Valor econômico, v. 17, n. 4007, 18/05/2016. Especial, p. A12

Meirelles monta equipe essencialmente fiscalista

Composição reforça percepção de que política fiscal e monetária irão andar em consonância

Por: Ribamar Oliveira

 

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, mostrou que a prioridade número um do governo é mesmo o reequilíbrio das contas públicas. Com essa preocupação, Meirelles montou uma equipe econômica com visão marcadamente fiscalista. A composição da nova equipe reforça a percepção de que, a partir de agora, a política fiscal ajudará o trabalho do Banco Central (BC) no controle da inflação, pois será executada em consonância com a política monetária.

Em artigos e palestras, ou no exercício de cargos públicos anteriores, os economistas escolhidos por Meirelles se opuseram às políticas anticíclicas desenvolvidas durante a gestão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Quando estava no BC, no cargo de chefe do departamento de Pesquisas Econômicas ou de diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton era uma voz crítica com relação à política fiscal expansionista de Mantega no fim do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no primeiro mandato da presidente afastada Dilma Rousseff.

Ele saiu do BC no início de 2015 e foi trabalhar com Meirelles no grupo J&F, controlador da JBS. Agora, Hamilton será o novo secretário de Política Econômica, responsável pela formulação das políticas macroeconômicas, que vão fundamentar a estratégia do governo Michel Temer para a economia, segundo anunciou Meirelles ontem. Segundo ele, caberá a Hamilton propor as "medidas gerais" de ajuste das contas e para alcançar os objetivos de retomada do crescimento e do emprego.

O assessor de Meirelles que ficará responsável pelo diagnóstico da situação fiscal será o economista Mansueto Almeida, funcionário do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O foco principal de Mansueto será, segundo o ministro, a qualidade e eficiência das despesas públicas. Caberá a ele fazer uma análise detalhada das despesas da União, o que vai dar fundamento às medidas que a Fazenda vai tomar gradualmente. "Precisamos fazer um diagnóstico preciso e correto para tomarmos medidas eficazes edefinitivas", explicou Meirelles, ao anunciar Mansueto para o cargo de secretário de Acompanhamento Econômico.

Mansueto ganhou notoriedade no país ao criticar, nos últimos anos, a chamada "contabilidade criativa" adotada pela equipe do ex-ministro Guido Mantega. Ele criou um blog que passou a ser uma das páginas que tratam de assuntos econômicos mais acessadas na internet. No blog, ele explicou detalhadamente as chamadas "pedaladas fiscais" antes mesmo delas terem sido condenadas como crime pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Ao longo dos anos, o economista fez insistentes alertas ao governo sobre o crescimento continuado dos gastos obrigatórios, apontando para a insustentabilidade da trajetória. Mansueto acredita que somente a realização de reformas estruturais será capaz de interromper o crescimento do gasto em ritmo acima da expansão da economia.

A grande surpresa da equipe anunciada hoje por Meirelles é Marcelo Abi-Ramia Caetano para a Secretaria da Previdência, órgão que será criado com a incorporação do Ministério da Previdência Social pelo Ministério da Fazenda. Até agora, o seu nome não tinha sido ventilado para qualquer cargo no governo Michel Temer. Caetano é colega de Mansueto no IPEA, do qual é funcionário desde 1997. Ele se especializou na questão previdenciária, tendo sempre defendido uma reforma do sistema como medida indispensável para a sua sustentabilidade a médio e longo prazo. Meirelles disse que Caetano "vai se dedicar às contas da Previdência, em articulação com Mansueto e Carlos Hamilton". O ministro informou que o governo se comprometeu ontem com as lideranças sindicais a apresentar uma proposta de reforma da Previdência no prazo de 30 dias.

_______________________________________________________________________________________________________

Mansueto não via como escapar da alta de tributo

Por: Flavia Lima e Tainara Machado

 

A situação complexa das contas públicas só pode ser contornada, no curto prazo, com aumento de carga tributária, mas não é certo que o governo Temer tenha força política para aprovar algo como uma nova CPMF. A sentença foi dada em abril por Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas, agora secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, em entrevista ao Valor.

Mansueto apontava, em abril, déficit de 2% do PIB, “na melhor das hipóteses”

Na entrevista, ele dizia esperar que o déficit fiscal primário deste ano, "na melhor das hipóteses", seria de 2% do PIB - cerca de R$ 120 bilhões -, em meio a uma alta de gastos contratada de cerca de R$ 100 bilhões, entre aumentos do funcionalismo e reajuste da Previdência. Pessimista, Mansueto dizia que há "muito pouco que se pode fazer para reverter essa trajetória no curto prazo, diante do crescimento real da despesa e da arrecadação em queda". Há cerca de mês, Mansueto avaliava que o melhor caminho seriaanunciar um pacote de reformas, "com prazos para envio e aprovação dos projetos no Congresso."

No fim de abril, em evento da FGV no Rio, Mansueto alertou que as obrigações futuras do Tesouro estavam ameaçadas pela "complicada relação existente entre os bancos públicos e as estatais federais" e citou a necessidade de capitalização da Caixa Econômica e, eventualmente, até mesmo da Petrobras.

Mansueto citou como exemplo o aumento da exposição da Caixa no mercado de crédito comercial para financiamento de programas habitacionais, duplicada nos últimos quatro anos, de 6% para 12%.

Em seu mapeamento, a conta de equalização de juros para pagamentos dos subsídios às estatais deve chegar a R$ 32 bilhões em 2016 - mais que o triplo de quatro anos atrás. Ele lembrou que até 2006 a Petrobras não tinha dívidas com bancos públicos e que hoje o endividamento é de R$ 90 bilhões. Segundo ele, haveria "dúvidas hoje no mercado se essa dívida será transformada em participação na estatal".

O diagnóstico apontava ainda que o gasto social, incluindo a Previdência, é o que mais cresce desde 1991. No período até 2015, disse, 75% do crescimento da despesa primária do governo central se deveu a gastos sociais, que, embora expressivos, seriam ao menos bastante previsíveis. A questão, afirmou, é que um Estado que gasta tanto com social não tem como ser muito ativo em política setorial - exatamente o que teria sido feito pelo governo Dilma.

"O Tesouro emprestar para bancos públicos é normal. O erro é que o Tesouro emprestava para bancos públicos R$ 14 bilhões, ou 0,5 ponto do PIB, e isso aumentou em 2014 para R$ 550 bilhões, ou 10% do PIB", disse. "Qualquer governo tem direito a dar subsídios para empresas e setores desde que seja transparente", afirmou. "Transparência e, infelizmente, aumento de impostos para cobrir o rombo fiscal crescente."

De acordo com seu blog, Mansueto é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, tendo assumido os seguintes cargos: coordenador-geral de Política Monetária e Financeira na Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda (1995-1997), assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado (2005-2006) e Assessor Econômico do senador Tasso

Jereissati. Desde junho de 2014 estava em licença sem vencimento de suas funções no Ipea. Em 2014, integrou a equipe do candidato Aécio Neves (PSDB) à Presidência da República.

Embora seja um especialista em contas públicas, Mansueto tem estudado e participado do debate público de vários outros assuntos, entre eles política industrial. Mansueto foi um dos críticos mais contundentes da política de incentivos e subsídios da equipe econômica de Dilma Rousseff, entre elas o crédito subsidiado concedido pelo BNDES e as desonerações da folha depagamentos. Acompanhou de perto, e com lupa, as chamadas "pedaladas".

Ele tem insistido que a sociedade brasileira precisa fazer escolhas na área fiscal. Ontem, em texto de despedida do blog, Mansueto escreveu que o desafio é enorme, mas que "a correção dos desequilíbrios começará agora, no governo do presidente Temer". "O não ajuste deixou de ser opção dada a gravidade da situação atual e a trajetória preocupante da expansão da dívida pública. Não há como empurrar o problema com a barriga. Chegou a hora do teste de maturidade da sociedade brasileira para, através de um debate político, transparente e aberto, decidirmos como faremos o ajuste fiscal."

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Um defensor visceral de convicções que veio do BC

Por: Angela Bittencourt

 

Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo não é um brasileiro mediano, mas de extremos. Desperta reações intempestivas nos interlocutores que nutrem por ele o mais sincero ódio ou o mais honesto amor. Tem grandes amigos e desafetos. Carlos Hamilton é visceral na defesa de suas convicções. E, também por isso, é ouvido e tem suas opiniões respeitadas. Admiradores e críticos nãotêm dúvida de que sua paixão pelo debate rendeu muitos pontos junto ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com quem trabalhou desde a chegada de Meirelles no comando do Banco Central (BC), em 2003.

Carlos Hamilton: paixão pelo debate rendeu muitos pontos junto ao ministro

Carlos Hamilton Araújo é o novo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Escolhido por Meirelles, homem forte do presidente interino da República Michel Temer, o ex-diretor de Política Econômica do BC - de março de 2010 a fevereiro de 2015 - terá os nervos colocados à prova em seu novo posto. No último ano, ele esteve na iniciativa privada, como diretor da Eldorado Brasil, empresa do Grupo J&F.

Dois desafios, um pessoal e outro profissional, se impõem ao economista, que, aos 20 anos, ingressou no Banco do Estado do Ceará como analista - mesma função que desempenhou na Secretaria do Tesouro Nacional (STN) seis anos depois. Pessoalmente, ele vai tentar se convencer de que o setor público e suas instituições podem restaurar sua reputação e se manter como promotores do bem-estar para os brasileiros; profissionalmente, sua responsabilidade é gigantesca como formulador de políticasmacroeconômicas para todo o governo. O desafio está posto. E pelo ministro da Fazenda. Funcionário de carreira do BC, até agora Carlos Hamilton esteve envolvido especialmente na formulação da política monetária.

No Departamento de Estudos e Pesquisas do BC (Depep), Carlos Hamilton revelou talento incomum para lidar com modelos econométricos, com ferramentas que mostram, por A+B, a fragilidade de medidas e decisões. Embora especialista em política monetária, o novo secretário da Fazenda dominou a macroeconomia e chegou ao comando do Depep. Foi sucessor de Alexandre Tombini que, em 1999, foi encarregado pelo então presidente do BC, Arminio Fraga, a organizar e a implementar o Departamento de Pesquisas. Carlos Hamilton ingressou ali em 2001 e saiu em março de 2010 para assumir a Diretoria de Política Econômica por indicação de Mário Mesquita que deixou o cargo e voltou para o setor privado.

De março a dezembro de 2010, Carlos Hamilton teve como chefe direto Henrique Meirelles. A chegada de Alexandre Tombini ao comando do BC, por indicação de Meirelles, não surpreendeu o colega do Depep. Os três têm em comum foco, determinação, imensa dedicação ao trabalho e honestidade intelectual.

À frente da Política Econômica - de 2010 ao início de 2015 -, Carlos Hamilton tornou-se responsável direto pela elaboração dos principais documentos publicados pelo BC. Dois se destacam entre todos: Relatório Trimestral de Inflação e Ata do Copom.

Nessa posição, ganhou tanta credibilidade junto aos agentes financeiros que suas declarações provocavam imediato realinhamento dos juros e do câmbio. Carlos Hamilton é um dos diretores que mais tempo permaneceu na função.foi o primeiro servidor público a comandar a diretoria que foi representada por acadêmicos excepcionais: Francisco Lopes, Sérgio Werlang, Ilan Goldfajn, Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita.

À frente da Política Econômica do BC protagonizou cenas inéditas na história das Finanças do Brasil. A mais célebre é de abril de 2013, quando não hesitou em ser mais conservador que Ata do Copom que marcou o início de um ciclo de alta de 350 pontos na Selic. Poucas horas depois da publicação da Ata, Carlos Hamilton alertou o mercado, durante seminário em São Paulo, que obalanço de riscos para a inflação era desfavorável e o Copom poderia intensificar o uso da Selic na condução da política monetária. O posicionamento ajudou a resgatar a Selic da mínima histórica de 7,25% que tinha permitido à presidente Dilma Rousseff realizar um sonho: reduzir o juro real brasileiro a menos de 2% ao ano.

Nos últimos meses de BC, Carlos Hamilton não disfarçou sua contrariedade com a desordem das contas públicas que em nada contribuíram para que a política monetária fosse mais branda.

_______________________________________________________________________________________________________

Caetano defendia regra de transição mais curta

Por: Sergio Lamucci

 

Escolhido para ocupar a Secretaria da Previdência do Ministério da Fazenda, o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano tem dito que as regras de transição para as reformas da área terão que ser mais curtas, dado o atraso do Brasil em promover mudanças no sistema de aposentadorias. Caetano defende a definição de uma idade mínima para a aposentadoria, a desvinculação do pisoprevidenciário do salário mínimo e a revisão das regras para pensão por morte, muito generosas quando comparadas às de outros países. Ele sempre destaca que as reformas do sistema não serão simples, enfrentando resistências de parcelas da sociedade e dificuldades no Congresso.

Marcelo Caetano: secretário da Previdência via país atrasado nas reformas

Em entrevista ao Valorno fim de abril, Caetano afirmou que via como ideal um período de transição de cinco a dez anos, embora tenha ressaltado que pode ser algo politicamente difícil. Se a idade mínima for definida em 65 anos, ela poderia ser atingida em uma década, - partindo de 60 anos, por exemplo.

Coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Caetano é um dos analistas que enfatizam o fato de que o Brasil já gasta muito com benefícios previdenciários, mesmo sendo um país relativamente jovem. Como a população envelhecerá rapidamente nas próximas décadas, é fundamental tomar medidas para evitar a explosão dos gastos com aposentadorias.

Entre 1995 e 2015, as despesas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) aumentaram de 4,6% do PIB para 7,4% do PIB. Se nada for feito, o governo estima que elas poderão alcançar 17,2% do PIB em 2060. O economista também lembra sempre que mudanças na Previdência não geram ganhos fiscais no curto prazo, embora sejam fundamentais para garantir a sustentabilidade num horizonte mais longo.

Caetano alerta ainda para o risco de que sejam aprovadas "contrarreformas", ou seja, medidas que joguem contra a sustentabilidade do sistema. Uma ameaça, por exemplo, é a introdução de mais categorias profissionais no regime de aposentadorias especiais, que escapassem à idade mínima. Hoje, há regras diferenciadas para funcionários públicos, militares, professores, mulheres, deficientes e a população rural.

Como se vê, Caetano vai tocar na Fazenda uma área delicada, cujas mudanças podem desagradar segmentos expressivos da sociedade. Em seminário organizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em abril, o especialista lembrou a resistência cultural a reformas na área, observando que a Previdência é vista com um prêmio.

A idade média de aposentadoria no Brasil é muito baixa - 58 anos, no RGPS. No caso de quem se aposenta por tempo de contribuição, ela está na casa de 56 anos para homens e 53 para mulheres. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média é um pouco superior a 64 anos.

No seminário da FGV, Caetano ressaltou ainda que não há uma medida única que resolverá o problema da Previdência. "Não existe uma bala de prata, como idade mínima."

Embora o maior foco dos especialistas hoje seja nas mudanças do RGPS, que reúne os trabalhadores do setor privado e celetistas do setor público e de estatais, o sistema de aposentadoria dos servidores públicos também tem problemas. Em 2015, o rombo da previdência de funcionários civis e militares federais foi de 1,2% do PIB, num sistema que atende pouco mais de 1 milhão de pessoas. No RGPS, que engloba cerca de 28 milhões de pessoas, o buraco ficou em 1,5% do PIB.

Para Caetano, a criação do fundo de aposentadoria complementar dos servidores federais, o Funpresp, no governo Dilma Rousseff, foi um "passo necessário, mas insuficiente". Na entrevista ao Valor, Caetano observou que o Funpresp "não tocou nos militares, não afeta Estados e municípios e não ataca o problema do estoque dos servidores que ingressaram antes da sua criação". Os esforços do especialista, contudo, tenderão a se concentrar na formulação de medidas para reformar o RGPS, pelo menos no curto prazo.

Um dos principais especialistas em Previdência do país, Caetano é economista do Ipea desde 1997. Entre 1998 e 2005, foi coordenador-geral de atuária, contabilidade e estudos técnicos do Ministério da Previdência Social, incorporado à Fazenda no governo Michel Temer. Antes de Dilma Rousseff ser afastada pelo Senado, a área estava no Ministério do Trabalho e daPrevidência.

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional
  • Senado Federal