Valor econômico, v. 17, n. 4013, 27/05/2016. Brasil, p. A3

Repasse do BNDES para o Tesouro deve ter respaldo do TCU

Procuradores do tribunal avaliam que medida é saudável e já deveria ter sido adotada

Por: Por Murillo Camarotto

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) não deve criar entraves ao plano da nova equipe econômica de antecipar o pagamento de R$ 100 bilhões devidos ao Tesouro pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Procuradores do tribunalouvidos pelo Valordemonstraram entusiasmo com a medida que, para eles, já deveria ter sido tomada "há muito tempo".

Marinus Marsico, procurador do TCU: "Operação regulariza tardiamente situação que já não era mais pertinente"

"Avalio como bastante saudável essa desalavancagem do BNDES", disse o procurador Marinus Marsico, que está à frente de um amplo pente-fino nas operações da instituição de fomento. "O retorno desses recursos para o Tesouro é a correção parcial de um erro", reforçou o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que avalia como "fraudulenta" a farta capitalização do BNDES ocorrida nos últimos anos do governo petista.

A injeção de recursos, da ordem de R$ 500 bilhões, se deu por meio de emissão de títulos da dívida pública. Ao invés de entregar dinheiro ao BNDES, o Tesouro emitia os papéis e os repassava ao banco, que podia vendê-los no mercado ou descontá-los no próprio caixa do Tesouro.

É aí que o procurador vê a fraude. Segundo Oliveira, essa foi uma estratégia encontrada pelo governo para entregar ao BNDES recursos oriundos do resultado operacional do Banco Central (BC), e cuja destinação é carimbada. "Esse dinheiro vai para a conta única e só pode ser usado para dois fins: cobrir eventuais prejuízos do BC ou para resgate de títulos. Não pode ir para o Orçamento", explicou ele, que impetrou representações no tribunal para contestar essa prática.

Os resultados operacionais do Banco Central são superavitários desde 2011. De lá para cá, a autoridade monetária alocou pouco mais de R$ 450 bilhões na conta única do Tesouro Nacional.

De acordo com Oliveira, o Tesouro emitiu títulos com prazo de vencimento mais curto, justamente com o intuito de viabilizar o resgate pelo BNDES. O procurador sustenta que a maioria dos recursos injetados no banco obedeceu essa sistemática. "Defendo que o dinheiro volte para o Tesouro desde que seja usado para as finalidades originais', afirmou.

A justificativa dada pela nova equipe econômica é de que a operação servirá para abater a dívida pública. "A devolução desses ativos não são classificadas como receita primária, então não diminui o déficit primário. Essas medidas têm impacto na diminuição do endividamento público", explicou o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Para o procurador Marsico, o governo começou tardiamente a regularizar uma situação "que deu resultado em anos anteriores, mas que já não era mais pertinente". Ele ressalta, no entanto, que ainda há muito a ser feito.

"Dentro da nossa visão, vemos ainda a necessidade de redução da diferença de spread entre a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, usada como referência pelo BNDES) e a Selic", disse o procurador. Ele também defende que a TJLP seja indexada à inflação real e não à meta estabelecida pelo governo - que foi descumprida no ano passado e deve repetir esse comportamento em 2016.

Apesar das manifestações dos procuradores, o TCU ainda não foi consultado oficialmente pelo Ministério da Fazenda. Quando isso acontecer, o processo deve ser encaminhado ao gabinete do ministro-substituto Weder Oliveira, que é o responsável pelos casos referentes ao BNDES.

Na última terça-feira, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), José Roberto Afonso, alertou para a possibilidade de o repasse do BNDES ao Tesouro estar em desacordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal.(Colaborou Eduardo Campos)