Valor econômico, v. 17, n. 4014, 30/05/2016. Política, p. A3
Com pagamento e sem demanda, BNDES encolhe
Para alguns, desembolso não deve ser maior que 2% do PIB; para outros, dinheiro fará falta à retomada
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve ter seu tamanho reduzido, na esteira da devolução antecipada de R$ 100 bilhões do banco ao Tesouro proposta na semana passada, mas também, pelo menos por enquanto, pela baixa demanda. Boa parte dos economistas considera que seja positivo ter um BNDES menor, no entanto, ainda existem divergências sobre qual seria o tamanho ideal do banco de fomento e como fazer a transição para um encolhimento mais expressivo dos desembolsos.
Gomes de Almeida: "Esse dinheiro [antecipado ao Tesouro] pode fazer falta"
Com os pagamentos antecipados ao Tesouro, se não houver nenhum novo aporte, seria preciso se desfazer de ativos e readequar a estrutura de financiamentos a esta nova configuração, até por conta das regras, explica Sérgio Lazzarini, pesquisador do Insper especialista no estudo da eficiência de empresas e órgãos estatais. Na visão de Lazzarini e de outros economistas, como Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, isso seria bastante positivo, porque o banco acabou ficando muito inchado nos últimos anos. "O ideal é que os desembolsos não ultrapassem 2% do PIB, algo como R$ 120 bilhões", diz o professor do Insper.
Outros economistas como o ex-secretário de Política Econômica Julio Gomes de Almeida, ou o presidente do Banco BRP, Nelson Rocha Augusto, avaliam que essa poderia ser uma redução muito radical. Para Almeida, em um momento no qual a retomada da confiança e dos investimentos pode estar próxima, o recurso do BNDES fará falta. Para Augusto, um nível razoável de empréstimos ficaria em R$ 170 bilhões, mas o mercado de capitais também está apto a voltar de maneira rápida para ajudar no financiamento deprojetos.
No momento, no entanto, nem é preciso entrar em tanta polêmica. Não há demanda. Os empréstimos do BNDES despencaram quase 30% em 2015. Nas contas de Kawall, o empréstimo total de R$ 18 bilhões do BNDES no primeiro trimestre deste ano - uma redução de 46% em comparação aos R$ 33 bilhões emprestados no mesmo trimestre de 2015 - corresponde a um volume anualizado de apenas R$ 72 bilhões. "A demanda está desabando".
Antes da crise financeira global em 2008, o Brasil passava por um momento de ouro no mercado de capitais, com um "boom" de operações de captação e lançamentos de ações na bolsa. Com isso, o volume de operações no mercado de capitais, apontado como a grande alternativa ao BNDES para financiar projetos de longo prazo no país, ultrapassou os desembolsos que eram feitospelo banco de fomento (veja gráfico). Após a crise, o banco voltou a ter forte atuação, com novos aportes do Tesouro, e os desembolsos atingiram seu pico em 2013, com R$ 190 bilhões, sob críticas de ter desestimulado o mercado de capitais e de não ter, ainda assim, elevado a taxa de investimentos. O banco e os defensores desta política afirmam que sem a atuação do BNDES a taxa de investimentos teria sido ainda pior.
Kawall, que também foi secretário do Tesouro, diz que o banco tem que ter uma atuação mais comedida no crédito subsidiado, algo que, segundo o Valor apurou, é partilhado inclusive por diversos profissionais do próprio banco. E que o encolhimento do BNDESajudaria o processo de redução da taxa Selic e de recuperação da confiança, com foco maior na estruturação de operações de infraestrutura e no financiamento da pequena e média empresa.
Já economistas mais ligados ao setor industrial, como Júlio Gomes de Almeida, avaliam que o momento não é o mais adequado. "É um dinheiro que pode fazer falta num momento em que podemos começar a ver uma retomada de investimentos", diz ele. Para Almeida, o ideal seria esperar para implementar essas antecipações de pagamento em um momento que se tivesse mais clareza de que as taxas de juros estão caindo. Este movimento, diz, ajudaria empresas e projetos a encontrarem mais fontes de recursosalternativas ao BNDES. "Recurso para longuíssimo prazo, como são os projetos de infraestrutura, ainda praticamente não tem no Brasil fora do banco", diz ele. O argumento também foi usado pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista recente ao Valor.
É justamente o financiamento de longuíssimo prazo o foco mais adequado ao BNDES mais enxuto, diz o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. "O prazo do setor bancário privado hoje é cinco anos e projetos de infraestrutura olham para horizonte muito além disso". Para Borges, a devolução antecipada de R$ 100 bilhões ao Tesouro certamente vai reduzir o potencial de financiamento em relação ao auge, quando emprestava quase R$ 200 bilhões por ano. O economista estima que hoje, só com recursos próprios, o BNDES tem uma capacidade de empréstimo de R$ 100 bilhões a R$ 120 bilhões por ano.
A medida divulgada, diz Borges, representa basicamente um encontro de contas entre BNDES e Tesouro, já que o banco tem R$ 90 bilhões em títulos do Tesouro. Ao receber R$ 100 bilhões do banco, o Tesouro cancelaria essa dívida. "No curto prazo, a operação não afeta tanto a capacidade de financiamento do banco, dado que existe ociosidade hoje no BNDES. De 2017 em diante, sem sombra de dúvida, a capacidade de desembolso vai ser reduzida pela metade, o que vai exigir uma mudança de foco do banco", dizBorges que vê como prioridade os setores de infraestrutura e inovação.
Para Nelson Rocha Augusto, do Banco Ribeirão Preto, não faltará doador de recurso no setor privado para projetos consistentes. "Tivemos algumas operações de captação recentemente que foram bem sucedidas, o mercado está precisando colocar o dinheiro para trabalhar, o próprio volume de investimento direto continua alto no país", avalia. Ele não acredita, contudo, que a redução do BNDES deva ser tão brutal e os desembolsos poderiam ficar na casa dos R$ 170 bilhões. "Em relação aos R$ 190 bilhões de 2013,considerando a inflação, é uma redução bem razoável", diz. O que ele não vê ainda, no entanto, é ânimo do empresário para retomar investimentos.
Pedro Jucá Maciel, assessor econômico do Senado, lembra que a operação com o Tesouro pode ter alguma restrição legal, baseada na Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda ao governo receber antecipadamente recursos de empresas públicas nas quais é controlador. "O que está em avaliação é se título público emprestado pelo Tesouro ao BNDES é caracterizado como recebível ou não", diz Maciel. Segundo ele, cabe ao governo construir um argumento justificável. "Seria ótimo se conseguisse".
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Para Sérgio Lazzarini, do Insper, o BNDES poderia atuar mais como garantidor e menos como financiador dos projetos
Reduzir o tamanho do BNDES é necessário e desejável, mesmo com as necessidades de retomada de investimentos produtivos e a necessidade de deslanchar um programa de concessões em infraestrutura, diz o professor e pesquisador do Insper Sérgio Lazzarini. Na visão dele, isso seria positivo, porque o banco acabou ficando muito inchado nos últimos anos.
Para Lazzarini, que também é autor de livros sobre a atuação estatal na economia, uma redução do BNDES não fará fortes estragos já que, segundo ele, mais de 60% do crédito vai para as empresas grandes, que não enfrentam dificuldades para encontrar outras formas de se financiar no mercado. Desta forma, diz , o banco também focaria os recursos para aqueles segmentos que realmente precisam mais pois têm mais dificuldades de acessar o mercado. Para ele, no momento em que o país se encontra, de extrema gravidade fiscal, o banco “faz parte do problema e não da solução”, por isso a indústria terá de escolher entre a manutenção dos subsídios que obtém do governo e a recusa de uma carga tributária maior.
A seguir, trechos da entrevista:
Valor: Como vai ficar o BNDES com esse pagamento antecipado de R$ 100 bilhões ao Tesouro?
Sérgio Lazzarini: Nos últimos anos, o BNDES aumentou de tamanho em relação ao que ele era no momento pré-crise. Antes de 2008, se pegasse o passivo e todas as fontes de captação de recursos, 50% era o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é uma fonte constitucional. Ao longo do tempo, quando o governo começou a emprestar e passar esses títulos para o BNDES, ele começou a ter maior participação nos passivos dele. O Tesouro como fonte de recursos, atualmente é mais de 50%. E esses repasses foram feitos com o intuito de aumentar os desembolsos. Por consequência, se você quer reduzir a dependência do Tesouro, tem que voltar a níveis de desembolso que você tinha pré-crise. É uma conclusão lógica e desejável.
Valor: Então, se ele devolve mais dinheiro e não há novos aportes, o banco terá de se readequar?
Lazzarini: É isso. Pelas regras você tem que ter um colchão de ativos consistente com seu nível de desembolso, a medida que o BNDES for vendendo ativos progressivamente, o que é desejável, ele vai ter que ter uma perspectiva menor de desembolsos.
Valor: Por que será preciso vender ativos para poder se financiar?
Lazzarini: Você tem que se desfazer de coisas e vai encolher e sua capacidade de empréstimos vai cair, porque é preciso manter uma relação entre o que empresta e o que tem de colchão de ativos. Essas transferências do Tesouro foram feitas justamente para ter esse colchão para o BNDES ter conseguido expandir o volume de empréstimos como ele conseguiu. O ajuste terá de ser pela redução do volume de empréstimos, não tem jeito.
Valor: É preciso se adequar a uma nova realidade?
Lazzarini: Não é só necessário, eu diria que é desejável. O Valor menciona [na edição de sexta-feira] que o BNDES poderia ter R$ 56 bi com participações da BNDESPar. Não tem sentido ele ter essas participações nessas grandes empresas, Petrobras, CPFL, AES, Gerdau. Em termos de eficiência econômica, não tem sentido. Esses recursos estariam melhor distribuídos em outras áreas da economia. A própria redução do reembolso é desejável, porque em- prestou para muita empresa que não precisa. Em 2015 o volume emprestado para grandes empresas foi de 66%, é muita coisa.
Valor: E esse novo nível de desembolso ideal, qual seria?
Lazzarini: No máximo, 2% do PIB ou até menos. Antes de 2008, o BNDES rodava mais ou menos com empréstimos na faixa de 2% do PIB, hoje seria cerca de R$ 100 a R$ 120 bilhões, mais ou menos perto do volume em que se está agora, que na verdade foi uma redução forçada porque as empresas pediram menos recursos, por causa da crise. Esse nível de empréstimo que se viu antes é irreal, indesejável, não tem justificativa teórica, conceitual, e se for ver o que aconteceu na nossa taxa de investimento não mudou nada, o país passou por uma desindustrialização, não resolveu nada.
Valor: A indústria não vê essa ideia com bons olhos num momento em que pode haver alguma retomada de investimentos. Alega-se que não há mercado privado de financiamento de longuíssimo prazo.
Lazzarini: O que é preciso entende neste momento é o seguinte: o BNDES não faz parte da solução, ele é parte do problema. É preciso dar sinais concretos e muito críveis dessa redução de subsídios e de estatais. É claro que nós não vamos cortar os empréstimos pela metade, se a gente conseguir manter nessa faixa e com uma sinalização de uma mudança de enquadramento dos projetos, a gente pode fazer isso nos próximos dois, três anos, de uma forma gradual, mas o empresário tem que entender que não dá para ficar botando lá o patinho amarelo e recebendo subsídios. Tem que escolher. Ele tem que se readequar, encontrar mecanismos de mercado. Valor: Como? Lazzarini: Tem formas inteligentes de fazer isso, já temos instrumentos disponíveis, como as debêntures incentivadas, que não decolaram ainda, mas têm fundos sendo criados que podem financiar esses projetos. E
Se você quer reduzir a dependência do Tesouro, tem que voltar aos níveis de desembolso pré-crise”
você não vai eliminar os empréstimos, mas direcionar para os casos mais urgentes e que vão gerar mais impacto, como grandes projetos de infraestrutura que podem levar a um salto de competitividade e que podem resvalar positivamente na indústria.
Valor: E se, no momento em que o país precisa deslanchar um programa de concessões, o mercado privado não comparecer, como fica?
Lazzarini: As concessões não são apenas uma questão de crédito subsidiado, porque isso tinha e mesmo assim, parou. O principal, o topo das prioridades é criar um ambiente regulatório em que o empresário perceba que ele terá menos risco. E os preços têm que se ajustar, paciência, não tem mais essa de querer limitar a rentabilidade do empresário como foi feito no governo Dilma, tem que deixar o mercado se equilibrar. Se a rentabilidade das concessões aumentar, o empresário pode captar também de outras formas. As tarifas podem aumentar? Momentaneamente, infelizmente, sim. O que precisa fazer é criar um ambiente estável, reforçar as agências reguladoras, estimular mecanismos de captação de mercado como essas debêntures e várias outras, vamos dar mais liberdade para o setor privado montar seus contratos, ter menos intervenção direta do governo.
Valor: O que o governo precisa fazer para que esses programas de infraestrutura voltem a andar?
Lazzarini: Começaria com sinais críveis de que não terá mais esse tabelamento de rentabilidade, concomitantemente a isso eu faria uma reforma das agências reguladoras. Já há projetos tramitando no Senado para torná-las mais técnicas e fortes. Melhorar a eficiência nas concessões, acelerar, essa iniciativa do governo, com o Moreira Franco, vai nessa linha. Eu iria além, teria agências especializadas. Nossos estudos mostram que as agências especializadas em parcerias e concessões em determina- dos Estados e municípios ajudam muito a deslanchar as iniciativas. Com pessoas muito técnicas e capacitadas que facilitem essa interação entre governo e setor privado. Fazer convênios entre Estados e municípios que já tenham conhecimento de determinados projetos, mecanismos garantidores. Aí, sim, poderia entrar o BNDES. Valor: Como garantidor? Lazzarini: Sim, em vez de em- prestar pode falar o seguinte: olha, você está aí com esse projeto de rodovia que vai demorar dois anos para gerar receita, eu garanto seus pagamentos nessa fase pré-operacional. O banco de desenvolvimento tem que entrar resolvendo as falhas de mercado, onde o mercado não está dando o crédito. Tem que atuar mais como garantidor e emprestar somente para projetos que tenham efetivamente impacto social comprovado.
Valor: Mas se fosse assim talvez um caso como o da Embraer talvez nunca tivesse ocorrido..
Lazzarini: Mas para cada Embraer temos uns dez ou mais casos de falha.
Valor: O financiamento a exportação de serviços foi muito criticado, mas o banco argumenta que o volume em comparação com o desembolso não é tão alto e compatível com a atuação de outros bancos com o mesmo perfil.
Lazzarini: Ele tem um custo muito claro, para financiar capta no FAT, dinheiro do trabalhador e remunera a uma taxa libor, muito aquém do que ele poderia estar obtendo. O que falta nessas operações é critério e análise. Não me importa se um banco chinês está subsidiando uma construtora chinesa para atuar em Cuba, nós não precisamos entrar numa guerra de subsídios para construir um porto em Cuba. Temos que formar nossas escolhas com o que tem valor para nós.
As concessões não são apenas uma questão de crédito subsidiado, porque isso tinha e, mesmo assim, parou”