Valor econômico, v. 17, n. 4009, 20/05/2016. Política, p. A7

Cunha promete voltar a seu gabinete na próxima semana

Depoimento no Conselho de Ética é marcado por trocas de acusações e manobras de ambos o saldos

Por: Raphael Di Cunto / Thiago Resende

 

A volta de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Câmara dos Deputados para prestar depoimento no Conselho de Ética foi marcada por manobras de ambos os lados, trocas de acusações, negativas de que possui contas no exterior e a promessa de que ele voltará a despachar em seu gabinete a partir de segunda-feira, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o afastou domandato e da presidência.

Cunha disse que o Supremo o suspendeu do exercício das atividades de parlamentar, mas que ainda pode ir ao gabinete e que não perdeu seus direitos políticos. Nessa interpretação, dizem aliados, a decisão da corte o impediria de apresentar projetos de lei, votar ou discursar em plenário. "Não estou suspenso pelo STF de falar com as pessoas ou de exercer minha militância partidária", afirmou o parlamentar, que continua ativo nos bastidores. Na quarta-feira, um de seus principais aliados, André Moura (PSC-SE), foi escolhido líder do governo Temer na Câmara.

Questionado por parlamentares por continuar influenciando as decisões da Casa e nomeações no governo Temer, Cunha rejeitou comandar uma tropa - "os deputados não são meus capachos, são meus aliados"- e a autoria de indicações como a do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (PSDB-SP), e do advogado Gustavo Rocha para o jurídico da Casa Civil - ambos já o defenderam na Justiça-, entre outros. "Não tem um alfinete indicado por Eduardo Cunha no governo."

O Supremo afastou Cunha há 15 dias sob o argumento de que o deputado usava o cargo e o mandato para atrapalhar as investigações contra ele. O pemedebista afirmou que vai recorrer e, embora tenha evitado críticas diretas ao STF, reclamou da "celeridade" com que foi tratado. "É muito estranha a celeridade com relação a mim, não me deram nem uma semana para distribuir meus memoriais, quando, por exemplo, uma denúncia contra o presidente do Senado está há três anos sem ser apreciada pelo pleno."

Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) divulgou nota em que repele "a obsessão do deputado Eduardo Cunha com meu nome". "Ela não encontra razões jurídicas ou políticas. Todas as citações que me envolvem são calcadas em 'ouvi dizer' ou avaliações subjetivas", disse o pemedebista, que aguarda julgamento de denúncia por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.

O depoimento no conselho, que durou mais de sete horas, foi marcado por manobras regimentais dos dois lados. De cara, Cunha alegou que o atual relator de seu processo de cassação está impedido pelos mesmos motivos que levaram à troca do relator anterior, Fausto Pinato (PRB-SP): pertencer ao mesmo bloco formado por seu partido, o PMDB, no começo da legislatura.

O atual relator, Marcos Rogério (RO), trocou o PDT - que não fazia parte do bloco- pelo DEM na janela de troca partidária, em fevereiro. "Obviamente essa nulidade será contestada e todos os atos proferidos após a substituição serão anulados", disse. Isso levaria todo o processo de instrução - investigação com base em documentos e depoimentos de testemunhas - à estaca zero. Rogério argumenta que ainda ocupa a vaga do PDT no conselho.

O grupo de Cunha, que na última semana já substituiu dois deputados que votavam com o pemedebista, mas estavam mudando de opinião por pressão de seus eleitores, tentou também impedir o voto do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos principais adversários dele.

O SD protocolou representação contra Delgado por supostamente mentir sobre receber recursos da UTC - doação que era investigada na Lava-Jato, em inquérito já arquivado. Caso o processo fosse instaurado, ele, que nega a acusação, estaria suspenso do conselho. Mas, como a ação contra Cunha já encerrou a fase de instrução, passa a trancar a pauta e o conselho não podedeliberar sobre mais nada. Aliados recorreram ao presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), notabilizado por deferir recursos a favor do pemedebista.

Rogério, por outro lado, atuou para ampliar o escopo da denuncia, que Cunha e seu advogado tentam restringir à suposta mentira à CPI da Petrobras, quando ele afirmou em depoimento que não tinha contas no exterior. Ao fim da sessão, o relator afirmou que abria prazo de cinco dias úteis para a defesa examinar toda a documentação - que inclui delações premiadas que acusam o pemedebista de corrupção- e se manifestar sobre o que quiser.

Cunha rebateu, dizendo que não trataria dessas acusações para "não dar curso à nulidade" e voltou a declarar não ter contas no exterior. O dinheiro, repetiu, está em um "trust", espécie de fundo de investimento sobre o qual não tem a gestão dos recursos e, na avaliação de seus advogados, não precisava ser declarado ao Banco Central.

O relator questionou: se o dinheiro do "trust" não é dele, quem pagou gastos de milhares de dólares em hotéis, lojas e restaurantes de luxo, alvo de investigação no STF? Cunha afirmou que o cartão de crédito é de sua esposa, que ele tinha apenas um cartão de dependente e que isso não é objeto da denúncia no conselho. Não quis confirmar que se o cartão tem como garantia o "trust" e se a conta está na Suíça.

Cunha repetiu várias vezes que o "trust" é transparente e, que se quisesse esconder o dinheiro, "teria seguido exemplos" e optado por uma fundação. Ele não respondeu a quem se referia a acusação.

Não houve avanço na disputa de votos. O processo foi aberto em fevereiro por 11 votos a 10. Mas Pinato, que votava contra Cunha, foi substituído por Tia Eron (BA), que será decisiva. Da bancada evangélica, ela não ficou na sessão. (Colaborou Vandson Lima)

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