Valor econômico, v. 17, n. 4.008, 19/05/2016. Brasil, p. A4

Passivos 'potenciais' da União poderiam dobrar rombo fiscal

Capitalizações e situação de Estados podem levar buraco de R$ 300 bi

Por: Tainara Machado

 

A possível necessidade de capitalização de bancos públicos e de grandes empresas estatais, como Eletrobras e Petrobras, podem praticamente dobrar o tamanho do buraco fiscal estimado por economistas, que já não é modesto. No mercado, as estimativas são de déficit primário de pelo menos R$ 100 bilhões neste ano, embora, por enquanto, nem a projeção mais pessimista chegue nos R$150 bilhões ventilados pelo governo.

Octavio de Barros, do Bradesco: divulgação dos passivos contingentes só fará bem ao mercado, que tenta fazer a conta

Segundo analistas do setor privado, a maior necessidade de capital deve ser a da Petrobras. A estatal pode precisar, nas estimativas mais conservadoras, de R$ 50 bilhões - ou de R$ 300 bilhões nos cenários mais pessimistas. Para a Eletrobras, as estimativas ficam em torno de R$ 40 bilhões, número citado pelo ministro do Planejamento, Romero Jucá.

Ontem o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que não tem planos para capitalizar a Petrobras no curto prazo, mas que foi instalado um grupo de trabalho com o Ministério de Minas e Energia para discutir as necessidades financeiras da Eletrobras.

À conta de passivos contingentes, podem-se somar o resultado das renegociações de dívida dos Estados. Na contabilidade, contingências são situações em que o resultado final depende de eventos futuros incertos e, por isso, são difíceis de ser estimados.

Pedro Jucá Maciel, assessor econômico do Senado, lembra que no ano passado os governos estaduais pagaram cerca de R$ 47 bilhões em juros para a União e bancos públicos federais. Esse seria o impacto primário anual da suspensão do pagamento de juros pelos Estados, como propõe o Rio de Janeiro. O cenário é ainda mais negativo se prevalecer a tese do juro simples na correção das dívidas estaduais, que aumentaria a dívida da União em mais de R$ 400 bilhões.

O Supremo Tribunal Federal deu um prazo para negociação entre União e Estados antes de julgar o mérito da questão.

Octávio de Barros, diretor do departamento de economia do Bradesco, considera a transparência uma parte fundamental da estratégia de resgate da credibilidade do governo. Por isso, argumenta, a divulgação dos passivos contingentes "só fará bem ao mercado, que tenta fazer essa contas mas não consegue estimar a dimensão real do problema. Com a transparência, novas formas de consertá-lo podem surgir", afirma.

Nas estimativas do banco, o déficit esperado para 2016 é de R$ 136 bilhões, resultado que já considera efeitos negativos da renegociação das dívidas dos Estados com a União e com o BNDES. A projeção não contempla, porém, as capitalizações. Barros menciona a dificuldade desses cálculos, mas coloca como possibilidade R$ 100 bilhões para a Petrobras e R$ 40 bilhões para aEletrobras, o que se somaria ao déficit já esperado.

Outro economista do setor privado lembra que algumas estimativas francamente pessimistas circulam pelo mercado, nas quais os passivos contingentes poderiam chegar a R$ 600 bilhões, a depender da necessidade de capital da Petrobras, que poderia ser de até R$ 300 bilhões.

Ele pondera, porém, que listar os piores cenários - nem sempre mais prováveis - e somá-los é um exercício de validade duvidosa. A situação mais adversa para a Petrobras, por exemplo, só se materializaria caso a estatal não conseguisse mais acesso ao mercado de crédito. "Mas não estamos tão mal assim", diz, ao mencionar que nesta semana a empresa captou US$ 6,75 bilhões em bônus.

Em entrevista recente, Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, indicou que a estatal precisaria de algo entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões para conseguir operar com mais fôlego, a depender da composição de sua dívida e da geração de caixa.

Para o economista que preferiu não se identificar, algo como R$ 100 bilhões parece adequado para as necessidades financeiras da estatal de petróleo, mas evita fazer cálculos sobre a Eletrobras. Ele ressalta que, na estratégia de sanar esses passivos, o governo poderia mobilizar ativos para cobrir parte desse rombo, com concessões, privatizações e até antecipação do pagamento da dívida pelo BNDES, estratégia iniciada por Joaquim Levy na Fazenda e que não se manteve.

Para José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre, nem sempre capitalizações são recursos a fundo perdido. "O que é gasto hoje pode ser recuperado ou até se transformar em receita amanhã - caso haja uma revalorização em mercado das ações dessas empresas".

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