Valor econômico, v. 16, n. 3988, 21/04/2016. Brasil, p. A3

Barbosa diz que decisão do STF sobre dívida de Estados traz risco fiscal e sugere 'dar um Google'

Fábio Pupo

Carolina Oms

Thiago Resende

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) defender a União da recente ofensiva dos Estados na corte. Os entes buscam reduzir suas dívidas com o governo federal aplicando juros simples - em vez dos compostos - no cálculo dos débitos.

O STF já concedeu liminares permitindo que oito Estados paguem suas dívidas com o Tesouro Nacional usando juros simples sem sofrer sanções. São eles: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Pará e Goiás. Diante do embate entre entes e União, o ministro Edson Fachin chamou os interessados para uma espécie de debate ontem. Compareceram, além de Barbosa, seis governadores.

Em sua fala no STF, Barbosa disse que a tese usada pelos Estados é equivocada e desequilibrada e traz riscos fiscais à União. "Na prática, os Estados terão um resultado primário menor. E isso terá que ser compensado pela União no momento em que ela tem dificuldades, porque tem que pagar programas obrigatórios - como Bolsa Família, seguro-desemprego e Previdência", afirmou. Segundo ele, a decisão do STF a favor dos Estados pode "levar a União a descumprir a meta fiscal e ser responsabilizada por isso, aumentando ainda mais a incerteza atual do Brasil".

O ministro ainda argumentou que, desde que assumiu o comando da pasta, tem trabalhado em medidas de auxílio aos Estados. Foi lançada a troca dos indexadores da dívida dos entes, o alongamento dos débitos e ainda um desconto temporário de 40% nas prestações. As duas últimas medidas dependem de aprovação do Congresso - que, segundo o ministro, "está ocupado com o impasse político nacional".

Sem dar trégua ao chefe da Fazenda, os governadores argumentaram que o ponto de discórdia é o decreto de 2015 que regulamentou a lei sobre a repactuação da dívida dos Estados (LC 148/2015) - que, dizem, elevou o saldo devedor dos entes em vez de conceder descontos, como estabelecia a lei aprovada no Congresso Nacional.

A lei estabeleceu a troca do indexador da dívida por causa do aumento da inflação, o que beneficiou os Estados. No lugar do Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais 6% a 9% ao ano, passou a valer o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou a taxa Selic (o que for menor) mais juros de 4% ao ano. Mas o impasse foi criado porque a lei sobre o tema fala de Selic "acumulada". Na visão da Fazenda, isso corresponde a juros compostos. Para os Estados, juros simples. "Basta 'dar um Google' e ver o que significa taxa acumulada. É o regime de juros compostos", argumentou Barbosa.

O governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), afirmou que a União poderia conceder qualquer desconto aos Estados, mas estabeleceu "a Selic acumulada, e não capitalizada". "De maneira que isso se aplica ao saldo devedor dos Estados. Mas o autor do decreto que regulamenta a lei não teve o entendimento de quem fez a lei no primeiro momento", afirmou.

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), disse que o uso dos juros compostos acaba por elevar a dívida dos entes. "O que está em juízo é Assine o Valor Econômico um decreto deturpando o objetivo da lei, que concedia desconto sobre os saldos devedores. Mas o que o decreto faz? Modifica o que a lei propõe, induzindo um cálculo que produz saldo a maior em vez do desconto", afirmou.

Em outra frente de defesa, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dyogo Oliveira, reforçou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Congresso o discurso de Barbosa de que o problema dos Estados é o fluxo alto de pagamento da dívida - e não do estoque. Por isso, disse, a Fazenda já encaminhou as medidas que endereçam o tema aos parlamentares. Na avaliação de Oliveira, o projeto de lei que está em tramitação na Câmara dos Deputados e que prevê o alongamento da dívida dos governos estaduais com a União por 20 anos e o desconto temporário de 40% nas parcelas resolve o problema de fluxo de curto prazo da maioria dos Estados.

Recentemente, a Fazenda ainda divulgou nota técnica para mostrar que a perda de receita para a União com a decisão do Supremo pró-Estados poderia chegar a R$ 313 bilhões e que esses recursos "deverão ser, ao fim, providos por toda a sociedade brasileira".

 

Apesar das decisões preliminares a favor dos entes, o STF vai julgar o mérito do tema apenas no dia 27. Os magistrados têm dito que o plenário vai analisar o caso após uma reflexão "mais aprofundada". "Sem prejuízo da necessidade de reflexão mais aprofundada quando do julgamento final, deve ser adotada, no presente momento processual, a orientação firmada pelo Plenário [de conceder liminar]", escreveu o ministro Roberto Barroso ao conceder liminar ao Rio de Janeiro. A ministra Rosa Weber, em comentário semelhante em uma das decisões, afirmou que o tema "ainda não foi objeto de debates mais aprofundados".