a ameaça iminente de um massacre da então oposição líbia em Benghazi, propósito aliás anunciado explicitamente por Muamar Kadafi?

O Brasil avalia que a zona de exclusão aérea teria sido suficiente para estabelecer um certo equilíbrio em segurança, que poderia favorecer uma saída negociada.

E na Síria? O apego brasileiro à cautela e ao diálogo não corre o risco de cair no vazio, diante da insistência do regime de Bashar al Assad em reprimir brutalmente a oposição?

Não, pois o Brasil não deseja contribuir para a situação na Síria degenerar numa guerra civil. Inclusive porque a desestabilização ali teria implicações regionais. Um possível efeito dominó.

Mas o Brasil reconhece que o regime de Damasco está longe do que lhe pedem inclusive os países que não podem ser acusados de trabalhar por uma intervenção externa. E que o tempo para uma saída negociada está correndo.

Os ajustes recentes na posição russa, instando mais firmemente Assad a passar das palavras aos atos, a tomar medidas práticas para pacificar o país e desencadear uma transição, mostram que a posição líder sírio anda mais frágil.

Isto quem diz sou eu, não o chanceler.

Para Patriota, interessa ao Brasil no palco sírio continuar como interlocutor. Inclusive em atenção às demandas da comunidade brasileira de descendentes de imigrantes daquele país.

Ainda que tudo tenha um limite, reconhece.

Mas a insistência do Brasil em se abster no Conselho de Segurança não acabará consolidando a imagem de que o país lava as mãos em situações de polarização?

O chanceler diz que não há uma linha sistemática de abstenção.

Segundo ele, foram dois momentos específicos. No caso da Líbia, adotou-se a cautela para não subscrever o intervencionismo sem limites.

Algo razoável à luz da experiência iraquiana, defende.

No caso da Síria, o Brasil julgou melhor não se alinhar com uns membros permanentes do Conselho de Segurança contra os outros. Um não-alinhamento que, segundo o chanceler, fortaleceu a posição brasileira em vez de enfraquecer.

O Brasil tem trabalhado por soluções consensuais no conselho, informa o Itamaraty. A chancelaria considera que é o melhor caminho para levar as decisões à prática com mais efetividade.

E a anunciada prioridade aos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil? Patriota argumenta que essa política está em plena aplicação nos organismos específicos das Nações Unidas.

Algo que pode ser notado em casos como do Irã e da própria Síria.

E por que não no Conselho de Segurança? Porque, diz ele, o Brasil não endossa a estratégia de uso sistemático da força ¿ inclusive militar ¿ como o melhor instrumento para a promoção e a defesa dos direitos humanos.

Esses são alguns argumentos do chanceler.