Valor econômico, v. 16, n. 3987, 19/04/2016. Brasil, p. A3

Para analistas, a CPMF deverá ser uma das primeiras medidas

Taianara Machado

Camilla Veras Mota

Marta Watanabe

 

O primeiro passo que deveria ser dado em um eventual governo Michel Temer para superar a crise econômica, caso o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff autorizado pela Câmara seja aceito pelo Senado, é reconstruir alianças políticas e fortalecer a articulação com o Congresso, principais falhas da presidente no segundo mandato.

Para economistas, esse é o ponto de partida para fazer avançar uma longa agenda de ajustes que, no entanto, não difere muito do que vem sendo apresentado pela atual equipe econômica. A medida mais viável no curto prazo, ainda que não suficiente para restabelecer a ordem fiscal, seria aprovar a recriação da CPMF, já enviada ao Congresso pelo governo Dilma. Para convencer a sociedade e ganhar apoio parlamentar, a alta de impostos precisa vir acompanhada de cortes "na carne", dizem analistas, sejam eles em investimentos, no número de ministérios ou até em programas sociais.

Os economistas também apontam a necessidade de mudar a equipe econômica, com trocas no Planejamento, na Fazenda e no Banco Central. Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, "a equipe que parece estar sendo montada será uma que buscará melhorar a produtividade, algo que foi insistentemente esquecido nos últimos anos". Segundo ele, a troca de liderança e o maior espaço para articulação política se traduzem em mudanças de expectativa importantes no curto prazo, afirma. "Foram tantoserros acumulados nos últimos anos no 'micro' e na 'macro' que, ao montar uma equipe de boa qualidade, as soluções vão aparecendo."

Para os economistas, porém, mesmo que Temer seja bem-sucedido em melhorar a articulação política e aprovar o ajuste fiscal - tarefa que deve encontrar bastante dificuldade -, a retomada da economia deve ser modesta e insuficiente para obtenção de superávit primário nas contas públicas no ano que vem. "O déficit deste ano, na melhor das hipóteses, vai ser de 2% do PIB e temos uma alta de gastos 'contratada' de uns R$ 100 bilhões, entre aumentos do funcionalismo e reajuste da Previdência", comenta Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. Se o governo conseguir inverter o sinal e reduzir um pouco o déficit, afirma ele, já será uma vitória.

Para ele, há pouco que se possa fazer para reverter essa trajetória no curto prazo "Temos crescimento real da despesa e arrecadação em queda. Como mudar isso no curto prazo? Só com carga tributária, e não é certo que governo Temer tenha força política para eventual CPMF", diz ele. Mansueto avalia que o melhor caminho seria anunciar um pacote de reformas, com prazos para envio e aprovação dos projetos no Congresso. "

As prioridades, diz, seriam dar solução definitiva ao impasse no projeto de alongamento da dívida dos Estados; estabelecer idade mínima para aposentadoria, com regra de transição; simplificar o sistema tributário, reduzindo o número de impostos; e fortalecer as agências reguladoras, para fazer deslanchar o programa de concessões de projetos para iniciativa privada. Com esse conjunto, o governo também poderia tentar recriar a CPMF, ainda que com alíquotas decrescentes, para reforçar o caráter transitório da contribuição.

Para Juan Jensen, economista-chefe da 4E Consultoria, além da agenda de longo prazo, que deveria ser apontada já no discurso de posse, um novo governo vai precisar apresentar também medidas mais imediatas, tanto no lado da receita quanto na despesa. Além da CPMF, diz, outra ação do lado da arrecadação pode ser o aumento da Cide sobre combustíveis, que não depende de aprovação no Congresso. "Outra questão é revisar alguns dos

programas sociais. Não o Bolsa Família, mas outros, como o PAC, seguro-defeso. Há uma enormidade de programas e precisamos analisar o custo-benefício de cada um", diz.

Marcos Lisboa, presidente do Insper, também defende um levantamento de todos os programas sociais. "Hoje não sabemos que resultados esses programas trazem. É preciso saber quais funcionam e a quem atendem", diz ele. Para o economista, devem ser priorizados os programas das áreas de saúde e educação e os que possam efetivamente atender aos 40% mais pobres.

Paralelamente, diz Lisboa, também deve ser montada uma agenda de estímulo à produtividade dentro do qual é preciso estabelecer novos marcos regulatórios e recobrar a credibilidade na área de infraestrutura. "Os investidores precisam saber que não haverá mais intervenções arbitrárias nesses contratos de longo prazo", diz.

Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, também aponta as concessões como uma saída de curto prazo para estimular a economia. "Com reforma no arcabouço institucional, poderia aumentar a atração de capital estrangeiro, o que ajudaria em dois vetores: receitas extraordinárias e perspectiva de maior crescimento econômico", diz.

Entre as reformas, Leal considera prioritárias a da previdência pública, por atingir um número menor de pessoas, e certa flexibilização da lei trabalhista, com primazia do negociado sobre o legislado. Para ele, caso Temer de fato assuma a Presidência, pode ter cerca de três meses de "lua de mel" para aprovar essas medidas, mas nada garante que terá apoio político.

Por não ter a mesma legitimidade de um presidente eleito pelo voto, e por não ser unanimidade mesmo entre os defensores do impeachment, Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg, pondera que Temer pode ter dificuldade para levar a agenda do "Ponte para o Futuro" adiante. "O mais provável é que a onda de otimismo recue antes de o país começar a colher qualquer resultado concreto do novo governo", diz em relatório.

Mesmo a capacidade de Temer de entregar medidas de curto prazo com impacto sobre a delicada situação fiscal das contas públicas gera dúvidas, avalia a consultoria política Eurasia. A consultoria, porém, acredita que as indicações para o comando do Ministério da Fazenda e do BC provavelmente terão orientação pró-mercado.

Qualquer movimento em relação a essas nomeações deve ser recebido positivamente pelos mercados em um primeiro momento, afirma João Pedro Ribeiro, estrategista da Nomura Securities. "Nós ressaltamos, entretanto, que o impeachment por si só não resolve os diversos problemas políticos do Brasil, que poderiam comprometer a governabilidade e diminuir as chances de reformas significativas no futuro", diz em relatório.

 

O economista avalia ainda que a mudança de governo não deve ter impacto significativo sobre a atividade. Como os possíveis "drivers" de crescimento - consumo e investimento - continuam bastante comprometidos pela recessão, ele mantém sua estimativa de retração de 3,5% para o PIB neste ano e de leve melhora em 2017, com alta de 1%.

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Especialistas preveem longo processo de recuperação

Juliano Basile

 

Os mercados internacionais e o brasileiro estão reagindo bem à aprovação do impeachment pela Câmara dos Deputados, mas será necessário ir adiante com reformas na política econômica para o país retomar o crescimento e esse processo de recuperação poderá levar anos, avaliaram especialistas em evento organizado pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, no Harvard Club, em Nova York.

"Mesmo se tivermos as melhores políticas e começar urgentemente com o que será preciso fazer, será um processo muito longo", disse a economista Monica De Bolle, do Peterson Institute. Para ela, o país poderá sofrer uma queda de 12% a 15% no PIB per capita nos próximos anos e será preciso muito tempo para recuperar.

"Os mercados estão reagindo bem ao impeachment porque veem um futuro melhor ou estão com expectativas melhores", resumiu Paulo Vieira da Cunha, sócio da Vernbank, consultoria na área de agricultura.

Apesar de essa melhora ter sido verificada, será preciso avançar em reformas e a principal, segundo os especialistas, será a fiscal. "O fundamental será retomar o equilíbrio fiscal", enfatizou Cunha. "A responsabilidade fiscal no Brasil foi muito mal tratada no país", disse Monica.

O professor emérito da Universidade de Colúmbia, Albert Fishlow, avaliou que o processo de impeachment não vai solucionar os problemas do Brasil. Para ele, mesmo que as medidas comecem a ser adotadas agora, o país vai levar de três a quatro anos para se recuperar economicamente.

"É só o começo de um processo que demandará muito tempo para terminar", disse Fishlow. "De um lado, temos todas as dificuldades políticas e, de outro, a economia. Imaginando que tudo seja resolvido dentro de poucos meses, e o Brasil volte a crescer sem parar, temos que lembrar que a economia, agora, tem algo em torno de 18% de poupança e, comparando com outros países, isso é muito pouco. Para conseguir poupança, é necessário reduzir o consumo, o que é um problema seríssimo. Estamos no começo, e não no fim."

Segundo Fishlow, o Brasil ainda terá grandes problemas políticos que não serão resolvidos pelo impeachment. "Muitos acham que o Brasil resolveu tudo e estão um pouco enganados."

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, defendeu a aprovação de emenda constitucional para garantir a implementação de mudanças que o país vai necessitar após a tramitação do processo de impeachment. Segundo ele, é preciso desvincular os gastos do Orçamento, rever os pagamentos de pensões, as idades mínimas da aposentadoria e obter superávit primário para o país voltar a crescer. "Ouvimos que o vice-presidente Michel Temer está procurando medidas para desvincular os gastos do Orçamento", disse. "A bala de prata seria propor uma emenda constitucional", afirmou, dizendo que o país tem que ter mais liberdade no Orçamento, enfrentar a atual vinculação dos gastos e fazer superávit primário.

Segundo Kawall, não é mais possível pensar em crescimento com propostas de recuperar o equilíbrio fiscal apenas em 2018 e em 2019. É preciso atuar sobre a Previdência e a indexação das pensões, rever as idades mínimas e as contas dos Estados. "Acredite ou não, teremos que mudar a Constituição para conseguir essas medidas." O economista advertiu que o país necessita de "um choque fiscal de emergência".

 

Carlos Eduardo Gonçalves, economista-sênior do FMI e professor da USP, advertiu para as dificuldades que o novo governo terá para implementar mudanças, como barganhas políticas "com muitos atores ao mesmo tempo"."Será preciso uma composição política", disse. Gonçalves também ressaltou que o país precisa modificar sua atual situação fiscal. "A questão mais importante é a mudança na política fiscal e estou pensando em como vamos conseguir fazer ajustes diante de um cenário político muito maiscomplicado."