Valor econômico, v. 16, n. 3981, 11/04/2016. Brasil, p. A3

União pode perder R$ 27 bi em 2016 com uso de juro simples em dívida de Estados

Fábio Pupo

Carolina Oms

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de conceder liminar autorizando Santa Catarina a calcular sua dívida com a União usando juros simples, em vez dos compostos, deve incentivar outros Estados a ingressarem com ações na Corte. Caso a medida seja estendida a todos os entes federativos, a União pode perder R$ 27 bilhões em receitas já em 2016.

A decisão não significa, no entanto, que os ministros do Supremo estejam inclinados favoravelmente aos entes federativos. Nos bastidores, o entendimento é que os ministros apenas analisaram a questão tecnicamente e concederam a liminar para manter a situação anterior à mudança da legislação. Somente a partir de agora é que os gabinetes dos magistrados devem se debruçar sobre os impactos econômicos de uma mudança no cálculo dos juros.

Nove ministros foram favoráveis à concessão da liminar. Foram vencidos os dos ministros Edson Fachin e Roberto Barroso. O governo federal vai recorrer. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, fez questão de ir pessoalmente conversar sobre o tema com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e citou um estudo feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado para embasar sua defesa.

Segundo o levantamento, a União perderia R$ 27 bilhões em receitas já em 2016 caso a dívida de todos os Estados passasse a considerar os juros simples. A medida ainda concederia um desconto de R$ 313 bilhões na dívida total dos entes, o que representa 78% do saldo devedor total. "Trata-se de perdão quase integral da dívida", afirma o estudo, de autoria do consultor legislativo Marcos Mendes.

Além disso, o levantamento afirma que 13 entes devedores se tornariam credores da União com a troca da taxa. São eles: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rondônia, Roraima e Sergipe.

O documento defende ser "absolutamente não usual a adoção de juros simples em operações de crédito". "O impacto desse inadequado método de recálculo do passivo sobre as já cambaleantes finanças públicas brasileiras não deve ser subestimado. De imediato, a dívida líquida do Tesouro Nacional subiria em valor equivalente a 5,9% do PIB", diz o texto. O estudo conclui que a medida traria "forte impacto fiscal, debilitando ainda mais o equilíbrio das contas públicas".

Barbosa transmitiu a Lewandowski a preocupação do governo sobre a liminar concedida pelo STF a favor de Santa Catarina e com o precedente que acabou sendo aberto a outros Estados.

Barbosa diz ser "claríssimo" que se aplicam juros compostos nos contratos, como em "todos os outros contratos financeiros", e afirmou que vai apresentar, a partir hoje, a todos os ministros do Supremo os cálculos feitos pela equipe econômica sobre as consequências da decisão. "É uma interpretação equivocada e perigosa para o Brasil nesse momento de necessidade e ajuste fiscal", reiterou.

O ministro lembrou que, na negociação iniciada em 2014 entre entes federativos e governo federal para repactuar o pagamento da dívida estadual, a mudança dos indexadores de IGP-DI para IPCA já gerou uma redução de

quase R$ 100 bilhões no estoque dos débitos. Além disso, o governo acabou de propor o alongamento dos passivos e uma redução temporária de 40% nas prestações, o que ainda depende de aprovação do Congresso Nacional.

Para Barbosa, a medida enviada aos parlamentares é a maneira mais correta e mais equilibrada de resolver os problemas financeiros dos Estados. "A União não pode chegar aos seus devedores e dizer que agora quer aplicar juros simples. Vocês, as famílias, as empresas não podem chegar aos seus devedores e dizer: olha, agora quero aplicar juros simples, porque estou emdificuldade financeira", disse.

Na liminar que concedeu, o STF autorizou o Estado de Santa Catarina a pagar a dívida usando juros simples sem sofrer sanções legais - em especial a retenção de repasses federais. A decisão foi tomada depois que o Supremo deu provimento a recurso contra decisão do relator do caso, ministro Edson Fachin, que havia entendido ser incabível mandado de segurança contra decreto presidencial sobre o tema. A maioria do STF adotou a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes, que votou pelo provimento do agravo regimental para dar seguimento à ação.

 

Os ministros não debateram o mérito da ação, que ainda precisa entrar na pauta do plenário do STF. A divergência está na fórmula adotada para calcular o desconto. O Estado de Santa Catarina afirma que a correção deve ser feita pela taxa Selic acumulada, sem juros e correções. Dessa forma, alegam os advogados, a dívida estaria zerada. Já o Ministério da Fazenda quer usar a Selic capitalizada. Para o governo catarinense, isso é o mesmo que cobrar juros sobre juros.