Valor econômico, v. 17, n. 4.012, 26/05/2016. Brasil, p. A3

Proposta de pagamento do BNDES é alvo de polêmica jurídica

Por: Leandra Peres e Denise Neumann

 

O governo propôs que o BNDES devolva ao Tesouro Nacional nos próximos três anos R$ 100 bilhões dos empréstimos subsidiados feitos durante o governo da presidente afastada Dilma Rousseff. De acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o pagamento não afetará a capacidade do banco financiar infraestrutura ou concessões pois os recursos estavam "ociosos". A medida reduziria a dívida bruta do governo, além de evitar um crescimento anual de R$ 7 bilhões no endividamento público por causa do diferencial de juros entre o que o Tesouro paga em suas captações e o que é cobrado do BNDES.

A proposta, no entanto, enfrenta problemas jurídicos. Segundo especialistas, qualquer pagamento antecipado dos empréstimos pode ser entendido como forma de antecipar receitas, operação que é vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esta visão, segundo apurou o Valor, é partilhada pela atual diretoria do BNDES. "Antes da LRF, muitos governos estaduais usaram e abusaram de sacar caixa de suas empresas estatais e até de seus bancos, a pretexto de antecipar receitas futuras. Quando o novogovernador chegava, tinha perdido essa receita", explica José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) sobre a proibição da lei. Segundo ele, a interpretação de que a operação é vedada pela LRF é do Tribunal de Contas da União (TCU) e já foi manifestada em diferentes momentos.

O ministério da Fazenda, segundo autoridades, vai consultar formalmente o Tribunal de Contas da União (TCU) para obter respaldo ao pagamento antecipado e assegurar que não há qualquer impedimento na LRF. Na visão da Fazenda, expressa pelo ministro Meirelles, não se trata de uma antecipação de receitas, mas de uma devolução de ativos já que na contabilidade pública os empréstimos de R$ 516 bilhões feitos ao banco são considerados um ativo do Tesouro Nacional.

O ministro garantiu que o BNDES terá recursos suficientes para liberar os financiamentos já contratados e mesmo garantir as participações do banco nas concessões de infraestrutura. "Foi levada em conta toda a programação de investimentos e de crédito do BNDES para os próximos dois anos e também o histórico do que foi feito em anos anteriores. O BNDES chegou à conclusão de que esses recursos estariam ociosos", garantiu Meirelles reafirmando que o banco terá "papel central" nos financiamentos de longoprazo.

O cronograma prevê pagamento de R$ 40 bilhões esse ano para um caixa que hoje chega a R$ 150 bilhões. Dois outros repasses de R$ 30 bilhões estão previstos para 2017 e 2018. A devolução da primeira parcela deve acontecer assim que for concluída a avaliação jurídica sobre a transferência, o que está previsto para "os próximos dias".

O repasse do BNDES ao Tesouro não terá impacto no resultado primário do governo, ou seja, não é uma receita que poderá reduzir o déficit de R$ 170,5 bilhões previsto para esse ano. Mas haverá um ganho para o governo nos indicadores de dívida, que será reduzida no mesmo valor dos pagamentos do BNDES.

Para José Roberto Afonso, a medida proposta só poderia ser adotada com mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas ele é contra essa alteração. O economista também levanta dúvidas sobre o ganho econômico da medida. "Isso reduzirá a dívida líquida, porém, ninguém mais presta atenção a esse indicador, que perdeu credibilidade. Até porque está contaminado por reservas, por esses empréstimos, por swap, etc", pondera. A outra alternativa seria o Tesouro resgatar os R$ 100 bilhões em títulos do mercado. "Sempre que isso ocorreu, o BC precisou enxugar a liquidez do mercado e o fez emitindo operações compromissadas. É nulo o impacto sobre a dívida bruta, e até mesmo sobre a líquida", diz. Para Afonso, a forma correta de reduzir a dívida bruta é gerando superávit primário e reduzindo o déficit nominal. "Infelizmente, reduzir a dívida bruta é uma tarefa muito mais complexa, não só jurídica, como também econômica, do que com essa ideia do BNDES devolver R$ 100 bilhões", acrescenta.