Correio braziliense, n. 19357, 25/05/2016. Economia, p. 6

Governo quer frear aumento de despesa

Antonio Temóteo

Na tentativa de conter o rombo nas contas públicas e de restabelecer a confiança na economia brasileira, o presidente interino, Michel Temer, anunciou medidas para reduzir as despesas e para reforçar o caixa do Tesouro Nacional. As principais propostas apresentadas no 13º dia de governo interino dependem da boa vontade dos parlamentares, que terão de debater projetos impopulares em um ano eleitoral.
O governo quer estabelecer um limite para o crescimento dos gastos do Executivo e a desvinculação de recursos destinados à saúde e à educação. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, explicou que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) será apresentada para limitar a obrigatoriedade do crescimento do gasto nesses dois itens à inflação do ano anterior. Atualmente, a regra estabelece a manutenção de um percentual da despesa corrente líquida, que é de 18% no caso da educação e progressivo para a saúde, até atingir 15% em 2020.
A PEC vai estabelecer também um teto ao aumento dos gastos totais, igual à inflação do ano anterior. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton, explicou que, no caso da saúde e da educação, não haverá teto, mas mudança na regra do piso de gastos. Nada impede, portanto, que o governo decida ampliar os gastos nessas duas áreas bem acima da inflação, desde compense com cortes em outros itens. O que importa é que o total não ultrapasse a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Insustentável
Meirelles explicou que, de 1997 a 2015, as despesas primárias passaram de 14% para 19% do Produto Interno Bruto (PIB), com crescimento médio anual de 0,3 ponto percentual e de 5,8% acima da variação do IPCA. “As despesas do setor público se encontram em trajetória insustentável”, disse.
Ainda ficou definido que a aplicação mínima de recursos em educação e saúde terá como base o valor mínimo obrigatório observado em 2016, que será anualmente reajustado pela inflação do ano anterior. “Essas medidas aumentam a previsibilidade da política macroeconômica, fortalecem a confiança; eliminam o crescimento real do gasto público; reduzem o risco país; e, assim, abrem espaço para redução estrutural das taxas de juros”, comentou Temer.
Caso a norma seja descumprida, o agente público que deu causa à infração responderá administrativamente.
Outros dois projetos de lei que já tramitam no Congresso foram definidos como prioridade pelo presidente. O primeiro desobriga a Petrobras de participar de todos os investimentos do pré-sal e outro define critérios rígidos para nomeação de dirigentes dos fundos de pensão e de empresas públicas. “Uma boa gestão implicará alocação eficiente de centenas de bilhões de reais do patrimônio dessas instituições, com repercussões positivas sobre os investimentos e as taxas de crescimento da economia”, afirmou Temer.
Além de anunciar as propostas que dependerão de apreciação do Congresso, o chefe do Executivo e o ministro da Fazenda detalharam algumas medidas administrativas polêmicas para reforçar o caixa do Tesouro Nacional. A primeira prevê que o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pague R$ 100 bilhões de dívida ao Tesouro Nacional. Os desembolsos serão feitos em três parcelas anuais. A primeira, ainda em 2016, será de R$ 40 bilhões e as restantes de R$ 30 bilhões.

Poupança
O ministro da Fazenda relatou que o Tesouro repassou R$ 520 bilhões ao BNDES nos últimos anos e que a medida resultará em uma economia de R$ 7 bilhões ao ano com pagamento de juros.  A Fazenda informou que a transferência dos recursos do BNDES para a Conta Única do Tesouro terá como contrapartida redução equivalente do estoque de operações compromissadas; portanto, da dívida bruta. Alguns especialistas afirmaram que medida fere a LRF. Meirelles disse que estão sendo feitas consultas sobre o tema.
Outra decisão do governo é de resgatar R$ 2 bilhões de cotas do Fundo Soberano, lastreados em títulos públicos e ações do Banco do Brasil. O anúncio repercutiu negativamente nos papéis do banco.
Na opinião do economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC), as medidas anunciadas mais parecem um protocolo de intenções. Segundo ele, as propostas não foram amplamente detalhadas e nem enviadas ao Congresso, o que deixa margem para questionamentos. Apesar disso, Schwartsman afirmou que o governo está na direção correta ao sinalizar compromisso com o reequilíbrio das contas públicas. “O crucial é que a rigidez orçamentária seja reduzida com mudanças nas vinculações constitucionais das despesas e que consigam realizar a reforma da previdência”, destacou.
Na avaliação do economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, as medidas sinalizam que o governo quer mudar a trajetória de crescimento do endividamento público brasileiro. Ele avaliou que é compreensível que as medidas não tenham sido detalhadas, já que a gestão de Temer tem apenas 13 dias. “O crucial é conseguir apoio da base aliada para que as propostas sejam aprovadas no Congresso Nacional”, disse.

 

 

Com parlamentares
Para evitar qualquer problema com deputados e senadores e garantir apoio para aprovar as medidas, Temer e Meirelles apresentaram as medidas primeiro aos líderes da base aliada, em reunião no Palácio do Planalto. Com isso, colocaram fim a uma tradição da gestão de Dilma Rousseff, que primeiro fazia os anúncios ao público para só depois detalhar os projetos aos congressistas.

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Aumento de servidor ameaçado

Os servidores públicos federais não devem conseguir aumentos reais nos próximos anos. Isso porque as revisões nos contracheques compõem as despesas primárias do Executivo, que terão o crescimento limitado à variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) será enviada ao Congresso, em até duas semanas, propondo teto para as despesas públicas.
A medida gerou revolta na Esplanada dos Ministérios. Muitas categorias prometem ir às ruas contra a proposta. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e o interino do Planejamento, Dyogo de Oliveira, não detalharam como a decisão de limitar os gastos públicos afetará as revisões nos contracheques, mas explicaram que os reajustes têm impacto nas despesas primárias. Dessa forma, a tendência é de que os aumentos salariais não contemplem ganhos reais para se adequarem à nova política de gestão dos gastos públicos.
O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, afirmou que as categorias não aceitarão qualquer revisão nos acordos já firmados com o Executivo. Além disso, na opinião dele, as medidas anunciadas pelo governo estão focadas na perda de direitos de trabalhadores dos setores público e privado.
Segundo Silva, o Executivo precisa acabar com privilégios de parlamentares, ministros e apadrinhados antes de limitar os reajustes dos servidores. Ele alertou que uma plenária com a presença das associações e sindicatos filiados a Condsef será realizada na próxima semana para definir um cronograma de atos contra o que considera a perda de direitos. “Essas discussões não podem ser feitas por um interino. Se for preciso, vamos para as ruas e fazemos greve”, disse. (AT)

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Legalidade em dúvida

A decisão do governo de cobrar do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) R$ 100 bilhões em antecipação de empréstimos do Tesouro Nacional dividiu o mercado. Alguns analistas avaliaram a decisão como positiva, pois ajudará a reduzir o endividamento público. Entretanto, outros alertaram que a medida fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Dois processos sobre o tema estão em andamento no Tribunal de Contas da União (TCU). O primeiro analisa o impacto no custo da dívida pública das emissões de títulos públicos diretamente ao BNDES. O outro avalia a regularidade dos empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao banco de fomento e às demais instituições financeiras federais mediante emissão direta de títulos públicos.
Segundo o Ministério da Fazenda, o BNDES possui R$ 150 bilhões, dos quais R$ 90 bilhões estão lastreados em títulos públicos. O chefe da equipe econômica não explicou como os pagamentos serão realizados, apenas informou que serão divididos em três parcelas anuais. A primeira de R$ 40 bilhões e as duas seguintes de R$ 30 bilhões.
Na opinião do economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a antecipação de pagamentos do BNDES ao Tesouro para abater a dívida pública é vedada pela LRF. Ele detalhou que quando a norma foi editada visava coibir que governos estaduais e municipais recorressem aos caixas das estatais para antecipar receitas futuras.

Redução da dívida

Na avaliação do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, a decisão de cobrar do BNDES a antecipação de recursos ao Tesouro terá impacto imediato na redução do endividamento público. “As medidas anunciadas deverão contribuir a médio prazo para recolocar a dívida pública em uma trajetória sustentável, e acelerar o processo em curso de retomada da confiança no futuro por parte de empresários e consumidores. Essa confiança é essencial para a volta do crescimento econômico”, avaliou.
Na opinião de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, ninguém melhor do que um ex-banqueiro, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para definir as ações de um banco, ainda que de fomento como o BNDES. “Provavelmente, o que ele quis dizer com a medida é que o BNDES não foi bem utilizado em suas finalidades. Decidiu dar mais eficiência ao dinheiro da instituição, que não pode mais entrar para financiar privatizações”, analisou. (AT)