O Estado de São Paulo, n. 3986, 16/04/2016. Política, p. A6

A VIRADA DO 'NOVO CENTRÃO' PELA DERRUBADA

Por: Maria Cristina Fernandes

De Brasília

 

Já passava das 11h30 da noite de ontem quando o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) aproximou-se do microfone do plenário da Câmara levando seu filho, Luiz Eduardo, de 14 anos, pela mão. Declarou-se pelo impeachment e quis que o filho proferisse o 'sim'. Da mesa, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acenou para que parasse. Por trás do mimo do deputado, está uma das mais decisivas disputas para o resultado davotação de ontem. Ex-líder do PP, o deputado de 45 anos esteve no centro de uma guerra pelo comando do partido cujos despojos o vice-presidente Michel Temer carreou para o impeachment.

Até 10 dias antes da votação, a estratégia governista manteve a aposta nos três partidos do 'novo centrão', como pelotão de frente de sua defesa. Com o dobro da bancada pemedebista, PP, PR e PSD agiram em bloco, mas para derrotar a presidente Dilma Rousseff.

A tessitura de suas negociações revela a sobrevivência do jogo que desencadeou mensalão, petrolão e já se ocupa, pelas beiradas, daquele que virá a ser o governo Michel Temer. Numa planilha que soma dinheiro, cargos e prestígio, foi a disputa interna pelo poder das legendas que fechou a conta do impeachment.

Este controle garante acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão e os votos dos parlamentares, ao aparato do governo. Ombreados com os governadores arregimentados pelo Palácio do Planalto, os caciquespartidários do 'novo centrão', estamparam uma federação em frangalhos.

Em jantar no Palácio da Alvorada, no dia 8, o presidente do maior deles, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ouviu de Dilma a proposta de liderar os acordos do bloco. "Seria importante que a senhora conversasse com cada um.Não tenho como ser fiador do PR e do PSD", ponderou o senador de 48 anos, há 24 no Congresso, filho de deputado, neto de prefeito. Poderiam rumar em bloco, mas sua unidade teria que ser bancada pelo Planalto.

Um mês antes, Eduardo da Fonte rompera com o presidente do PP. Quatro anos mais novo que Quintella, o ex-líder era um de seus principais aliados no PP. Depois de perder a liderança na Câmara, Fonte começou a orbitar em torno do PMDB de Michel Temer. Ciro passou a monitorar seus movimentos e a mover a negociação com o Planalto em função dos riscos de perder a ascendência sobre a legenda para a manada que Fonte começava a tocar para Temer.

Valeu-se da proximidade com o PR. Líder do partido até aquele momento, o deputado alagoano Maurício Quintella Lessa, 45 anos, três mandatos na Câmara, ex-secretário de Educação de Alagoas na gestão do primo Ronaldo Lessa, toca de ouvido com Nogueira. Dois dias depois do jantar com o presidente do PP, Dilma receberia Quintella em café da manhã no Alvorada. A conversa começou pela gastronomia, adentrou as delações premiadas, com críticas de lado a lado, e se encaminhou para a unidade da legenda contra oimpeachment, posição amarrada pelo presidente do PR, Valdemar Costa Neto, réu do mensalão, desde a Papuda, e principal anteparo à ascensão de Quintella no partido.

Na véspera, parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, constatava 'elementos suficientes para afirmar ocorrência de desvio de finalidade' na nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil. A inflexão de Janot, entendida no PT como resposta às críticas grampeadas de Lula, encurtaria o horizonte governista.

O líder do PR já costeava o alambrado. Antes do café da manhã com Dilma, encontrara-se com o vice-presidente em São Paulo. No fim de semana que se seguiu ao parecer do Janot, nove diretórios do PP desembarcaram. Na segunda-feira, 11, aconteceu quase tudo. O impeachment passou na comissão por maioria folgada, o PMDB vazou a mensagem em que Temer ensaiava discurso de virtual presidente e Quintella entregou a liderança do PR.

Na manhã do dia seguinte, Sílvio Costa (PTdoB-PE), vice-líder do governo na Câmara, receberia um telefonema enfurecido do deputado Fábio Faria (PSD-RN). O parlamentar reclamou do desembarque do líder do PR, disse que o PP também já tinha se acertado com Temer, e que ele não ficaria para ver a nau governista afundar.

Ao contrário do PP e do PR, o partido de Faria nunca foi controlado pelo presidente, o ex-ministro das Cidades Gilberto Kassab ou pelas lideranças parlamentares. O PSD gravita em torno dos governadores. A falta decomando sobre o partido não impediu a legenda de manter, durante quase todo o governo Dilma, dois ministérios.

No sábado que antecedeu o impeachment, Kassab relembrava, em mesa no restaurante Nau, no Lago Sul, o conforto de sua situação. "Nunca prometi levar o partido para um lado ou para o outro. Recebi os parabéns de ambos". Na quarta-feira, 13, Kassab comunicaria à presidente a entrega do cargo. "Não queria deixar para depois porque pareceria oportunismo".

Em nenhum dos três partidos do 'novo centrão' a disputa de votos foi tão dramática quanto no PP. Na madrugada do dia em que anunciaria o rompimento com o governo, Nogueira receberia um telefonema da mulher, Iracema Portella, também deputada pelo PP do Piauí, que apelava para o marido voltasse atrás, mas o dirigente estava decidido. Nos últimos dias recebera romarias de empresários que apelaram para que o partido fechasse com o impeachment.

Da suíte do hotel que transformou em quartel-general da resistência, Lula espalhou que Temer vendera proteção a Ciro Nogueira, presidente do partido mais atingido na Lava-Jato. Na tarde do sábado que antecedeu ao impeachment, o presidente do PP não se comportava como quem tivesse adquirido um camarote no Titanic. Participava de um churrasco à beira da piscina da casa de um amigo no Lago Sul na companhia de Quintella e de Pedro Paulo Carvalho, secretário-executivo da prefeitura do Rio, agressor confesso de sua ex-mulher e candidato à sucessão de Eduardo Paes.

Naquela manhã, Nogueira tinha recebido uma mensagem de Luiz Eduardo, o filho do ex-líder do seu partido. Zoado na escola, apelava ao 'tio' para que levasse o pai de volta à oposição. Ciro passou a mensagem para Temer. Na mesma hora, o vice-presidente ligou para Luiz Eduardo e disse que se incumbiria da missão de atrair seu pai.

Quando Ciro Nogueira aderiu a Temer, Eduardo da Fonte pulou de volta para Dilma na companhia de mais um deputado do Maranhão. Ganharam o Ministério da Integração Nacional para puxar aliados. Dois titulares sesucederam na pasta em três dias na tentativa de agradar em bloco a ala dos indecisos. Ontem, a adesão do PP ao impeachment mostrou a pouca serventia da nomeação. Ao ouvir de Nogueira o relato sobre os ministros porum dia, o ex-deputado Ciro Gomes, que trabalhou contra o impeachment, reagiu: "Lula só pode estar querendo derrubar Dilma".

Temer é considerado um presidente 'sem inimigos' no Supremo Tribunal Federal pela turma do PP. A segurança se estende para o presidente da Câmara. Nogueira não duvida que Eduardo Cunha termina seu mandato,mantém-se deputado até 2018 e se reelege.

O impeachment selou a aliança entre Nogueira e Quintella. O presidente do PP já trabalha pela candidatura do amigo à sucessão de Cunha. Tem a convicção de que Temer deveria aprovar logo o fim da reeleição para não ter sobressaltos em sua base parlamentar. Os aliados do 'novo centrão' não temem a concorrência de um PSDB dividido. A participação no governo divide as lideranças tucanas, mas não seria capaz de desfalcar uma baseparlamentar que se iniciaria com o apoio do PMDB, PR, PP, PSD, PRB, PSDB, DEM e PPS. Número suficiente para aprovar até CPMF, o imposto do cheque do qual nenhum deles quis, até agora, ouvir falar.

Nogueira não quer banqueiro no Ministério da Fazenda. "Os melhores foram Fernando Henrique e Antonio Palocci, que nem economistas são". Reage com entusiasmo à menção do presidente do PMDB, Romero Jucá.

PP e PR não temem instabilidade social provocada por movimentos sociais e sindicatos. Murcham na hora em que o PT perder o abrigo, aposta Quintella. A falta de interlocução da nova aliança do poder com esses movimentos, portanto, não carece de preocupação. E Lula? Quintella dá de ombros: "O Judiciário está nos cós dele".