Valor econômico, v. 16, n. 3980, 08/04/2016. Brasil, p. A2

"Devemos evitar guerras santas da teoria econômica", diz Barbosa a empresários

Arícia Martins

Estevão Taiar

Apesar do impasse político que trava a aprovação de qualquer medida fiscal, o Ministério da Fazenda tem cumprido seu papel de apresentar propostas de reformas estruturais e ações que estabilizem a redução do nível de atividade, disse ministro Nelson Barbosa. "Nesse momento, mais do que nunca, a economia tem que ajudar a política", disse Barbosa a uma plateia de empresários e investidores no Itaú Macro Vision, evento organizado pelo banco ontem em São Paulo.

Barbosa, no evento do Itaú: discussão precisa evoluir de medidas de ajuste para medidas de reforma fiscal

Segundo Barbosa, o governo federal tem realizado um esforço de reequilíbrio macroeconômico desde 2015, processo que já começou a dar resultados em indicadores como contas externas e inflação. Do lado fiscal, no entanto, mesmo com reformas aprovadas, como seguro-desemprego e pensões por morte, relativa estabilidade de despesas com pessoal e custeio da máquina eo contingenciamento de R$ 78,5 bilhões no Orçamento, o governo não conseguiu atingir a meta de superávit primário estabelecida para 2015.

Para o ministro, a frustração ocorreu por dois motivos: a queda da arrecadação, muito maior que a esperada, e o elevado peso das despesas obrigatórias - 81,3% do gasto primário da União aprovado para 2016. "Somente controlar despesas discricionárias não é suficiente", disse. Mesmo nessas rubricas, afirmou o ministro, a parcela passível de contingenciamento é pequena, porque existem pisos e vinculações em várias delas.

Barbosa afirmou que a discussão precisa evoluir de medidas de ajuste fiscal para medidas de reforma fiscal, que proporcionem maior controle sobre os gastos obrigatórios. Nesse caso, não basta apenas estabelecer metas, mas também dotar o Estado de instrumentos para cumpri-las.

O governo já tem avançado nessa frente e, segundo Barbosa, avalia combinar uma meta de superávit primário com outra de limites para o gasto público na elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2017, 2018 e 2019, que deve ser apresentado no dia 15.

As reformas estruturais, comentou, levam tempo para serem aprovadas pelo Congresso, mas essa condição é positiva, em sua avaliação, porque o Brasil superou o que chamou de "presidência imperial", período em que qualquer mudança no Orçamento podia ser imposta por meio de medidas provisórias. Hoje, disse, o Brasil é uma democracia avançada, e por isso a Fazenda tem deconstruir propostas e obter consenso político para aprová-las.

No campo político, Barbosa criticou os discursos polarizados que, em sua visão, beiram um tom "religioso messiânico", abordagem que deve ser evitada no embate econômico. "Devemos evitar guerras santas da teoria econômica entre a igreja da microeconomia dos últimos dias, para quem cortar demanda resolve tudo, e a igreja da ressurreição keynesiana, para quem aumentar a demanda também resolve tudo."

Como é difícil que o déficit fiscal pare de subir sem a estabilização da atividade, o governo também trabalha em medidas para que a demanda pare de recuar, disse Barbosa. Entre elas, citou o pacote de crédito de R$ 83 bilhões lançado no início do ano e a proposta de criação de um regime especial de contingenciamento, que pode ser acionado quando o crescimento do PIB acumulado nos últimos quatro trimestres for inferior a 1%.

O ministro justificou a criação do depósito voluntário remunerado no BC, com o objetivo de dar mais instrumentos para que a autoridade monetária enxugue a liquidez no mercado sem ter de recorrer a emissões recorrentes do Tesouro. "Se vai entrar no conceito de dívida pública ou não, é uma questão a ser respondida pelos especialistas. Depende da metodologia adotada pelo BC,pelo FMI."

O ministro voltou a afirmar que não houve, por parte da presidente Dilma Rousseff, crime de responsabilidade fiscal que justifique o impeachment. Segundo ele, relatório divulgado pelo BC deixa claro que o estoque de passivos apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) caiu de R$ 58 bilhões em novembro para R$ 11 bilhões em dezembro de 2015.

"Já houve regularização dentro do próprio ano de 2015", disse. Questionado sobre o parecer favorável ao impedimento do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator da comissão especial que analisa o pedido na Câmara, Barbosa disse que respeita a decisão, mas discorda. "Agora a comissão vai analisar isso, depois o Congresso vai analisar isso e, mais importante, a históriabrasileira também vai analisar todo esse processo no futuro."

 

O ponto do governo, reforçou, é que todas as operações estão de acordo com a legislação em vigor no momento da sua adoção. "A partir do momento em que a interpretação do TCU mudou, o governo adotou a nova interpretação nas operações. Não se pode aplicar uma nova interpretação para trás."