Título: Com a falsa arma em punho
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2011, Brasil, p. 6

Cresce o número de crimes com o uso de revólveres e pistolas de brinquedo. No DF, são feitas em média 13 apreensões de réplicas por mês. Justiça deixou de agravar pena nesses casos

Apesar de proibidas no país desde 2003, quando o Estatuto do Desarmamento começou a vigorar, as armas de brinquedo têm sido cada vez mais usadas por criminosos. Só no Distrito Federal, foram apreendidos pela polícia, de janeiro a setembro deste ano, 114 revólveres, pistolas e metralhadoras, que, apesar de não matarem, causam pânico e facilitam a prática de assaltos e sequestros. Em média, são quase 13 peças recolhidas por mês. O número é maior que as 103 réplicas retiradas das mãos de bandidos no mesmo período de 2010. Para piorar, soma-se à facilidade de comprar os artefatos, inclusive pela internet, o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o uso da arma de brinquedo não justifica aumento de pena em caso de condenação. Quando o artefato é de verdade, a punição para o roubo, de quatro a 10 anos de reclusão, pode crescer de um terço à metade do período.

Embora somente a Secretaria de Segurança Pública do DF tenha estatísticas sobre as armas de brinquedo, o fenômeno não é exclusivo da capital do país. Na cidade de São Paulo, custou a vida do comerciante Francisco Elias, 42 anos. Há um mês, depois de ser assaltado duas vezes com armas de plástico em seu restaurante, na Zona Norte, ele revidou. Mas o bandido, naquela ocasião, tinha um revólver de verdade. O tiro disparado matou na hora o comerciante, que estava na companhia do sobrinho. "Pelo relato do meu filho, a gente vê que ele pensou que, de novo, era uma arma de brinquedo e reagiu", conta o irmão da vítima, José Elias, 52 anos. O assaltante fugiu em uma moto sem deixar pistas. A distinção entre réplica e realidade é difícil até para a polícia. Semana passada, um adolescente acabou baleado depois de apontar um revólver de plástico para um policial militar em Santos, litoral de São Paulo.

Promotor de Justiça no DF, Flávio Milhomem entende que a derrubada da súmula do STJ que, até 2001, definia a presença de réplica de arma como motivo de aumento de pena torna a vida dos criminosos mais fácil. "Se a arma de brinquedo surte o efeito pretendido contra a vítima, podemos dizer que facilita. Acredito que cabe ao legislador inserir definitivamente na lei uma qualificadora, se assim entender", diz. Para o jurista Luiz Flávio Gomes, está correta a posição do Judiciário ao não agravar o crime por conta do artefato de brinquedo. "O magistrado tem, no caso do roubo, uma pena de quatro a 10 anos. Ele pode dosar de acordo com as circunstâncias do fato", defende o especialista.

Um julgamento realizado no último dia 7 no Tribunal de Justiça de São Paulo mostra, porém, como a opinião do Judiciário sobre o tema não é coesa. Ao analisar um processo de assalto praticado com arma de brinquedo ocorrido em 2006, o desembargador José Raul Gavião de Almeida considerou o aumento de pena, como prevê o Código Penal em caso de uso de arma de fogo. "Por ser igualmente capaz de intimidar a vítima e desestimular-lhe a reação", assinalou, em sua decisão, seguida pelos outros desembargadores da 6ª Câmara Criminal.

Iniciativas Enquanto no mundo das leis será preciso padronizar o tratamento desse tipo de crime, a sociedade civil organizada tem promovido campanhas de desarmamento infantil. Há municípios, como Londrina, no Paraná, que até aprovaram leis proibindo o comércio de qualquer arma de brinquedo ¿ mesmo as coloridas. "Se tiver gatilho, cano e disparar, já está enquadrada na proibição", afirma Luís Cláudio Galhardi, coordenador da ONG Londrina Pazeando. Contra as críticas sobre uma posição radical, Galhardi se defende. "No mundo em que vivemos, por que incentivar essas brincadeiras? Ninguém é contra a fantasia e o desejo da criança. Até porque, se quiser, ela vai simular um revólver com um pedaço de papel, mas não concordo em estimular isso", diz.

Fora de Londrina e de outros poucos municípios onde legislações próprias com a mesma restrição não pegaram ainda, as armas que não se parecem com peças verdadeiras são liberadas. Amarelas, verdes, alaranjadas. Há, no país, cerca de 1,5 mil modelos aprovados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) ¿ de lançadores de água a pistolas acopladas a bonecos. Na capital do país, algumas grandes lojas de brinquedos não comercializam as peças. "Nem as coloridas a gente tem mais. O gerente decidiu", explica uma vendedora em uma banca da Feira dos Importados. Outra senhora, na Ala C do mesmo centro comercial, conta que até pouco tempo tinha umas sobras de armas parecidas com as reais. "A maioria que vinha e que vem até hoje procurar é adolescente pensando em fazer assalto", acredita. "Faz uns dois anos que é proibido vender. Pai de família, quando vem comprar para o filho, escolhe essas de água, com muita cor."

Só as coloridas São proibidas a fabricação, venda, comercialização e importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo. Um dispositivo parecido já existia na Lei nº 9.437 de 1997, mas foi reforçado pelo Estatuto do Desarmamento em 2003. Portanto, as peças que não se parecem com armas reais podem ser vendidas dentro da legalidade. Por isso, a maior parte das vendidas legalmente tem cores berrantes, fazem ruído ou exibem luzes.

10% das reais De janeiro a junho de 2011, as forças de segurança do DF apreenderam 1.197 armas de verdade, entre revólveres, pistolas e metralhadoras. As 114 armas de brinquedo contabilizadas este ano, portanto, representam cerca de 10% das peças reais. Vale lembrar, no entanto, que a estatística dos artefatos de brinquedo vai até setembro, portanto três meses a mais que o levantamento sobre as armas de fogo feito pela Secretaria de Segurança Pública.