Valor econômico, v. 16, n. 3988, 21/04/2016. Brasil, p. A2

TCU determina ajustes, mas deve aprovar concessão de aeroportos

Murillo Camarotto

Daniel Rittner

A confiança dos investidores em um governo Michel Temer poderá ser testada pouco tempo após o eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff. O Tribunal de Contas da União (TCU) aprecia hoje os estudos de viabilidade técnica e econômica para as concessões de quatro aeroportos: Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis. A tendência é de aprovação, com ajustes.

Valor teve acesso ao relatório da área técnica que foi endossado pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo no TCU, e será discutido em plenário. O documento faz uma série de reparos aos estudos, critica as premissas econômicas excessivamente otimistas nas projeções de demanda e determina mudança nos critérios de habilitação dos consórcios interessados em participar dos leilões.

A exigência de um operador estrangeiro com experiência em aeroportos que tenham movimentação de pelo menos 10 milhões de passageiros por ano não foi aceita pelo tribunal. Para o órgão de controle, a Secretaria de Aviação Civil (SAC) não conseguiu demonstrar que os parâmetros fixados são "adequados" e "pertinentes". Diante disso, a exigência deverá considerar o tamanho decada aeroporto leiloado.

Feitos os ajustes, a SAC poderá publicar o edital e realizar o certame logo no início de um eventual novo governo. A votação para o afastamento de Dilma pelo Senado deve ocorrer em meados de maio. Os leilões podem ser realizados na virada do semestre.

A principal novidade da próxima rodada de concessões é a ausência da Infraero. Por decisão da presidente, a estatal manteve 49% de participação acionária nos cinco aeroportos que foram privatizados desde 2012, bancando uma parcela dos investimentos na ampliação dos terminais. Esse modelo desagrada aos ex-ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, que comandaram a SAC e pertencem ao "núcleo duro" de Temer. Antes de sair do governo, no fim do ano passado, Padilha deixou encaminhada a exclusão daInfraero nos próximos leilões.

O relatório elogia a decisão de que as futuras concessionárias sejam 100% privadas. Nas rodadas anteriores, o tribunal já havia sugerido isso, mas foi seguidamente ignorado pelo governo.

As premissas macroeconômicas adotadas nos estudos foram alvo de críticas do TCU. O governo usava uma queda no PIB de 1,76% em 2015 e um crescimento de 0,20% em 2016 como base de cálculo para a demanda no setor aéreo. Essas projeções ficaram totalmente defasadas com o agravamento da crise. "[As estimativas] podem impactar de maneira significativa as projeções de demanda, de receitas, e a necessidade de investimentos do projeto", diz o relatório. Na prática, essas observações servem mais como advertência e não geram consequências para a realização dos leilões.

O tribunal fará questão, no entanto, de retomar as discussões em torno do critério de habilitação dos consórcios. Na primeira rodada de concessões, o governo havia exigido a presença de um operador estrangeiro com

experiência em aeroporto com pelo menos 5 milhões de passageiros por ano. Essa faixa de corte foi considerada baixa demais e acabou viabilizando a entrada de grupos menores em Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília.

Para os leilões seguintes, que abrangiam o Galeão (RJ) e Confins (MG), a SAC quis aumentar o volume exigido para 35 milhões de passageiros. O tribunal considerou que não havia justificativa para a decisão. Prevaleceu, então, um novo mecanismo: a exigência deveria corresponder ao volume projetado de passageiros no primeiro ano de concessão. O critério fixado acabou sendo de 22 milhões de passageiros no Galeão e de 12 milhões em Confins.

A lógica poderá ser replicada na próxima rodada. Para o TCU, não faz nenhum sentido adotar o critério de 10 milhões de passageiros - estabelecido em resolução do Conselho Nacional de Desestatização (CND) - para os quatro aeroportos. Os estudos indicam que essa movimentação será alcançada somente no médio ou no longo prazo: 2019 em Salvador, 2021 em Porto Alegre, 2025 em Fortaleza e 2035 em Florianópolis. Ou seja, o critério definido pelo governo pode restringir a formação de consórcios.

Antes dos leilões, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) terá que promover audiências públicas. Apesar da recessão prolongada e das incertezas políticas, os aeroportos brasileiros despertam o interesse de investidores internacionais. Grupos como a francesa ADP, a alemã Avialliance, a francesa Vinci, a espanhola Ferrovial e a argentina Corporación América têm manifestado disposição em participar.

 

Muitos reclamam, porém, das dificuldades em encontrar construtoras nacionais que assumam parcerias neste momento. A maioria das gigantes do setor está com problemas de caixa ou decorrentes da Operação Lava-Jato.