Valor econômico, v. 16, n. 3994, 29/04/2016. Política, p. A8

Lava-Jato diz que Sete Brasil criou ´sistema diabólico'

André Guilherme Vieira

Carolina Leal

A Operação Lava-Jato afirmou haver um sistema de corrupção "quase diabólico" na montagem da Sete Brasil, cuja constituição, em 2010, foi anunciada com o propósito de viabilizar a construção de sondas para o pré-sal sem endividar da Petrobras.

Laura Tessler: procuradora afirmou que ex-presidente da empresa confessou que estava no cargo para garantir propina

A Sete é uma sociedade de propósito específico (SPE) reunindo empreiteiras, fundos de pensão, bancos e tem a Petrobras virtualmente como única cliente. A própria estatal participa minoritariamente do empreendimento. Segundo o Ministério PúblicoFederal, a empresa serviu à extensão do esquema de propinas instalado na estatal.

Ontem, a força-tarefa da operação denunciou por corrupção, lavagem e organização criminosa o ex-presidente da Sete, João Carlos Ferraz, o ex-diretor de Participações da empresa, Eduardo Musa, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o marqueteiro das campanhas presidenciais do PT, João Santana, além da mulher dele, Monica Moura, e ainda o operador de propinas Zwi Skornicki. Também foram acusados pelos crimes o ex-diretor de Serviços da estatal Renato Duque, seu ex-gerente, Pedro Barusco, e o operador de propinas Zwi Skornicki.

"O esquema da própria criação da Sete Brasil é quase diabólico", afirmou a procuradora da República Laura Tessler, em entrevista coletiva realizada ontem, em Curitiba. Ela ressaltou que Ferraz confessou, em depoimento, que a manutenção dele na presidência da Sete tinha o propósito de garantir o escoamento da propina.

A força-tarefa afirmou que o suposto mecanismo de pilhagem dos cofres da Petrobras envolveu contratos da Sete Brasil e da petrolífera com o estaleiro de Cingapura Keppel Fels, totalizando US$ 216 milhões em propinas.

O MPF aponta pagamento de subornos de 1% que totalizam R$ 30,4 milhões na diretoria de Serviços da estatal, especificamente nos contratos de construção das plataformas P-51e P-52, em 2003 e 2004, e P-56 e P-58 nos de 2007 e 2009, respectivamente - a área de Serviços da companhia concentrava os contratos originados na diretoria de Exploração e Produção, segundo a Lava-Jato.

Na denúncia, os procuradores afirmam que Barusco esclareceu haver um acerto firmado entre os estaleiros, Vaccari, diretores da Sete Brasil e Renato Duque "para que 0,9% do valor de contratação das sondas pela Petrobras fosse destinado ao pagamento de propina".

Coube a Vaccari, segundo Barusco, "a distribuição das vantagens indevidas": dois terços do valor da propina para o PT; e um terço seria dividido entre Duque e Roberto Gonçalves (então gerente executivo de engenharia) e Ferraz, Musa e Barusco.

Os procuradores sustentam que a Sete Brasil foi criada "a partir de projeto idealizado e coordenado por Pedro Barusco, João Ferraz e João Vaccari" e que a constituição da empresa contou com recursos "da Petrobras (10%), de fundos de pensão Petros, do Previ (do Banco do Brasil), do Valia (da Vale do Rio Doce) e do Funcef (da Caixa Econômica Federal), bem como recursos dos bancos BTG Pactual, Bradesco e Santander ".

Na acusação, a força-tarefa observa que, embora os recursos usados para constituir a Sete Brasil tenham origem em várias fontes, "a gestão maior e a efetiva condução da empresa eram realizadas pela Petrobras, uma vez que, de acordo com o estatuto da Sete Brasil, os cargos de presidente e diretor de operações seriam de indicação exclusiva da Petrobras".

O MPF diz que, embora o discurso utilizado para a criação da empresa tenha sido o de estimular o mercado nacional, "o que se observou, na realidade, foi a implementação e utilização da nova estrutura empresarial como uma forma de expandir o esquema de corrupção estruturado na Petrobras".

Zwi Skornicki é apontado como operador do estaleiro Keppel Fels e teria se associado a representantes dos estaleiros Enseada do Paraguaçu, Rio Grande e Jurong, "com o fim de combinarem e ajustarem entre si os preços para fornecimento de sondas a serem apresentados em licitação aberta pela Petrobras". Os procuradores destacam que, em vez de participarem separadamente da licitação, os representantes dos cinco estaleiros combinavam previamente o valor que cada um apresentaria à Petrobras. Elesestabeleceriam, segundo a acusação, "quantas e quais seriam as sondas atribuídas a cada um dos estaleiros, em uma espécie de loteamento prévio das contratações licitadas".

Santana e Monica Moura "a partir do estreito contato mantido com as principais lideranças" do PT, passaram a exercer "o papel de verdadeiros conselheiros da alta cúpula da agremiação", mesmo fora do período eleitoral, acusam os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato.

Por terem adquirido "profundo conhecimento sobre as atividades lícitas e ilícitas do PT", apontadas pelo MPF como "fundamentais para que fosse estruturado o projeto de manutenção no poder do partido", Santana e sua mulher receberiam uma "retribuição" determinada por Vaccari. O então tesoureiro petista mandava operadores e representantes dos estaleiros transferir dinheiro para o casal, segundo o MPF. Os valores eram posteriormente deduzidos "do saldo devedor de propina ao Partido dos Trabalhadores, prometida pelos estaleiros e solicitada por Renato Duque em razão da contratação obtida com a Petrobras".

Nas 107 páginas da denúncia, os procuradores dividem o esquema de corrupção identificado pela Lava-Jato em quatro núcleos: O primeiro integrado por Renato Duque entre 2003 e 2012 para prática de corrupção passiva e fraude à licitação para fretamento de sondas da Petrobras.

O segundo integrado por ex-funcionários do alto escalão da Petrobras, que teriam consolidado o esquema de corrupção na estatal e o transferido para o alto comando da Sete Brasil.

O terceiro núcleo de corrupção apontado pela Lava-Jato compreende "pessoas próximas do poder político", que possuíam influência para nomear e manter no cargo os diretores da Petrobras, estabelecendo ainda uma "sistemática de pagamento de propina em contratos firmados pelos diretores indicados pelo partido [PT]", para garantir o repasse de parcela da propina àlegenda.

O quarto núcleo, segundo o MPF, seria integrado por dirigentes de empreiteiras e da indústria da construção por meio de representantes dos estaleiros. É este grupo que se voltava à prática de cartel e fraude às licitações na Petrobras, à corrupção de seus funcionários e à lavagem do dinheiro originado nos crimes, segundo o MPF.

A Lava-Jato acusa ainda a formação de cartel no processo de contratação de 21 sondas, por meio de "ajuste realizado entre os estaleiros" que teria eliminado "quase que totalmente a possibilidade de competição no certame".

Sem receita e endividada, a Sete Brasil pedirá recuperação judicial à Justiça do Rio até segunda-feira, apurou o Valor.

 

Hoje inoperante, a empresa demandaria investimentos de US$ 26 bilhões para construir 28 navios-sonda que seriam entregues a partir de 2016. (Colaborou Graziella Valenti, de São Paulo) * Especial para o Valor