Valor econômico, v. 17, n. 4007, 18/05/2016. Finanças, p. C2

Meirelles propõe 'autonomia técnica' para o Banco Central

Por: Eduardo Campos /Leandra Peres/Tainara Machado /José de Castro / Silvia Rosa

 

Ao confirmar Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Central, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que a instituição passará a ter autonomia técnica decisória e que o atual presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini, continuará integrando a alta cúpula da administração federal em outra posição. Meirelles, contudo, esclareceu que mandatos fixos para o presidente e diretores da instituição não serão propostos agora, pois isso depende de um arranjo político mais abrangente.

"Nossa proposta é de autonomia técnica de decisão e já um avanço enorme ao que hoje é um acordo verbal. Nos oito anos que passei no BC era um acordo meramente verbal e funcionou muito bem porque foi cumprido".

Meirelles explicou que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que vai dar prerrogativa de foro para o presidente do BC - que perde o status de ministro - e para a diretoria da instituição também trará artigo propondo a autonomia técnica para o BC.

"Isso é muito importante, pois mantém aquilo que prevalece do ponto de vista prático. Isto é, autonomia de decisão", disse. Segundo o ministro, essa é uma decisão "já amadurecida".

Segundo Meirelles, esse é um ganho "enorme", pois haverá uma formalização constitucional de algo que era antes apenas um "acordo verbal".

Antes de assumir o BC, Ilan será sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos no Senado (CAE), que atualmente é presidida pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Segundo Meirelles, enquanto os trâmites legais não forem cumpridos, Tombini segue como presidente do BC.

Meirelles disse, ainda, que Tombini continuará integrando a administração federal, mas terá outra missão. "Não temos ainda como anunciar qual é a posição em função de situação institucional diversa. Mas continuaremos com o concurso do Tombini, não mais no BC".

O ministro da Fazenda disse também que conversará com Ilan sobre possíveis substituições nas diretorias no BC "se for o caso".

Enquanto Meirelles dava sua entrevista, o presidente Tombini divulgou nota à imprensa apontando que Ilan Goldfajn "é profissional reconhecido, com larga experiência no setor financeiro brasileiro, ampla visão da economia nacional e internacional, além de já ter passagem pela diretoria colegiada dessa instituição. Suas qualidades e sua formação o credenciam a uma bem sucedida gestão frente à autoridade monetária brasileira".

A proposta de garantir autonomia técnica para o BC é um bom meio termo para um governo de transição, avalia Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra. "Acho que, neste momento, discutir autonomia formal do Banco Central poderia ser mais complicado, pois não houve ampla discussão com a sociedade, mas acho necessário ter um arcabouço mais sólido", afirmou o economista. Ele lembra que, nos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, o BC teve autonomia operacional, ainda que por acordo verbal, mas que essa "independência" foi perdida na gestão da presidente afastada Dilma Rousseff.

Para Oliveira, a PEC garantirá situação melhor do que o arranjo informal de autonomia de decisão para o BC. "Na prática, acredito que funcionaria bem. Acho que dificilmente o Ilan aceitaria o posto se não houvesse essa garantia", afirma.

O "ideal" seria a independência formal do BC, mas é positiva a proposta de "autonomia técnica" porque confia que Meirelles manterá sua postura contra ingerências sobre o BC, diz o economista-chefe do Santander Brasil, Maurício Molan. Para ele, ainda está muito viva no mercado a memória de Meirelles defendendo a autonomia do BC para tomar suas decisões de política monetária.

"À frente do BC, Meirelles valorizou a não interferência. O BC pode ter agora formalizada a autonomia 'de facto'. O ideal é a autonomia de direito, mas que exige uma discussão mais profunda e mudança na lei", diz Molan.

Para o economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, Neil Shearing, o projeto que garante a autonomia do BC, embora não signifique a independência da autoridade monetária, é um passo "importante" e uma "rápida vitória" para o governo. "Isso deve ajudar a ancorar as expectativas de inflação de longo prazo", afirma.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, diz esperar a autonomia de fato. "Entendo que diante de tantas outras prioridades, o governo não queira gastar capital político com essa questão". "O fato é que sem arrumar a macroeconomia, a crise política também se prolonga", diz.

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Nova expressão, precária independência

Por: Alex Ribeiro

 

O mercado de juros futuros teve uma reação positiva moderada ao anúncio de que o governo pretende bancar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) concedendo a autonomia técnica do Banco Central.

Em grande parte, faltou entusiasmo porque não estão completamente claros os planos do governo. Pelo que anunciou o ministro da Fazenda, Henrique Meireles, não haverá independência nem mesmo autonomia como ocorre em outros países. A "autonomia técnica" prometida é uma experiência nova ainda um tanto vaga.

Ele deixou claro que não está sendo discutido no momento um mandato fixo para os dirigentes do BC. Sem isso, eles não têm proteção para decidir livremente se sobem ou baixam os juros, e podem ser removidos dos cargos quando desagradarem o governo.

O que parece existir de certo na proposta do governo é a concessão de um foro privilegiado aos dirigentes do BC que dá certa proteção legal para seus atos. Isso não é pouco, pois o próprio Meirelles foi perseguido na Justiça por setores do governo Lula que não concordavam com subir os juros para conter a inflação.

Ontem, Meirelles fez um jogo de palavras entre autonomia técnica e independência que ajuda pouco a esclarecer os reais objetivos do governo. No exterior as palavras autonomia e independência são usadas como substitutas perfeitas. No Brasil, as autoridades costumam usar a expressão autonomia, que é mais suave e politicamente palatável.

Existem três níveis de independência, ou autonomia. Um pré-requisito de todas elas é mandato fixo para proteger os dirigentes do BC justamente das pressões do governo

Na independência de objetivos, como nos Estados Unidos, o BC escolhe o que vai priorizar entre os mandatos de estabilidade monetária e máximo emprego. Na de metas, da zona do euro, o BCE tem como objetivo principal a estabilidade de preços e estabelece a meta de inflação. Na Inglaterra, há uma meta estabelecida pelo governo, e o BoE tem independência operacional paramanipular os juros para cumpri-la.

Os governos Lula e Dilma costumavam dizer que garantiam a autonomia operacional do BC. Mas, sem mandato, não havia nada disso. Sem ignorar que o novo modelo de Meirelles dá mais segurança jurídica a quem decide os juros, a autonomia técnica é apenas uma nova expressão criada para designar um BC com precária independência para cumprir suas funções.