Valor econômico, v. 16, n. 3987, 19/04/2016. Brasil, p. A6

"É estarrecedor que um vice conspire contra a presidente abertamente"

Andrea Jubé

Lucas Marchesini

Daniel Rittner

Um dia após a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do impeachment, a presidente Dilma Rousseff afirmou que se conseguir barrar o processo no Senado, fará um "grande rearranjo do governo". Dilma acrescentou que se o Supremo Tribunal Federal autorizar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumirá a Casa Civil e confirmou que recorrerá à Corte Suprema para discutir o"mérito" do impedimento. Ontem ela se reuniu com ministros do PMDB ligados ao Senado - Eduardo Braga e Hélder Barbalho -, a quem pediu que permaneçam no governo.

Visivelmente abatida, Dilma afirmou que se sente "injustiçada" porque seu processo foi conduzido por um réu em processo de corrupção, que possui contas no exterior, em uma alusão ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ela ressaltou que um de seus algozes é o vice-presidente Michel Temer, a quem acusou de conspirar contra ela, o que jamais seria aceito emdemocracias tradicionais.

"É inusitado, estarrecedor, que um vice-presidente no exercício do seu mandato conspire contra a presidente abertamente", criticou. "Em nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria respeitada, a sociedade humana não gosta de traidores porque cada um de nós sabe a injustiça e a dor que se sente no ato da traição".

Questionada pelo Valor se faria mudanças na equipe econômica e anunciaria novas medidas para retomar o crescimento em caso de arquivamento do impeachment no Senado, Dilma respondeu que haverá "um outro governo, no sentido de que vamos construir um novo caminho". Ela ressaltou que espera que o Congresso "não fique parado e dê uma força", analisando o projeto que prevê a repactuação das dívidas estaduais.

Nas primeiras conversas em que tratou da votação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado, Dilma ouviu de interlocutores que são elevadas as chances de que os senadores confirmem a decisão da Câmara, mas que ela pode ser absolvida do crime de responsabilidade, o que poderia ocorrer em 180 dias.

Ontem o ministro da Secretaria Especial dos Portos, Hélder Barbalho, tentou entregar a carta de demissão a Dilma, mas a presidente pediu-lhe que espere mais alguns dias. Um dos ministros mais leais a Dilma, ele garantiu dois votos para ela na Câmara: de sua mãe, deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), e da madrasta Simone Morgado (PMDB-PA). Hélder é filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), que analisará o processo agora no Senado. Dilma também se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, também do PMDB. Braga afirmou à presidente que prossegue no governo.

Com vários ministérios acéfalos, devido ao desembarque de siglas aliadas - PMDB, PSD, PP e PRB -, Dilma afirmou que o diálogo com aliados agora para discutir o processo no Senado não implica reforma ministerial.

"Podemos vir a repactuar o governo, mas agora não se trata de modificar ministérios nem tomar medidas em termos de cargos".

Estão sendo comandados por ministros interinos as pastas dos Esportes, das Cidades, da Integração Nacional, do Turismo, além da Casa Civil que espera por Lula. Hoje três ministros que foram exonerados para votar na Câmara retomam os cargos: Marcelo Castro (PMDB, Saúde), Celso Pansera (PMDB, Ciência e Tecnologia) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário).

Dilma destacou que o deputado Mauro Lopes (PMDB-MG), que votou a favor do impeachment, não integra mais o seu governo. Ele comandou a Secretaria de Aviação Civil por menos de um mês. "Não há nenhuma justificativa política e ética para que permaneçam no governo".

Dilma afirmou que ela e Lula são "companheiros especiais" e que se o Supremo autorizar, o ex-presidente virá para o governo. O STF julga o caso amanhã. "Esperamos que seja autorizada a vinda dele para a chefia da Casa Civil".

Dilma afirmou que a hipótese não está em discussão neste momento, mas não descartou a possibilidade de, no futuro, enviar uma proposta ao Congresso que abrevie o seu mandato e convoque novas eleições presidenciais. "Tudo que nós jamais podemos aceitar é que o cumprimento da legalidade não se dê no processo. Todas as outras alternativas, pode se avaliar, mas não estou avaliando agora", respondeu.

A presidente confirmou que recorrerá ao Supremo para questionar a legalidade do impeachment. "Trata-se de exercer em todas as dimensões e consequências o direito de defesa, o STF decidir que andamento do processo será assim ou assado não significa que ele decidiu sobre o mérito".

Segundo a presidente, a "única decisão sobre o mérito foi de dizer que processo em andamento não pode ser acrescido de outros adendos, tem que se ater à denúncia original".

 

Dilma afirmou que tem "ânimo, força e coragem suficientes para enfrentar, embora com muita tristeza, essa injustiça". Disse que não vai se abater, não vai se deixar paralisar. "Vou lutar como fiz toda minha vida, comecei a lutar quando a ditadura torturava fisicamente e tirava a vida, estou tendo meus sonhos torturados, mas não vão matar em mim a esperança, a democracia é sempre o lado certo da história", concluiu.