Valor econômico, v. 17, n. 4.009, 20/05/2016. Brasil, p. A4

Serra visita a Argentina e pode se encontrar com Macri na segunda

Por: Marli Olmos

 

Cinco dias depois de tomar posse como ministro de Relações Exteriores, José Serra estará em Buenos Aires na segunda-feira para apertar a mão da chanceler da Argentina, Susana Malcorra - e muito provavelmente a do presidente Mauricio Macri. A rapidez com que Serra programou a visita ao país vizinho demonstra, segundo o diretor do Instituto de Planejamento Estratégico, Jorge Castro, não apenas a nova fase na política de comércio exterior no Brasil como marca o alinhamento de posturas dos dois governos nas relações com o mundo.

O governo argentino limita-se a confirmar o encontro. Mas, nos bastidores fala-se sobre uma reunião entre Serra e Macri, que estaria sendo organizada de maneira muito discreta, para não interferir na postura cautelosa da Argentina em relação ao processo de impeachment de Dilma Rousseff.

As primeiras informações dão conta que Serra será recebido por Malcorra no Palácio San Martin, sede da chancelaria. Mas existe a possibilidade de ele ir para a Casa Rosada onde participaria de reunião com o ministro-chefe de gabinete, Marcos Peña. No caso, ele estará a passos da sala de Macri.

Para Castro, um dos mais respeitados analistas em relações e comércio exteriores na Argentina, seja no Palácio San Martin ou na Casa Rosada, a presença de Serra na Argentina, confirma seu discurso de quarta-feira, no qual enfatizou a abertura do Brasil ao mundo e apontou a Argentina como principal parceiro em direção a relações comerciais "que não podem se limitar à simples assinatura de acordos, mas à conquista de exportações por meio da produtividade e competitividade".

Ao tomar posse, Serra disse que "um dos principais focos da ação diplomática em curto prazo será a parceria com a Argentina, com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia". Em Buenos Aires, as declarações foram recebidas como sinal de que o perfil do interlocutor do lado brasileiro será menos diplomático do que o anterior e mais voltado à ação comercial.

A visita do novo ministro brasileiro interrompe uma longa agenda de viagens de Malcorra. A chanceler deixou Buenos Aires no dia 4 para uma série de encontros na Europa, Ásia e América Central. Da China, ela seguirá de volta para a capital argentina para receber Serra. E depois retomará o roteiro, com o México como próximo destino.

O encontro entre o governo que tomou posse em dezembro, na Argentina, e o formado no Brasil em meio ao processo de impeachment, ocorre, no entanto, num momento de retração no intercâmbio comercial entre os dois países, provocada, sobretudo pela queda de demanda no mercado brasileiro. De janeiro a abril o comércio entre Brasil e Argentina registrou retração de 6,1% na comparação com igual período do ano passado. Com queda de 25% nas exportações para o outro lado da fronteira, a Argentina amargou um déficit de US$ 1,38 bilhão. O rombo representa um valor três vezes mais alto do que no primeiro quadrimestre do ano passado. Relatório da consultoria Abeceb destaca que a crise no Brasil não só provoca o encolhimento das importações de produtos argentinos como estimula a indústria brasileira a exportar mais para o vizinho.

Para Castro, no entanto, esse não será motivo para o lado argentino se lamentar perante Serra. "Trata-se de um problema mais concentrado no setor automotivo, que depende praticamente das vendas para o Brasil", destaca. "O discurso de Serra deixou clara a mudança de postura na política externa no Brasil e a Argentina e Mercosul têm a ganhar com isso", afirma o analista.

A visita de Serra com agenda de poucas horas servirá, ainda, como um ato simbólico do apreço do governo do presidente interino Michel Temer em relação à postura praticamente passiva que o governo Macri manteve em relação ao impeachment de Dilma enquanto outros vizinhos, como Bolívia, Equador, Venezuela, Cuba e até a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) se manifestaram contra o processo. "Veja que Paraguai e Uruguai permaneceram quietos, à espera do que acontece entre os dois maiores sócios do Mercosul para seguir seus passos."

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Ministro quer Mercosul flexível e novas parcerias

Por: Flavia Lima

 

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, disse ontem que é preciso buscar formas de flexibilizar o Mercosul de modo que seja possível buscar parcerias bilaterais com outros países e continentes. "Da forma como está hoje isso se torna difícil porque se tem que levar todos os parceiros juntos", disse. Quanto a possíveis novos acordos comerciais, afirmou que já há coisas em andamento, sendo que algumas precisam ser aceleradas, outras, revistas. "Dois anos e meio é muito tempo, senão para concluir pelo menos para chegar perto".

Segundo ele, o bloco precisa ser fortalecido "inclusive nas relações de livre comércio entre os países, pois "muitas barreiras que subsistem". O chanceler destacou que, dentro do foco no Mercosul, a Argentina é prioritária e mencionou a agenda de trabalho que começará a ser tocada na próxima semana, com sua visita a Buenos Aires.

Segundo Serra, o Mdic terá participação fundamental no trabalho junto ao Itamaraty. "É uma parceria. Vamos fazer o entrosamento entre o que a Apex faz e o Itamaraty faz para maximizar o entendimento e gastar menos dinheiro."

O ministro do MRE disse ainda que não tem planos de nenhuma mudança radical na troca de embaixadores "só o que faz parte da rotina" e que não pretende fechar embaixadas. "Pedi estudo sobre isso porque tudo isso tem custo", disse.

Serra reforçou que não existe preferência por relação com os EUA em detrimento da China e defendeu uma política "em escala mundial". "África é importante? Muito. Ásia, China, América do Sul, essa é especialmente importante porque está em nosso continente."

Serra ressaltou que os juros são responsáveis por 90% do déficit nominal, que deve girar ao redor de R$ 600 milhões, o que evidenciaria como a política monetária tem implicação fiscal. Além disso, sentenciou: "Em períodos de depressão, não há ajuste fiscal possível".

O ministro rebateu as críticas de ter fornecido passaporte diplomático a representante de igreja evangélica. Segundo o chanceler, a medida é praxe no Itamaraty. "A política definida, não foi por mim, mas por governos anteriores, é de dar dois passaportes por igreja. Convencionou-se dois para igreja católica, outras reivindicaram", afirmou. "Esse fato que foi noticiado nos jornais, eu nem soube que igreja que é".