Valor econômico, v. 16, n. 3988, 21/04/2016. Política, p. A9

Presidente mantém ataque ao vice

Lucas Marchesini

 

A presidente Dilma Rousseff atacou novamente ontem o que considera uma articulação do vice-presidente Michel Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para tirá-la da presidência. Em entrevista a jornalistas estrangeiros, Dilma afirmou que eles "vendem terreno na lua" ao prometerem cargos e a estabilização política após a sua saída do poder. Ela disse que o país sempre teve um "veio golpista adormecido", e reiterou a sua disposição de capitanear uma retomada do crescimento econômico caso se mantenha no cargo.

"O impeachment é tentativa de eleição indireta de um grupo que de outra forma não teria acesso [à Presidência]", declarou a presidente, que mais tarde desceu a rampa do Palácio do Planalto para receber flores de aproximadamente 400 militantes. Ela afirmou ainda que Cunha "tem um retrospecto que não o abona para ser juiz" do processo de impedimento e que seu retrospecto o abona apenas para ser réu. "Os que estão golpeando atendem só um lado do país", apontou, voltando a indicar que a oposiçãocortará programas sociais caso assuma.

Ela disse não acreditar que o vice-presidente conseguirá estabilizar o país caso assuma porque o impeachment, que ela classifica de golpe, "rompe as bases da democracia". "Sem democracia, não recuperamos capacidade de retomar crescimento", destacou. "Não tendo golpe e com repactuação democrática, temos condições de retomar a estabilidade política e econômica", avaliou em seguida, acrescentando que o "Brasil tem imensa capacidade de recuperação e recomposição de forças".

A desestabilização política foi um problema criado pela oposição, avaliou. "Meu segundo mandato, há 15 meses, tem o signo da desestabilização política", frisou. A mais recente expressão disso, lembrou, são as pautas-bomba da Câmara dos Deputados, que "propôs medidas que eram absolutamente impossíveis de serem atendidas pelo país".

"Houve aceitação de medidas populistas que inviabilizavam na prática a rigidez fiscal", explicou. "A última consiste em tratar as dívidas dos Estados com correção baseada em juros simples e não compostos."

Ela repetiu aos correspondentes que Cunha aceitou o pedido de impeachment "dentro da teoria que eles gostam muito, que é a do quanto pior, melhor". "O impeachment sistematicamente se tornou um instrumento contra os presidentes eleitos", analisou.

Dilma classificou de "terrível" a homenagem feita pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao coronel Brilhante Ustra no seu voto pelo impeachment. "É terrível você ver no julgamento alguém votando em homenagem ao maior torturador que esse país conheceu", criticou.

Questionada como poderia não perceber os casos de corrupção revelados pela Lava-Jato, Dilma respondeu que é próprio da corrupção ser escondida e que foram necessárias leis criadas na sua gestão e na do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que se chegasse à operação. "Ninguém aqui é ingênuo e acredita que corrupção surgiu agora, que foi lançada por meu governo ou Lula", questionou. "Toda a legislação que permite essas investigações foram feitas no meu governo ou no dele".

A presidente disse não acreditar que a Lava-Jato seja "um raio em céu aberto". Ela também apontou que mais informações virão à tona no âmbito da operação. "Você precisa de investigação, você não sabe, ainda hoje há muita coisa que não se sabe, não vamos acreditar que está tudo escancarado", ponderou.

Ontem, presidentes e líderes de 14 partidos assinaram uma nota de repúdio às declarações da presidente. Segundo os signatários, a presidente tenta "desqualificar a soberana decisão da Câmara". Eles sustentam que todo o rito foi chancelado pelo Supremo Tribunal Federal e foi dado o amplo direito de defesa à presidente.

 

A nota foi lida no plenário da Câmara pelo líder do PSC, André Moura (SE), aliado de Cunha. "Ela inverte a posição de autora [dos crimes] em vítima", diz a nota. "Vítima ela não é. Ela é a grande responsável de tudo: crise econômica, corrupção. E tenta enganar a imprensa estrangeira. Foi um processo legítimo e correto como foi determinado pelo STF", disse. (Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto)