Valor econômico, v. 17, n. 4005, 16/05/2016. Brasil, p. A4

Cenário político incerto desafia Meirelles

Por: Leandra Peres

 

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não quis fazer comparações entre sua passagem pelo Banco Central (BC) nos anos Lula e seu retorno ao governo seis anos depois. Está certo. As condições de Meirelles em 2003 não poderiam ser mais distintas das queencontra em 2016. Se naquela época, como agora, faltava credibilidade para tirar a economia do fundo do poço, Meirelles navegará dessa vez num mundo político muito mais incerto.

Henrique Meirelles: vantagem de ter o comando e desvantagens de ser o principal alvo de críticos da política econômica

Não há dúvidas de que Meirelles tem o respaldo inequívoco do presidente interino e que chega ao governo empoderado para "fazer o que for necessário". Seu discurso sobre a dívida pública "insustentável", a necessidade de tetos para o gasto, o controle sobre as indicações do presidente do BC e dos bancos estatais e as medidas duras que não titubeou em prometer são um sinal da latitude que terá.

Mas diferente do governo Lula de 2003, que havia acabado de ser eleito com maioria esmagadora, era forte e popular. Meirelles entra agora num time que ainda tem que se legitimar politicamente e que, por menores que sejam as chances de a presidente afastada Dilma Rousseff voltar ao cargo, ainda é um governo interino.

Michel Temer passará pelo menos três meses de seu governo sob a sombra de ter que garantir os 54 votos do Senado para obter de vez o impeachment da presidente. Isso basta para alterar todos os cálculos políticos de qualquer governo.

É pouco provável que o presidente interino avance em qualquer votação de reformas estruturais ou mesmo os inevitáveis aumentos de impostos, antes de uma decisão final do Congresso sobre o futuro de Dilma. O lema de Meirelles, que diz ter pressa e ir devagar, é talvez uma expressão clara da acomodação que será necessária.

Também sai de cena, em 2016, a proteção que Meirelles tinha em Antonio Palocci o ministro da Fazenda que viabilizou uma política fiscal ortodoxa e segurou a política de juros altos que fez a economia voltar a crescer em seis meses. A figura central na discussão econômica agora é o próprio Meirelles, que tem a vantagem de ter o comando e precisará contornar as desvantagens de ser o alvo preferencial de todos que não concordem com as políticas do governo.

Se serve como um primeiro indicador do que vem adiante, na sexta-feira, o presidente do Solidariedade e da Força Sindical, Paulinho, já dizia que a reforma da Previdência é "estapafúrdia" e "inoportuna".

Na configuração do governo Temer, Meirelles, assim como em 2003, chega cercado de ministros políticos fortes como Eliseu Padilha, na Casa Civil, Geddel Vieira Lima, na Secretaria de Governo, Romero Jucá, no Planejamento, e José Serra, nas Relações Exteriores. Para viabilizar sua política econômica terá que garantir uma aliança sólida com os colegas, mesmo os que pensam radicalmente contra sua visão de economia, caso de Serra. Em sua assessoria, Meirelles deve contar com Marcos Mendes,consultor do Senado, que no sábado deu a notícia via Facebook.

No pano de fundo da administração de Meirelles paira uma dúvida crucial para a política econômica de Temer: as eleições de 2018. Ninguém fala abertamente sobre o assunto, mas nas contas de aliados e opositores está claro que, conseguindo reeguer a economia, o ministro da Fazenda será considerado um candidato quase natural para a Presidência.

Em 2010, no fim do governo Lula, Meirelles se filiou ao PMDB ainda quando estava no comando do BC e chegou a articular para ser vice-presidente na chapa de Dilma. No momento em que o mundo político achar que o ministro pode estar querendo trilhar o caminho de Fernando Henrique Cardoso, a boa vontade com a política econômica vai se evaporar e Meirelles deixará de ser só um ministro poderoso.

O cenário econômico de 2003 era um fundo do poço muito mais raso do que a recessão econômica inédita que o ministro enfrenta agora. Mas Meirelles conhece esse mundo e já tem definido, como se viu bem nas entrevistas iniciais, um rumo traçado para seguir. A diferença agora é que a tradicional combinação - muito bem-sucedida em 1999, 2003 - de um corte brutal nos investimentos, aumentos de impostos e algum adiamento nos gastos não reavivará a economia.

Em 2016, tudo isso terá que ser feito de novo, mas não bastará se não for acompanhado de reformas que vão mexer no bolso de muitos e nos interesses de poucos muito bem organizados. Meirelles, dessa vez, só será bem-sucedido se conseguir ajuda da política.

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Ministro vai propor "nominalismo" para controlar despesas

Por: Ribamar Oliveira

 

Em suas primeiras entrevistas como ministro da Fazenda, na sexta-feira, Henrique Meirelles anunciou que o governo vai trabalhar com um sistema de metas para as despesas públicas, que prevê limites nominais. Elas não poderão ter crescimento real. Assim, os gastos passarão a crescer igual ou menos que a inflação do período considerado.

Os economistas chamam esse sistema de "nominalismo", em uma referência ao fato de que o governo passará a trabalhar unicamente com valores nominais para as despesas. Meirelles não esclareceu por quanto tempo essa nova regra será utilizada, ou se os limites serão fixados por despesas específicas, ou para o gasto global. "Ainda não está definido como serão os limites, pois existem vários caminhos", observou o novo ministro.

O objetivo explícito do "nominalismo" é evitar a indexação generalizada das despesas, como ocorre hoje no Orçamento da União. As despesas previdenciárias, assistenciais, como o abono salarial e o seguro-desemprego, estão, todas, indexadas ao valor do salário mínimo. O governo sempre procurou também repor as perdas com a inflação aos salários do funcionalismo federal. Meirelles não esclareceu quais despesas serão desindexadas.

O ministro disse que o "nominalismo" será adotado depois que o governo tiver pleno conhecimento da realidade das contas. "Primeiro vamos fazer um levantamento dos dados [sobre as despesas], saber qual é a realidade [das contas]", explicou.

Só depois que tiver clareza sobre a situação, Meirelles pretende estabelecer uma meta fiscal "que seja realista, que seja cumprida e que depois sirva de base para a melhora das contas públicas". O objetivo da política fiscal será, no curto prazo, desacelerar o crescimento da dívida pública, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), já calculando uma queda no futuro, por contas das medidas que serão tomadas.

O limite de gastos proposto por Meirelles, ou seja, o "nominalismo", é muito mais duro do que o apresentado pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa. O projeto de lei complementar encaminhado por Barbosa ao Congresso Nacional, em março passado, prevê que os gastos anuais serão limitados em percentual do PIB. Os percentuais do PIB para as despesas seriam fixados no Plano Anual (PPA) para o período de quatro anos. Todo ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) definiria o valor nominal para as despesas do ano seguinte, tendo em vista o limite em percentual do PIB.

Pela proposta de Barbosa, as despesas cresceriam em termos reais, se o PIB também crescesse. Mas não seriam reduzidas necessariamente em termos reais, se a economia estivesse em expansão menor do que 1% ao ano, pois o ex-ministro da Fazenda também propôs o Regime Especial de Contingenciamento (REC), que permitiria ao governo, em períodos de baixo crescimento, preservar do contingenciamento despesas consideradas essenciais como os investimentos do Programa de Aceleração Crescimento (PAC) em fase de finalização, os gastos com saúde, educação e segurança.

Embora ainda não se conheça os detalhes do "nominalismo", as despesas pelo novo sistema poderão até aumentar em proporção do PIB, se a economia estiver em recessão. Se a economia estiver em expansão, no entanto, os gastos cairão em proporção do PIB, pois não poderão ter aumentos reais.

O desafio que o ministro da Fazenda se colocou é de grande magnitude. Um recente estudo feito pelos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que desde o início

do regime de metas para a inflação, adotado a partir de 1999, em apenas três anos as despesas não tiveram aumento real: 1999, 2003 e 2015, se neste último ano forem excluídos os pagamentos realizado pelo Tesouro Nacional dos passivos acumulados por causa das chamadas "pedaladas fiscais". Nesses três anos, as despesas caíram 3%, em termos reais, coincidentemente.

A interrogação que fica é se o presidente interino Michel Temer terá força política suficiente para tomar as medidas necessárias para evitar o aumento real das despesas. Elas poderão envolver a não concessão de aumento real para o funcionalismo público nos próximos anos, não concessão de aumento real para o salário mínimo, revisão das regras de benefícios sociais, como seguro-desemprego, abono salarial e benefícios assistenciais.

Nas entrevistas, Meirelles anunciou que o governo proporá a reforma da Previdência Social, com a fixação de uma idade mínima para requerer aposentadorias. Essa medida, embora essencial para o controle das despesas públicas, não reduzirá os gastos no curto prazo. O novo ministro da Fazenda anunciou também que vai reduzir as despesas com subsídios e a perda de receitas com as desonerações tributárias.

Para equilibrar as contas públicas, Meirelles não descartou a aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). "Preferencialmente não deveria ter aumento de imposto, pois a carga tributária já é muito elevada", disse. "No entanto, temos outra prioridade que é o equilíbrio das contas públicas. Então, tem que se analisar se é necessário um imposto temporário, de um prazo determinado", afirmou.

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