Valor econômico, v. 16, n. 3984, 14/04/2016. Brasil, p. A5

Agenda de urgência se impõe após impeachment

Por: Por Flavia Lima e Tainara Machado

Por Flavia Lima e Tainara Machado | De São Paulo

 

Passado o processo de impeachment, o governo vai precisar correr com uma agenda de emergência para estancar a sangria fiscal e tirar o país da paralisia que domina a economia. Não importa o desfecho do processo, analistas consideram que as reformas estruturais, como a trabalhista, a tributária e mesmo a da Previdência passaram para segundo plano e podem até ficar para 2018. A prioridade, dizem, tem que ser enviar ao Congresso um projeto de lei orçamentária com superávit primário.

Gesner Oliveira: questões mais estruturais exigiriam governo eleito para serem conduzidas com mais legitimidade

Embora não se saiba quanto será possível avançar, para boa parte desse grupo um governo de transição liderado por Michel Temer teria mais condições de tocar essa agenda, que envolve primordialmente desvinculação de receitas e ao menos alguma sinalização de longo prazo, como a imposição de idade mínima para a Previdência.

Gesner Oliveira, economista e sócio da GO Associados, acredita que há uma agenda de "emergência" que, pelo estado em que se encontra a economia, precisa começar a ser enfrentada já em junho, antes das eleições municipais. Segundo ele, o quadro tende a ser mais positivo caso o impeachment seja aceito - desfecho ao qual ele atribuiu 90% de probabilidade -, porque poderia haver melhora das expectativas em relação ao ambiente de negócios.

Já questões estruturais mais importantes, como o envio para o Congresso de reformas de fôlego, como a da Previdência, dependem de um governo eleito. "Um governo de transição não teria força política, legitimidade para flexibilizar a legislação trabalhista, ou seguir em frente com a reforma tributária, que teria que ser gradual, de qualquer maneira", afirma.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, diz que reformas como a da Previdência e a tributária são fundamentais para melhorar o cenário de médio e longo prazos, mas não estariam no rol de medidas mais urgentes no curto prazo. A primeira preocupação do vencedor da queda de braço no processo de impeachment deve ser a geração de superávits primários adequados à estabilização da dívida pública, diz Kawall, para quem o cenário mais provável é o de impeachment da presidente Dilma Rousseff. "É preciso atacar a questão do gasto obrigatório, já que o investimento vem sendo comprimido e isso não é bom."

Segundo Kawall, seria preciso ainda lidar com questões como a rigidez do Orçamento da União com gastos obrigatórios em saúde e educação, e dos Estados, ligados a salários. "Já há proposta de redução de carga horária com redução proporcional do salário, o que também poderia ser feito na União, mas para os Estados seria ainda mais importante."

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, diz que um eventual novo governo vai precisar ter foco para escolher as batalhas mais importantes. "É pouco tempo e será preciso ter como prioridade uma agendapragmática." Ela enxerga como possível a implementação de uma idade mínima de aposentadoria, observando regras de transição que, em sua avaliação, não podem ser muito lentas.

O governo, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos, precisa reformar o processo orçamentário, para que o setor público seja capaz de voltar a gerar superávits primários a partir do próximo ano. Outra prioridade, afirma, é estabelecer idade mínima para aposentadoria.

Em sua avaliação, mesmo medidas de curto prazo como essas só seriam possíveis caso o processo de impeachment seja aceito. "Um governo novo pode ter muito mais poder político que um antigo desgastado. O governo que está aí não consegue mais governar", diz.

Ainda assim, avalia, não é certo que Temer vai ter força, ou vontade política, para implementar esse conjunto de medidas. "Se me perguntarem o que o governo Temer vai fazer, eu não sei dizer", diz ele, que também é professor da PUC-Rio. O sinal positivo, por enquanto, é o "Ponte para o Futuro", programa de governo do PMDB que, se implementado poderia fazer diferença "espetacular". Para ele, Temer teria legitimidade para perseguir essa agenda, já que foi eleito. "As pessoas se esquecem que quem fez o Plano Real foi o Itamar Franco, que também era vice."

Nelson Rocha Augusto, presidente do Banco Ribeirão Preto, pensa diferente. Segundo ele, antes de qualquer coisa vai ser preciso entender o quão longevo será o novo governo - seja ele Dilma ou Temer - e que força ele terá. Partindo daí, diz Augusto, algumas medidas imediatas precisam ser tomadas antes das reformas "estruturantes". No primeiro lugar desta fila, afirma Augusto, que é também economista-chefe do banco, o governo que emergir do processo de impeachment deveria fixar um teto para a dívida pública, ainda que fossealto.

"Vale desde que seja uma parede difícil de ser transpassada", diz. "Alguém poderia reclamar que vai engessar os gastos. Vai mesmo, senão não tem como ter confiança de longo prazo."

Na mesma linha, Kawall diz que, tendo em vista a rigidez orçamentária, seria importante discutir (e também elogiar) o conceito da proposta de teto de gastos feita pelo governo. Para Kawall, é preciso implementar o Orçamento de "base zero", primeiro estabelecendo uma meta de superávit primário e, a partir daí, fazer alocações para outras despesas. "Isso não significa que vamos partir para um primário de 2% ou 3% do PIB, mas um ajuste mais próximo de 1,5 ou 2 pontos do PIB nos próximos dois anos".

Um primário desta magnitude, diz Kawall, permitiria uma queda da taxa de juros mais rápida do que o mercado tem hoje na conta - algo crucial para aliviar a situação financeira do setor privado, que se encontra bastanteendividado, e aumentar investimentos. "Como a gente vai resolver o problema da infraestrutura com juro real de 7%? A conta não fecha."

Camargo, da Opus, defende a ideia do orçamento impositivo, que ele considera essencial e não muito distante do orçamento de base zero. Todos os anos, durante o processo orçamentário, o Legislativo e o Executivo teriamque discutir prioridades e onde cortar para produzir superávit primário suficiente para estabilizar a relação entre dívida e PIB. Nesse modelo, não haveria mais vinculação de receitas e indexação de despesas.

Depois de aprovado, não caberia mais ao Executivo autorizar despesas. Ele seria obrigado a executá-las. "Isso não quer dizer, por exemplo, que não vai ter reajuste do salário mínimo. Mas é preciso debater qual será o reajuste, de onde virão os recursos, quem vai perder para que esse aumento seja dado. Essa discussão é importante", diz ele.

Segundo Camargo, as principais democracias adotam o orçamento impositivo. "Isso tira poder do Executivo para negociar emendas parlamentares, por exemplo, o que é um incentivo ao fisiologismo que há hoje", avalia.

Para Oliveira, da GO Associados, uma alternativa de curto prazo seria aprovar a Desvinculação de Receitas da União (DRU). No ano passado, o governo chegou a mandar uma proposta de aumento da desvinculação de20% para 30% do Orçamento, mas até agora ela não foi aprovada. Oliveira avalia que um projeto nos mesmos moldes poderia ser votado, o que permitiria maior flexibilidade da gestão orçamentária por parte da União.

"Precisa dessa flexibilidade, ou não é possível ter contenção de gasto". Uma segunda medida emergencial, diz, seria deflagrar um plano de venda de ativos que permita reduzir o endividamento.