Título: Sotaque brasileiro no duelo de mídia
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2011, Mundo, p. 12

Cristina Kirchner adotou um slogan de campanha inspirado no ex-colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. "Cristina, força do povo" se assemelha muito à frase "Lula de novo, com a força do povo", presente na eleição de 2006. Mas os especialistas garantem que a influência lulista na campanha argentina para por aí. Se o ex-presidente chegou a ser considerado cabo eleitoral de Cristina, na prática isso teve pouco efeito. "Lula não exerce influência significativa sobre a política daqui. Os argentinos não associam o reconhecimento público dele com Cristina", garante Miguel De Luca, diretor da Sociedade Argentina de Análise Política.

A visão é compartilhada por Facundo Galván, cientista político da Universidad Católica Argentina. Para ele, Lula é inegavelmente um líder regional, mas não se vinculou ao desempenho de Cristina. "Somente um dos candidatos da oposição, Ricardo Alfonsín, usa em seus spots de campanha a imagem de Lula, dando a entender que sua trajetória e suas posições são semelhantes", atesta.

No contexto de uma queda de braço entre a Casa Rosada e a mídia privada, o marketing não tem influído na caça ao voto. Em campanhas anteriores, publicitários brasileiros emprestaram seu talento para tentar eleger presidentes argentinos. Em 2003, Duda Mendonça foi um dos artífices da campanha de Carlos Menem, mas o ex-mandatário acabou derrotado por Néstor Kirchner, marido de Cristina. Em 2011, João Santana teve papel importante, embora pouco decisivo, na campanha do ex-presidente Eduardo Duhalde.

Amigo do candidato, Santana exerceu mais a função de conselheiro político que de marqueteiro. Já o filósofo Roberto Mangabeira Unger foi responsável pela ideia de aliar o nome de Alfonsín ao de Lula. "Unger teve uma reunião informal com o candidato da União Cívica Radical, mas não desempenhou o papel de assessor", afirma De Luca. "Se houve algum impacto da intervenção de João Santana, foi muito pequeno e não atingiu o principal objetivo: reduzir a distância entre Duhalde e Cristina", acrescenta.

A nova lei que regula a publicidade nas disputas nacionais proíbe os candidatos de comprar horários no rádio e na tevê. Segundo Galván, a preocupação dos adversários de Cristina e de ONGs como a Poder Ciudadano está no fato de que esse esquema provoca assimetrias entre governo e a oposição. "Se os adversários da presidente precisam se contentar com os espaços gratuitos, o oficialismo conta com a possibilidade de difundir sua gestão ou distribuir a pauta oficial", compara. Pelo mesmo motivo, a campanha foi enfadonha: sem ataques diretos, os opositores fizeram as tradicionais críticas à Casa Rosada, enquanto Cristina ressaltou as obras públicas, os planos sociais e o próprio carisma. (RC)