Valor econômico, v. 17, n. 4005, 16/05/2016. Política, p. A8

Guinada à direita marca ascensão do PMDB

Por: Raymundo Costa

 

Abrigo das esquerdas no regime militar, pendular na redemocratização, o PMDB fez uma curva à direita. Uma virada patrocinada pela cúpula que não traduz necessariamente o pensamento médio das bases do partido. No entanto, chega pela segunda vez ao Palácio do Planalto, nesses 30 anos desde a saída dos militares do governo, mais unido que da primeira, em 1985, quando José Sarney subiu a rampa no lugar do presidente eleito Tancredo Neves, impedido de assumir, depois de fazer uma cirurgia na véspera da posse.

Michel Temer é o segundo vice do PMDB a assumir nesses pouco mais de 30 anos. Sarney foi o primeiro. Em seis eleições diretas para presidente da República, desde então, o partido disputou duas como cabeça de chapa. Teve um desempenho pífio. Sarney nem era do PMDB. Era o presidente do partido que dava sustentação ao regime, o PDS, legítimo sucessor da Arena. Entrou na chapa de Tancredo como representante de um racha no PDS. No Planalto, governou à sombra de um gigante: Ulysses Guimarães (1916-1992), o sr. diretas e um dos artífices da transição democrática.

Temer não tem um Ulysses às costas. Desde a fracassada candidatura de Orestes Quércia a presidente, em 1994, o partido não tem uma figura nacional capaz de unificar suas poderosas seções regionais em torno de uma candidatura presidencial. Na prática, se há um candidato, este é Michel Temer, há 15 anos no comando do partido, que acaba de ser reconduzido mais uma vez ao cargo, sem disputa, mas cuja condução exigiu muita habilidade de composição. A reeleição de Michel se deu num momento em que a presidente Dilma Rousseff manobrava abertamente para derrotá-lo.

O instrumento da articulação palaciana era o presidente do Senado, Renan Calheiros, antigo adversário de Temer e um dos aliados da presidente no Congresso. No início do ano, Temer primeiro negociou a paz com o PMDB do Rio de Janeiro, também aliado de Dilma, em um jantar em São Paulo que reuniu o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, o ex-governador Sérgio Cabral e prefeito Eduardo Paes. Em viagem ao Sul do país, Temer fechou o apoio das tradicionais seções do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. A adesão de Roberto Requião (PMDB-PR), que já foi aliado dos governos do PT, deu a Temer a sensação de que mais uma vez conseguiria conciliar o PMDB à sua volta.

Certeza, mesmo, só quando o senador Romero Jucá, hoje poderoso ministro do Planejamento, telefonou e avisou: "Estou fechado". Jucá era o nome com o qual contava Renan Calheiros para enfrentar Michel Temer na convenção do partido, realizada em março último. Jucá desde o ano passado mediava a relação de Temer com as classes empresariais que, mais tarde, iriam aderir ao impeachment da presidente. Não restou outra alternativa à dissidência a não ser aderir também ao discurso da unidade partidária. Temer foi eleito sem disputa pela sexta vez seguida.

Contribuiu para a eleição de Temer o trabalho do grupo que frequenta o Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, hoje todo ele no ministério ou em funções de destaque no governo. Entre eles Eliseu Padilha, atual chefe da Casa Civil, que idealizou a "Caravana da Unidade", no fim do ano passado, o ex-governador do Rio Moreira Franco, cuja missão é deslanchar as privatizações, Geddel Vieira Lima, que assumiu a Secretaria Geral de Governo, e o próprio Jucá. Foi esse grupo também que avaliou a necessidade de o PMDB virar em direção a uma aliança à direita, após 15 anos com o PT.

Segundo integrantes do grupo do Jaburu, o ideólogo da virada foi Moreira Franco. Ele desenvolveu o discurso segundo o qual os governos de esquerda da América Latina comprometeram a tal ponto as contas públicas, que chegaram a um ponto de esgotamento. Aconteceu na Venezuela e na Argentina antes de Maurício Macri, para citar apenas dois. Para Moreira, havia um reposicionamento da sociedade, a "cantilena" do social pelo social já não encantava mais. O PMDB deveria marcar território. E isso aconteceu num documento chamado "Ponte Para o Futuro", ao fim e ao cabo um texto para o partido "dialogar com o mercado", como diz um dos responsáveis pela curva à direita.

O documento servia como programa de governo, para eventual candidatura em 2018, mas também - e sobretudo - como a carta ao mercado que objetivamente era, com o fim de reduzir áreas de atrito e atrair o apoio do PIB para o impeachment. Funcionou. O discurso liberalizante permeou o discurso de posse do presidente interino, Michel Temer, que chegou a defender um Estado mínimo que cuide apenas de segurança, saúde e educação. Mas não reflete a média da sigla.

Temer se mantém no comando do PMDB há 15 anos justamente por saber o ponto certo para juntar suas seções estaduais, hoje carentes de caciques com peso e influência nacional. Os caciques remanescentes são Renan Calheiros, que controla o PMDB de Alagoas, Jader Barbalho, no Pará, Eunício Oliveira, no Ceará, e André Puccinelli, em Mato Grosso do Sul, entre outros menoscotados. Sarney é uma liderança decadente. Na Presidência da República, Michel Temer tem a chance de se tornar o cacique maior de uma federação de partidos que se orgulha de ser uma federação e não ter "um dono".

Senadores relacionados:

  • Eunício Oliveira
  • Jader Barbalho
  • Renan Calheiros
  • Roberto Requião
  • Romero Jucá

Órgãos relacionados:

  • Congresso Nacional
  • Senado Federal
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