Valor econômico, v. 17, n. 4011, 24/05/2016. Brasil, p. A2

Serra busca apoio de Macri para flexibilizar Mercosul

O chanceler José Serra em visita a Buenos Aires: “Vamos criar mecanismos para investir na flexibilização”

Por: Marli Olmos

 

A visita do ministro de Relações Exteriores, José Serra, a Argentina, ontem, deixou claro o interesse do governo interino de Michel Temer de buscar no principal parceiro da região apoio à ideia de regras mais flexíveis para o Mercosul. Os dois lados mostram pressa na reaproximação. Ficou acertado, nas conversas em Buenos Aires que daqui a um mês a chanceler argentina, Susana Malcorra, deve visitar o Brasil enquanto Temer também faz planos de viajar à Argentina. Apesar do clima cordial nos encontros com o governo argentino, Serra teve, no entanto, que enfrentar grupos que protestaram contra o processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Ementrevista ontem após a agenda de encontros com o governo argentino, incluindo o presidente Mauricio Macri, Serra voltou a falar sobre os planos para uma flexibilização no Mercosul, da necessidade de fortalecer o bloco e resolver “problemas que ainda existem”. “Vamos criar mecanismos para investir na flexibilização”, destacou Serra.

A palavra flexibilização preocupou jornalistas argentinos que buscavam saber se o governo brasileiro pensa em incrementar acordos bilaterais com países fora do bloco, deixando a Argentina de fora. Serra declarou que esse tipo de questão não se resolvia “numa reunião de um dia” e, de forma diplomática, reiterou sobre o foco da sua ação de curto prazo, voltada à parceria com a Argentina, um dos principais pontos no seu discurso de posse.

No discurso de posse em Brasília Serra citou a Argentina como o país com o qual o Brasil “passou a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia”. Na visita a Buenos Aires ele apontou os problemas no Mercosul como “obstáculos decorrentes da situação macroeconômica”. Segundo Serra, os dois países vão intensificar ações contra delitos nas fronteiras e também trabalhar para aproveitar a facilidade do transporte fluvial que une os países. Os dois go- vernos também coincidem em relação aos problemas na Venezuela e vão trabalhar em posições comuns.

No clima cordial entre os dois governos não houve espaço sequer para os argentinos reclamarem do rombo que a crise brasileira tem provocado no comércio entre os dois países. No primeiro quadrimestre, a Argentina amargou déficit de US$ 1,4 bilhão e em cinco anos o comércio entre os dois países encolheu mais de 40%. Serra disse que almoçou ao lado do ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay e não entraram “nesse detalhe”. “Nós temos as listinhas das dificuldades em outros países; eles também têm as que o Brasil cria”, disse. O ministro não forneceu detalhes sobre seu encontro com Macri, tratado pela Embaixada do Brasil como “visita de cortesia”.

Se com o governo argentino o clima foi de parceria, nas ruas de Buenos Aires Serra enfrentou manifestações contrárias ao processo de impeachment de Dilma. O ministro teve de usar acessos alternativos para entrar e sair da chancelaria da Argentina para escapar dos manifestantes. Ele ingressou no Palácio San Martin por uma entrada de serviços, usada por funcionários. A saída foi por outra porta lateral.

Os seguranças do ministro fizeram de tudo para despistar os manifestantes, que se espalharam em torno do palácio. À saída do encontro entre Serra e Malcorra os manifestantes se confundiram com automóveis que passavam sob forte esquema de segurança. Pensaram que o ministro brasileiro estava dentro de algum desses veículos nos quais colaram nos vidros cartazes com a foto de Serra e a frase: “Procura-se chanceler impostor do Brasil, golpista”. Outros deitaram na rua, para bloquear o caminho dos veículos. Mas Serra acabou saindo a pé, por outra porta lateral, onde havia menos manifestantes.

Formado por membros da corrente kirchnerista “La Cámpora” e também por brasileiros que moram na Argentina, o grupo se dispersou. Começou com cerca de 500 e terminou com menos de 100. Mas foi o suficiente para atrapalhar a agenda inicial do ministro. Estava previsto, por exemplo, que ao sair do Palácio San Martin, Serra iria até o Ministé- rio da Fazenda. Mas, com o provável intuito de evitar constrangimentos no caminho, a visita ao Ministério da Fazenda, que fica ao lado da Casa Rosada, foi cancelada. O ministro PratGay decidiu, então, ele mesmo ir encontrar-se com Serra na chancelaria.

Mais tarde, já na sede da embaixada brasileira, Serra disse que os protestos, que continuavam, desta vez na frente da embaixada, tinham para ele “significado nulo”. Já em relação à decisão do senador Romero Jucá de se licenciar do cargo de ministro do Planejamento, Serra disse: “ele mostrou-se um excelente ministro; espero que possa resolver o problema e volte”.

Ao ser questionado se ele estaria sendo cogitado para substituir Romero Jucá no Ministério do Planejamento, Serra disse que não estava sabendo de nada. Mas destacou: “não vou dizer ‘não aceitaria’ porque pressupõem-se que isso seria cogitado”. Em seguida, o ministro disse, no entanto, que tinha assumido o cargo de ministro de Relações Exteriores com a intenção de implantar o que anunciou no discurso de posse. “Tenho muita coisa para fazer”, disse.

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