Americanos ouvem delatores da Lava-Jato

04/04/2016

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ, na sigla em inglês) está investigando a utilização do sistema financeiro americano para o pagamento de propina da Operação Lava-Jato no Brasil, apurou o Valor. A investigação americana conta com o apoio da força-tarefa do Ministério Público Federal que atua no Paraná. Ao menos dois delatores da Lava-Jato viajaram entrejaneiro e fevereiro ao país para responder ao órgão: Augusto Mendonça e Julio Camargo, ex-executivos da Setal, disseram fontes à reportagem.

Os procuradores do Departamento de Justiça investigam operações financeiras para lavar dinheiro que usaram bancos americanos e o eventual envolvimento de companhias americanas no esquema de propina. O objetivo é traçar eventuais conexões americanas com os desvios da Petrobras: envolvimento de empresas ou cidadãos americanos, se foi paga propina no país ou para empresas dos Estados Unidos, eventual envolvimento de bancos e se houve participação de funcionários de instituições financeiras parafacilitar empréstimos e aberturas de offshores de doleiros e operadores de propina no esquema.

O raio de ação do órgão americano, equivalente ao Ministério da Justiça no Brasil, é vasto: uso de linhas telefônicas americanas; de dólar para pagamento de propina, já que o sistema de compensação da moeda é nos EUA; e até mesmo reuniões em solo americano.

"Os americanos entendem que muitos dos crimes praticados no Brasil e investigados na Lava-Jato também são crimes por lá", disse ao Valoro advogado Eduardo Boccuzzi, do Bocuzzi Advogados Associados, que auxilia acordos de colaboração no exterior, mas não divulga nomes de clientes.

As reuniões dos delatores em Washington com os procuradores contaram com a presença de integrantes do FBI, a Polícia Federal americana. A natureza criminal dos fatos direciona a investigação sobre delitos financeiros ao Ministério Público, não ao Fed, o banco central americano, que tem controle do sistema bancário.

A principal vantagem para um delator em colaborar com a Justiça americana é uma cláusula de imunidade, que dá a garantia de não ser processado no país e, assim, não correr o risco de entrar na lista vermelha da Interpol. Se não aceita fazer a delação, corre o risco de ser indiciado e processado nos Estados Unidos. A cooperação não necessariamente envolve pagamento de multa.

No Brasil, cerca de 60 delatores já fecharam acordos com o Ministério Público Federal.

Um brasileiro jamais é extraditado, se condenado nos Estados Unidos. Mas Boccuzzi lembra que, caso um investigado brasileiro receba uma pena nos Estados Unidos, pode ser preso ao sair do Brasil.

A primeira etapa do processo é a manifestação formal do Departamento de Justiça de ter interesse em ouvir delatores brasileiros para investigações nos Estados Unidos. Foi o que ocorreu em setembro do ano passado, quando o governo dos Estados Unidos procurou a força-tarefa da Lava-Jato e recebeu a sugestão de ouvir Mendonça e Camargo.

Definidos os colaboradores, há uma reunião prévia do Departamento de Justiça e os advogados, na qual os defensores listam as informações que os clientes poderiam passar ao governo americano.

Em seguida, organiza-se uma reunião de um ou dois dias com o colaborador em Washington. Os delatores então aguardam as manifestações do DoJ sobre a imunidade jurídica e o acordo.

"Geralmente quando aceitam que a pessoa vá fazer a reunião é porque já têm predisposição a conceder a imunidade", diz Boccuzzi. "O que pode dar errado é quando a pessoa omite ou mente sobre alguns fatos". O DoJ e os advogados dos delatores não comentam o assunto.

 

Valor econômico, v. 16, n. 3976, 04/04/2016. Política, p. A5