Valor econômico, v. 17, n. 4.009, 20/05/2016. Brasil, p. A3

Frustração de receita vai a R$ 100 bi, sem CPMF

Por: Ribamar Oliveira e Cristiano Romero

 

A nova previsão de receita da União para este ano, que será divulgada hoje pelo governo, será mais de R$ 100 bilhões menor do que a estimativa que consta da lei orçamentária, de acordo com fontes credenciadas. Para fazer este cálculo, o governo excluiu a arrecadação de R$ 10 bilhões com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que tinha sido incluída no Orçamento. Isso significa que o governo Michel Temer não conta mais com a volta do tributo neste ano.

A nova previsão incluirá, no entanto, outras medidas de elevação de tributos que serão adotadas para aumentar a arrecadação, entre elas, provavelmente, uma maior progressividade do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e alterações na cobrança de pessoas jurídicas que declaram pelo lucro presumido. Além disso, o governo pretende reduzir desonerações tributárias.

Os R$ 100 bilhões a menos na previsão da arrecadação deste ano decorrem do efeito da recessão econômica. Apenas em março e abril, a receita ficou cerca de R$ 10 bilhões menor do que estava prevista no último decreto de programação orçamentária e financeira.

De janeiro a abril, a frustração da receita em relação ao que estava previsto na lei orçamentária foi de cerca de R$ 50 bilhões. Em 2015, também por causa da recessão econômica, a receita efetiva da União foi R$ 115 bilhões menor do que a previsão que constava da lei orçamentária.

No relatório divulgado hoje, o governo vai apresentar previsão para a receita de maio a dezembro. O ministro do Planejamento, Romero Jucá, já disse que o governo adotará parâmetros econômicos realistas para o cálculo da arrecadação.

Até agora, o governo estava trabalhando com uma previsão de queda de 3,05% do Produto Interno Bruto (PIB). A previsão do mercado, no entanto, é de queda de 3,88%, de acordo com o último relatório Focus, divulgado pelo Banco Central. Para a inflação, o governo trabalhava com uma estimativa de 7,44% e o Focus prevê 7%. Haverá alteração também na previsão para o crescimento da massa salarial e da cotação do dólar.

O governo reavaliou também sua estimativa de receita com a regularização de recursos enviados de forma ilegal ao exterior por brasileiros. A previsão que consta do Orçamento deste ano é de R$ 21,1 bilhões. Outra receita que será reduzida é a previsão com a venda de ativos da União, projetada na lei orçamentária em R$ 30,1 bilhões.

O governo da presidente afastada Dilma Rousseff tinha incluído no Orçamento a previsão de uma arrecadação de R$ 10 bilhões com a CPMF, na perspectiva de que a recriação do chamado imposto dos cheques ocorresse neste mês. Por causa da noventena, a CPMF só poderia ser cobrada a partir de setembro.

Embora tenha retirado a arrecadação da CPMF da previsão de receita deste ano, o governo não descartou a possibilidade de que ela possa ser aprovada para valer em 2017 e 2018. Nessa perspectiva, ela poderia ser aprovada pelo Congresso até setembro e passaria a ser cobrada a partir de primeiro de janeiro de 2017.

O governo não quer aprovar a CPMF agora porque sabe a resistência que existe no Congresso para a criação de um novo tributo. Mas espera contar com apoio para aumentar a progressividade do Imposto de Renda e aprovar mudanças na tributação das empresas que declaram com base no lucro presumido. A ideia é tributar a diferença entre o lucro que a empresa presume que obterá e o lucro efetivamente verificado.

Órgãos relacionados:

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Recessão e desonerações derrubam a arrecadação e dificultam o ajuste

Por: Sergio Lamucci e Lucas Marchesini

 

O tombo da arrecadação federal em abril e no acumulado do ano continuou a refletir a recessão e o impacto negativo das desonerações tributárias, ainda que estas últimas venham sendo gradualmente revertidas. Nos quatro primeiros meses de 2016, a receita total ficou em R$ 423,9 bilhões, um tombo real (descontada a inflação) de 7,91% em relação ao mesmo período de 2015. É um recuo um pouco menor do que os 8,71% acumulados no primeiro bimestre e os 8,19% do primeiro trimestre, mas a queda ainda é muito expressiva. Em abril, houve uma baixa real de 7,1%, com arrecadação de R$ 110,9 bilhões, o pior desde 2010.

Os números mostram o quadro desolador do lado das receitas, deixando claro o efeito devastador da retração da economia. Com isso, fica evidente uma das grandes dificuldades do governo em acenar com uma melhora das contas públicas.

"Esse resultado reflete o fraco desempenho da economia e a deterioração das principais bases de tributação, que são a renda [incluído aí o lucro das empresas], o consumo e os salários", disse ontem o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros daReceita Federal, Claudemir Malaquias.

Ele citou as quedas registradas por indicadores econômicos como a produção industrial e as vendas no varejo, com recuos próximos ou superiores a dois dígitos no acumulado de janeiro a abril. O aumento do desemprego também foi destacado por Malaquias.

A forte queda das receitas com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Importação mostra "o efeito destruidor da recessão", como diz em relatório o Banco Fator. De janeiro a abril, a receita total com o IPI recuou 21,4%, descontada a inflação, para R$ 14,736 bilhões. O tombo é especialmente forte no caso do IPI de automóveis, que recuou 41,9% em termos reais. O Imposto de Importação e o IPI vinculado às compras externas caíram 26,5% no período, excluindo o efeito da inflação.

O resultado do Imposto de Renda Retido na Fonte sobre rendimentos do trabalho também foi fraco. De janeiro a abril, a receita com o tributo totalizou R$ 34,9 bilhões, 5,5% a menos do que no mesmo período de 2015 em termos reais. O mau momento do mercado de trabalho também faz estragos na receita previdenciária, que somou R$ 121,6 bilhões nos quatro primeiros meses do ano, queda real de 5,58%.

As desonerações continuam a prejudicar os cofres da Receita. Em abril, elas tiveram um impacto negativo de R$ 7,6 bilhões, número que sobe para R$ 30,2 bilhões no acumulado do ano. Malaquias disse que elas seguem pesando sobre a arrecadação, mas lembrou que elas vêm sendo revertidas paulatinamente. É o caso da revisão parcial da desoneração sobre a folha de salários. De janeiro a abril de 2015, a perda total com as medidas de alívio tributário atingiram R$ 38,1 bilhões, um custo quase R$ 8 bilhões superior ao do mesmo período deste ano.

Em abril, a arrecadação com o Imposto de Renda para a Pessoa Jurídica (IRPJ) e a CSLL teve aumentos reais expressivos, de 5,82% e 12,56%, pela ordem. Segundo a Receita, porém, o resultado se deveu a receitas atípicas obtidas especialmente por duas instituições do setor financeiro. Malaquias disse que ainda não há informações mais detalhadas sobre essa receita - se resultaram de multas, por exemplo. Outros impostos, por sua vez, tiveram

um desempenho muito ruim em abril. A arrecadação total com o IPI teve uma queda real de 18% no mês, na comparação com abril de 2015, enquanto a do Imposto de Importação caiu 35,4%.

A situação das receitas, como se vê, é delicada e, para a Rosenberg & Associados, ainda tende a piorar antes de melhorar. "Como a arrecadação reflete a atividade econômica com algumas defasagens, as recentes surpresas ainda mais negativas da atividade neste primeiro semestre deverão se refletir no desempenho das receitas nos próximos meses", avalia a consultoria. "Nota-se uma queda disseminada entre praticamente todos os tributos, com destaque para IPI, PIS/Cofins, IRPJ e CSLL, com fortes quedas reais na comparação com igual período do ano anterior." É um reflexo de lucros e receitas menores em função da crise, assim como das dificuldades de caixa das empresas.

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Era Meirelles remete a tempos iniciais da gestão Levy

Por: Lucas Marchesini e Fábio Pupo

 

Apesar do discurso de ruptura com as práticas do governo petista, a política econômica do presidente interino Michel Temer é muito semelhante com a aquela que o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy tentou emplacar durante sua gestão. Em ambos os casos, é seguido um "receituário ortodoxo". O discurso é de protagonismo do setor privado e a prioridade é a redução do endividamento público. Até as medidas estudadas são as mesmas - em alguns casos, estão sendo aproveitados projetos enviados ao Congresso Nacional pelo próprio Levy.

Duas diferenças, no entanto, são essenciais e podem determinar o sucesso do atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em relação ao seu antecessor: enquanto Levy "pregava no deserto" - contando inclusive com opositores a seu ideário em cargos chaves da equipe econômica - e não podia contar com a articulação política da gestão Dilma, Meirelles conviverá com um governomais alinhado a seu pensamento e deverá enfrentar menos problemas no Congresso. Ao menos essa é a expectativa que existe hoje.

"A direção da política econômica é a mesma, muito focadas na questão fiscal", analisou o ex-ministro da Fazenda e hoje consultor Maílson da Nobrega. "Ambos identificaram o problema fiscal e particularmente a trajetória da dívida pública como principal ameaça ao futuro da economia brasileira e isso, portanto, deveria ser o foco da ação do governo".

"Levy defendeu a reforma da Previdência e Meirelles está defendendo novamente. Levy propôs a recriação da CPMF, que Meirelles apoia", diz Maílson. Além disso, "ambos ressaltaram a necessidade de restabelecer a confiança para diminuir a incerteza e também ressaltaram a participação do mercado".

"Outra coincidência é que ambos mereceram apoios do mercado, viveram lua de mel e o Meirelles está vivendo a sua", lembrou. "O Levy começou a perder quando os mercados perceberam que o Barbosa não era companheiro de equipe", diz. Maílson também criticou o papel de articulador político assumido por Levy diante da "fraqueza" da articulação do governo e as deficiências da assessoria de Dilma na Casa Civil. "Se expôs, perdeu um bom tempo com comparecimento frequente ao Congresso", opinou. Meirelles, avaliou Nobrega, não deve cometer o mesmo erro até porque "ele nem precisa". "A articulação do governo Temer está anos luz à frente da que vigorou no governo Dilma".

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rodrigo Orais, fez uma análise na mesma linha. "O diagnóstico é muito semelhante e as medidas propostas também: a centralidade da questão fiscal que só se resolve com reforma da Previdência", explicou. "Com o Meirelles, você volta ao Levy, tenta retomar [aquelas ideias]",.

Como sinal disso, Orair apontou o aproveitamento "de grande parte das medidas que já estavam em curso". "Não é a toa que estão reaproveitando o Dyogo [Oliveira, secretário-executivo do Planejamento] e o Tarcisio [Godoy, secretário-executivo da Fazenda]. São pessoas que já estavam responsáveis por encaminhar essas medidas como a DRU [Desvinculação das Receitas da União], a CPMF, a renegociação das dívidas dos Estados", lembrou.

"A diferença, por outro lado, é que há uma correlação de forças mais homogênea dentro do governo e visão mais pragmática" agora, disse Orais. Já quando Levy saiu do governo e o ex-ministro Nelson Barbosa assumiu a Fazenda, "o diagnóstico não é tão diferente, mas ele tentou propor um gradualismo, colocando a reforma como médio prazo e no curto prazo tolera déficit primário mais flexível", completou.

Para o economista Raul Velloso, não há como Meirelles tomar medidas diferentes de Levy - já que eles seguem linhas de pensamento semelhante. "Não é de estranhar que o receituário seja parecido. Os dois ministros têm orientação ortodoxa, então não há como fugir das mesmas iniciativas", afirma.

Para Velloso, no entanto, Meirelles se destaca por querer avaliar as contas públicas antes de anunciar medidas. "O Levy já chegou com meta ambiciosa [de superávit], com muita gente dizendo para não tentar tanto. Já o Meirelles está trabalhando para escancarar a herança maldita, dizendo que vai olhar primeiro. Está correto", avalia. O economista acredita ainda que o atual ministro vai ser vitorioso graças ao apoio dos colegas. "Ele está em um governo que está topando o ajuste. É um governo que parece estar alinhado. É uma discrepância brutal, é a diferença entre fazer e não fazer", disse.

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional