Valor econômico, v. 16, n. 3987, 19/04/2016. Brasil, p. A8

Ação rápida no exterior está nos planos

Daniel Rittner

O vice-presidente Michel Temer precisará de um plano de ação para ser rapidamente executado no exterior caso assuma a cadeira presidencial. Essa estratégia teria dois objetivos, segundo diplomatas experientes e especialistas em política externa ouvidos na condição de anonimato. Um dos propósitos é neutralizar eventuais questionamentos da comunidade internacional sobre alegitimidade de sua ascensão. Outro é ganhar internamente a imagem de chefe de Estado respeitado por líderes estrangeiros.

Esse plano já recebeu o apelido de "diplomacia do impeachment" e tem a concordância de interlocutores próximos do vice-presidente. Um simples aperto de mãos com Barack Obama ou Angela Merkel poderia simbolizar o endosso da elite global a Temer.

Na vizinhança sul-americana, conta-se desde já com um "muro de contenção" formado por Paraguai e Argentina contra qualquer tipo de reação contrária do Mercosul ou da Unasul. Os paraguaios foram suspensos dos dois blocos em 2012, após destituição do ex-presidente Fernando Lugo, e estão dispostos agora a vetar o acionamento da cláusula democrática contra o Brasil. Os argentinos também devem dar respaldo à posse de Temer. Especialmente zelosa das relações bilaterais, a Casa Rosada prefere adotar uma atitude de prudência, mas já deu a senha de que não vê "golpe" no processo de impeachment e confia nas instituições.

Mais de um observador, no entanto, aponta a necessidade de que seus primeiros contatos internacionais também busquem contemplar lideranças de esquerda para demonstrar que Temer não é sectário e não precisa ter uma relação conflituosa com os "bolivarianos". O boliviano Evo Morales, o venezuelano Nicolás Maduro e o equatoriano Rafael Correa já fizeram declarações de apoio à presidente Dilma Rousseff. A próxima reunião de cúpula do Mercosul, que deve ocorrer em Montevidéu entre o fim de junho e o início de julho, propiciaria essa oportunidade de distensão com os vizinhos.

Um problema de ordem prática pode surgir para a execução do roteiro: teme-se a possibilidade de que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, assuma o Palácio do Planalto durante a ausência de Temer - gerando a impressão de que eles agiram em sintonia para tirar Dilma do poder. Algumas interpretações, no entanto, são de que a condição de réu em processo no Supremo Tribunal Federal (STF) impediria Cunha de sentar-se no terceiro andar do Planalto.

Como o presidente do Senado, Renan Calheiros, também pode se transformar em réu brevemente, o exercício da Presidência da República ficaria com o chefe do STF, Ricardo Lewandowski, nos períodos de viagem do titular.

Outra necessidade é desfazer temores de sócios importantes. Autoridades em Pequim já fizeram chegar ao governo preocupação com o futuro das parcerias Brasil-China. Elas foram fortemente ampliadas nos 13 anos de PT e os chineses querem saber se há riscos de descontinuidade. Na visão de diplomatas, Temer precisa deixar claro que essas são políticas de Estado, não de governo.

Na condição de vice-presidente, o pemedebista esteve à frente nos últimos anos de comissões mistas com vários países: Reino Unido, Rússia, Portugal e a própria China. Ele é descrito como uma pessoa que lê atentamente os dossiês preparados pelo Itamaraty, entende rapidamente os temas a serem discutidos nas reuniões com líderes, não se perde em detalhes, sabe colocarprioridades à mesa de maneira elegante. "Ele não se acanha e nem se diminui diante dos temas internacionais", afirma um embaixador.

Vários nomes surgiram como cotados para assumir o Itamaraty. Um dos mais fortes é o de Cesário Melantonio Neto, atual embaixador do Brasil em Cuba, que também chefiou as representações diplomáticas no Irã e no Egito. Também atuou, no início do governo Dilma, como emissário especial para o Oriente Médio.

Por suas boas ligações com a família Sarney, o ex-secretário-geral Luiz Felipe Seixas Corrêa é outro diplomata - já aposentado - bastante lembrado como potencial chanceler. Rubens Barbosa e Sergio Amaral, mais ligados ao PSDB e também aposentados, são vistos como as opções mais viáveis caso Temer dê aos tucanos o comando do Itamaraty.

O atual chanceler, Mauro Vieira, tem um relacionamento histórico com o PMDB. Ele era bastante próximo do ex-ministro Renato Archer, nos anos 80, e tinha bom trânsito com Ulysses Guimarães. Interlocutores do vice-presidente não têm críticas a Vieira, o que torna sua permanência não impossível, embora pouco provável. Caso saia, seu destino pode ser a embaixada do Brasil em Roma, embora auxiliares próximas neguem a hipótese.

 

Um mistério é o destino do assessor internacional de Temer desde 2011, Pompeu Andreucci, nome de absoluta confiança do vice. Ministro de segunda classe em uma carreira bastante hierarquizada, ele dificilmente seria bem aceito pelos colegas em um posto-chave da diplomacia.