Valor econômico, v. 16, n. 3994, 29/04/2016. Brasil, p. A3

Não há "espaço fiscal" para reajustar Bolsa Família, diz Tesouro

Fábio Pupo

Edna Simão

Embora tenha sinalizado às centrais sindicais a intenção de reajustar o Bolsa Família, a presidente Dilma Rousseff não tem espaço fiscal no Orçamento para aumentar o valor do benefício atualmente. A avaliação é do Tesouro Nacional, para quem a situação dascontas públicas não permite esse tipo de iniciativa. A União registrou rombos recordes em março e no total acumulado do ano.

"Há espaço no Orçamento para reajuste de até R$ 1 bilhão referente ao Bolsa Família. Entretanto, a Fazenda entende que o espaço fiscal não permite essa ampliação", afirmou o secretário do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira de Medeiros.

O orçamento do Bolsa Família para este ano é de R$ 28 bilhões e a proposta do Executivo, de acordo com declarações recentes de ministros, era aumentar os valores dos benefícios sem elevar o número de atendidos. Atualmente, as 13,9 milhões de famílias beneficiárias recebem, em média, R$ 165 por mês.

Para Ladeira, as discussões sobre o reajuste do programa devem ser feitas somente depois de a nova meta fiscal solicitada pelo governo ao Congresso ser aprovada. A proposta liberaria a União a registrar um déficit de até R$ 96,65 bilhões no ano, mas o embate entre Executivo e Legislativo no âmbito político impede a mudança.

As afirmações sobre o Bolsa Família são feitas em meio a indicações do governo Dilma sobre a possibilidade de anunciar um reajuste no programa antes de o plenário do Senado votar o processo de impeachment, previsto para 11 de maio.

A visão da Fazenda, no entanto, indica que esse tipo de iniciativa não prospera diante da situação fiscal. Além de o Tesouro acreditar na impossibilidade do reajuste, o ministro Nelson Barbosa disse que, se a nova meta não for aprovada pelo Congresso, o governo terá que fazer novo contingenciamento no Orçamento deste ano.

O número do corte deve estar no próximo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, a ser divulgado até 22 de maio. "Quando divulgarmos o relatório, se houver queda da previsão de receita - e tudo indica que haverá -, será necessário aumentar o contingenciamento", disse Barbosa nesta semana.

O resultado do Tesouro de março comprova a penúria das contas públicas. A União fechou o mês com o pior déficit de toda a série histórica (iniciada em 1997), de R$ 7,942 bilhões. O período janeiro-março registrou, pela primeira vez, resultado negativo, de -R$ 18,216 bilhões. Para os períodos de 12 meses terminados em março, o rombo também é recorde: déficit de R$ 137,450 bilhões.

No ano, o resultado da União tem sido influenciado pela queda na arrecadação de impostos (devido à retração da economia) e pelas dificuldades de redução de gastos obrigatórios, como a Previdência Social. A receita líquida total do governo central (Tesouro, Previdência e BC) teve queda real de 3% no primeiro trimestre, somando R$ 276,096 bilhões.

O recuo também foi provocado pela pior situação financeira de empresas estatais, que pagaram R$ 392,8 milhões em dividendos ao governo no ano, queda de 79,2% em relação a um ano antes (em março, o Banco do Brasil foi o que mais contribuiu, ao pagar R$ 274,5 milhões).

A situação da União não é ajudada em nada pelas liminares concedidas neste mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF) liberando Estados a usarem juros simples (em vez dos compostos) no cálculo das dívidas com o governo federal. Segundo Ladeira, o impacto da medida nas receitas do Tesouro em abril já foi de R$ 2,5 bilhões. O efeito nos meses seguintes está sendo calculado (o STF adiou em 60 dias a decisão final sobre o tema, e enquanto isso as liminares continuam valendo). "Isso traz risco para o resultado fiscal do setor público e para o cumprimento da meta fiscal", disse Ladeira.

Além das menores receitas, continua havendo elevação dos gastos, impulsionados principalmente pelo rombo a Previdência. A despesa total registrou uma elevação real de 5,2%, atingindo R$ 294,3 bilhões. Pesam os gastos com abono salarial e seguro-desemprego, que somaram R$ 18,871 bilhões no primeiro trimestre, alta de 74,8% ante mesmo período do ano anterior. O resultado somado do Tesouro e do BC registra superávit de R$ 10,7 bilhões no acumulado do ano. A Previdência Social aparece com umdéficit de R$ 28,965 bilhões.

 

Por causa do clima político, o governo não consegue mudar a realidade da Previdência no curto prazo, já que as despesas são obrigatórias e precisam de aval do Congresso para terem regras alteradas. Por isso, o Executivo tem procurado cortar despesas onde pode. Os investimentos, por exemplo, somaram R$ 14,1 bilhões no primeiro trimestre do ano, queda de 6,2% contra um ano antes. O corte afeta o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, cujo investimento no ano somou R$ 1,6 bilhão, queda de 57,9% em relação a um ano antes.