O globo, n. 30230, 13/05/2016. País, p. 6

‘Estado não pode tudo fazer’

Em seu primeiro discurso como presidente interino, Temer enfatiza parcerias com setor privado como forma de retomar investimento e voltar a gerar empregos
 

Reitero, como tenho dito ao longo do tempo, que é urgente pacificar a Nação e unificar o Brasil. É urgente fazermos um governo de salvação nacional. Partidos políticos, lideranças e entidades organizadas e o povo brasileiro hão de emprestar sua colaboração para tirar o país dessa grave crise em que nos encontramos. O diálogo é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios para avançar e garantir a retomada do crescimento. Ninguém, absolutamente ninguém, individualmente, tem as melhores receitas para as reformas que precisamos realizar. Mas nós, governo, Parlamento e sociedade, juntos, vamos encontrá-las.

A HORA DA VERDADE REPETE O ENSAIO
O trecho remete a uma gravação feita por Temer em abril, que pôs ainda mais fogo na conturbada relação com Dilma Rousseff. No áudio, que acabou vazando após ser compartilhado pelo celular com colegas do PMDB, o então vice-presidente já falava como se estivesse à frente do cargo que assumiu ontem. À época, a linha foi exatamente a mesma, pregando a reunificação do país.

 

Teremos que incentivar, de maneira significativa, as parcerias público-privadas, na medida em que esse instrumento poderá gerar emprego no País. Sabemos que o Estado não pode tudo fazer. Depende da atuação dos setores produtivos: empregadores, de um lado, e trabalhadores de outro. São esses dois polos que irão criar a nossa prosperidade. Ao Estado compete - vou dizer, aqui, o óbvio -, compete cuidar da segurança, da saúde, da educação, ou seja, dos espaços e setores fundamentais, que não podem sair da órbita pública. O restante terá que ser compartilhado com a iniciativa privada, aqui entendida como a conjugação de ação entre trabalhadores e empregadores.

PRIVATIZAÇÃO DE TUDO O QUE FOR POSSÍVEL
A intenção de reduzir a máquina pública foi divulgada no fim do mês passado, num texto chamado “A travessia social”, que serve de base para o governo. O documento afirma que, na infraestrutura, tudo o que for possível deve ser concedido ou privatizado. E também fala em mudanças na Lei de Licitações: “É necessário um novo começo das relações do Estado com as empresas que lhe prestam serviços”.

 

De outro lado, um projeto que garanta a empregabilidade, exige a aplicação e a consolidação de projetos sociais. Por sabermos todos, que o Brasil lamentavelmente ainda é um País pobre. Portanto, reafirmo, e o faço em letras garrafais: vamos manter os programas sociais. O Bolsa Família, o Pronatec, o Fies, o Prouni, o Minha Casa Minha Vida, entre outros, são projetos que deram certo, e, portanto, terão sua gestão aprimorada. Aliás, aqui mais do que nunca, nós precisamos acabar com um hábito que existe no Brasil, em que assumindo outrem o governo, você tem que excluir o que foi feito. Ao contrário, você tem que prestigiar aquilo que deu certo, completá-los, aprimorá-los e insertar outros programas que sejam úteis para o País. Eu expresso, portanto, nosso compromisso com essas reformas.

PROGRAMAS SOCIAIS GARANTIDOS
Uma possível redução ou mesmo o fim de programas sociais no futuro governo vinha sendo usada por Dilma e seus aliados nas últimas semanas, e rechaçada por Temer. A presidente afastada chegou a afirmar em abril: “Os golpistas já disseram que se conseguirem usurpar o poder, será necessário impor sacrifícios à população brasileira. Querem revogar direitos e cortar programas”.
 

A força da União, nós temos que colocar isso na nossa cabeça, deriva da força dos estados e municípios. Há matérias, meus amigos, controvertidas, como a reforma trabalhista e a previdenciária. A modificação que queremos fazer, tem como objetivo, e só se este objetivo for cumprido é que elas serão levadas adiante, mas tem como objetivo o pagamento das aposentadorias e a geração de emprego. Para garantir o pagamento, portanto. Tem como garantia a busca da sustentabilidade para assegurar o futuro.

O DESAFIO DAS MUDANÇAS NA PREVIDÊNCIA
A reforma da Previdência promete ser um dos temas mais intrincados para o governo. Há a intenção de enviar ainda este mês propostas de mudanças, que se estendem também à área trabalhista. Uma das principais alterações seria a fixação da idade mínima para a aposentadoria em 65 anos. Temer anunciou, porém, que as alterações não atingiriam quem já está no mercado.
 

A moral pública será permanentemente buscada por meio dos instrumentos de controle e apuração de desvios. Nesse contexto, tomo a liberdade de dizer que a Lava Jato tornou-se referência e como tal, deve ter proteção contra qualquer tentativa de enfraquecê-la.

A INTOCÁVEL OPERAÇÃO LAVA-JATO
O presidente interino se viu numa recente saia-justa após ter sido veiculada a informação de que o advogado Cláudio Mariz de Oliveira seria um dos nomes mais cotados para o Ministério da Justiça. A possível indicação pegou mal para Temer porque Mariz assinou, no início deste ano, um manifesto contra a Operação Lava-Jato. Diante da repercussão, o nome foi abortado.

 

De imediato, precisamos também restaurar o equilíbrio das contas públicas, trazendo a evolução do endividamento no setor público de volta ao patamar de sustentabilidade ao longo do tempo. Quanto mais cedo formos capazes de reequilibrar as contas públicas, mais rápido conseguiremos retomar o crescimento. A primeira medida, na linha dessa redução, está, ainda que modestamente, aqui representada, já eliminamos vários ministérios da máquina pública. E, ao mesmo tempo, nós não vamos parar por aí. Já estão encomendados estudos para eliminar cargos comissionados e funções gratificadas. Sabidamente funções gratificadas desnecessárias. Sabidamente, na casa de milhares e milhares de funções comissionadas.

CORTE MENOS PROFUNDO DE MINISTÉRIOS
O corte na própria carne foi um tema que gerou idas e vindas desde que começou a ganhar corpo o afastamento da presidente Dilma Rousseff. Temer chegou a anunciar um corte radical de ministérios (cairiam para 20), mas teve que voltar atrás, diante da pressão de partidos aliados, de olho em cargos. Ontem, foram anunciadas 23 pastas, sendo algumas fusões como a do Desenvolvimento Agrário com o Desenvolvimento Social.
 

Eu quero, também, para tranquilizar o mercado, dizer que serão mantidas todas as garantias que a direção do Banco Central hoje desfruta para fortalecer sua atuação como condutora da política monetária e fiscal. É preciso, meus amigos, - e aqui eu percebo que eu fico dizendo umas obviedades, umas trivialidades, mas que são necessárias porque, ao longo do tempo, eu percebo como as pessoas vão se esquecendo de certos conceitos fundamentais da vida pública e da vida no Estado.

PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL BLINDADO
Para reduzir a polêmica em torno da perda do status de ministro pelo futuro presidente do BC, Ilan Goldfajn, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já teria acertado com Temer uma forma de blindagem. Deve ser enviada ao Congresso uma PEC que dá ao Banco autonomia para determinar a política de juros no país sem interferências políticas. O presidente do BC só poderia ser processado pelo STF.
 

Faço questão, e espero que sirva de exemplo, e declarar meu absoluto respeito institucional à senhora presidente Dilma Rousseff. Não discuto aqui as razões pelas quais foi afastada. Quero apenas sublinhar a importância do respeito às instituições e a observância à liturgia nas questões, no trato das questões institucionais. É uma coisa que nós temos que recuperar no nosso País. Uma certa cerimônia não pessoal, mas uma cerimônia institucional, uma cerimônia em que as palavras não sejam propagadoras do mal-estar entre os brasileiros, mas, ao contrário, que sejam propagadoras da pacificação, da paz, da harmonia, da solidariedade, da moderação, do equilíbrio entre todos os brasileiros.

A POLÊMICA DO ‘VICE DECORATIVO’
No fim do ano passado, foi o próprio Temer que azedou de vez a relação com Dilma ao enviar uma carta ao seu gabinete com queixas em relação ao comportamento da presidente. O conteúdo foi divulgado e citava a “absoluta desconfiança da senhora (Dilma) e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”. O texto também trazia a expressão “vice decorativo”, que gerou ainda mais polêmica no Planalto.

 

E aí, meus amigos, eu quero dizer, mais uma vez, da importância dessa harmonia entre os Poderes, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a determinação, na própria Constituição - e eu a cumprirei no sentido de que cada órgão do Poder tem as suas tarefas: o Executivo executa, o Legislativo legisla, o Judiciário julga. Ninguém pode interferir em um ou outro poder por uma razão singela: a Constituição diz que os poderes são independentes e harmônicos entre si.

PENDÊNCIAS A SOLUCIONAR NA JUSTIÇA
Temer dependerá de uma decisão do Judiciário para se manter na Presidência, caso o Senado confirme o afastamento de Dilma Rousseff. Corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o processo que analisa as contas da campanha das eleições de 2014. Há uma tendência na Corte de que as contas sejam analisadas separadamente, o que poderia abrir caminho para uma absolvição do presidente interino.
 

Finalmente, meus amigos, fundado num critério de alta religiosidade. E vocês sabem que religião vem do latim religio, religare, portanto, você, quando é religioso, você está fazendo uma religação. E o que nós queremos fazer agora, com o Brasil, é um ato religioso, é um ato de religação de toda a sociedade brasileira com os valores fundamentais do nosso País.

EM BUSCA DO APOIO DIVINO
Nas últimas semanas, o presidente interino vem se aproximando de lideranças evangélicas, como o pastor Silas Malafaia e o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que chegou a pedir uma benção para Temer durante um evento religioso no Sul do país. Apesar das críticas, foi confirmado para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio o bispo licenciado e presidente do PRB, Marcos Pereira.
 

Por isso que eu peço a Deus que abençoe a todos nós: a mim, à minha equipe, aos congressistas, aos membros do Poder Judiciário e ao povo brasileiro, para estarmos sempre à altura dos grandes desafios que temos pela frente.

Meu muito obrigado e um bom Brasil para todos nós.