Valor econômico, v. 17, n. 4005, 16/05/2016. Internacional, p. A11

Samper mantém críticas a governo Temer

Alvo de dura nota do Itamaraty, secretário-geral refere-se a Serra como "chanceler interino" a auxiliares

Por: Fabio Murakawa

 

O secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, está disposto a manter uma postura crítica e de questionamento público à legitimidade do governo Temer, segundo apurou o Valorjunto a fontes da entidade sediada em Quito.

Samper, que é ex-presidente da Colômbia, foi alvo de uma das primeiras manifestações do Itamaraty sob a gestão do tucano José Serra, na sexta-feira passada. Sua reação, segundo fontes, ao tomar conhecimento da nota foi dizer: "Não tem por que um ex-presidente e secretário-geral da Unasul responder a um chanceler interino".

Na nota, o Ministério das Relações Exteriores repudia recentes declarações de Samper a respeito do impeachment da agora presidente afastada Dilma Rousseff. Essas declarações, disse o documento, "qualificam de maneira equivocada o funcionamento das instituições democráticas do Estado brasileiro".

"Tais juízos e interpretações do Secretário-Geral são incompatíveis com as funções que exerce e com o mandato que recebeu do conjunto de países sul-americanos nos termos do Tratado Constitutivo e do Regulamento Geral da Unasul", disse a nota, a segunda produzida pelo Itamaraty sob nova direção - a primeira, também com data da sexta-feira, tecia críticas à manifestações dos "países bolivarianos" (Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua) sobre a situação interna do Brasil.

Sem nenhum vínculo histórico com a esquerda em seu país, Samper está hoje à frente de uma entidade costurada pelos ex-presidentes esquerdistas Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina). Seu mandato se encerra neste ano.

Há muito, ele vem se mostrando avesso ao impeachment. Em outubro, em visita a Brasília, disse ao Valorque a entidade poderia acionar sua cláusula democrática caso Dilma fosse impedida. Na semana passada, reafirmou essa possibilidade, ao opinar que o impeachment, se confirmado, representará uma "ruptura democrática".

Em outro comentário interno, a respeito das notas, Samper chegou a dizer a pessoas próximas: "Fizeram o impeachment da presidente do Brasil, agora querem o impeachment do secretário-geral da Unasul". Ele também lembrou, segundo fontes, que foi eleito por unanimidade pelos 12 países do bloco, "assim como Dilma foi eleita com 54 milhões de votos".

Segundo fontes, Samper acredita que, na qualidade de secretário-geral, está livre para denunciar "quando crê que há algum risco de ruptura institucional na região".

No Itamaraty, a sensação é de incerteza quanto ao grau de agressividade com que Serra agirá em relação aos bolivarianos. É certo que o tom das notas da sexta-feira foge do padrão adotado tanto nos governos Lula e Dilma como durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Mas também é verdade que os documentos respondem a manifestações hostis de Samper e dos governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua com relação ao governo Temer.

Diplomatas ouvidos pelo Valoravaliam que, embora não possa ser considerado um "radical", Serra tende a adotar um protagonismo maior à frente do Itamaraty do que seus antecessores.

"Ele é um político, ele é do PSDB, logo não é muito simpático à Venezuela", afirmou uma fonte. "E ele também tem uma conta no Facebook. Nós nunca tivemos um ministro que se manifestasse sobre seu trabalho por meio de sua conta pessoal", afirmou.

Na sexta e no sábado, Serra postou em sua conta no Facebook repercussões positivas na mídia às notas contra do Itamaraty, além de fotos em que aparece em reuniões de trabalho no ministério. "Reuniões de sábado também não existiam", lembra outra fonte.

Apesar disso, quase ninguém no ministério sentirá muitas saudades do governo Dilma, que, afirmam diplomatas, "tinha absoluto desprezo pela política externa" e deixou o Ministério das Relações Exteriores praticamente sem recursos. Além de restrições até mesmo para viajar, os diplomatas reclamam de constrangimentos causados por atrasos nos pagamentos do Brasil a organismos multilaterais.

Senadores relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Maduro joga para público interno; Cuba vê golpe

Por: Fabio Murakawa / Assis Moreira

 

As duras notas do Itamaraty a respeito da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e dos ditos países bolivarianos, as primeiras sob a gestão de José Serra, provocaram frisson na Venezuela - cujo presidente, Nicolás Maduro, também está na mira da oposição para ser afastado do cargo.

No sábado, Maduro anunciou que estava chamando de volta a Caracas seu embaixador em Brasília "para avaliando esta dolorosa página da história do Brasil", em referência ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Foi uma jogada totalmente injusta contra uma mulher que foi a primeira presidente que o Brasil teve", disse Maduro, em cadeia nacional.

No fim de semana, a chancelaria cubana comunicou-se com a embaixada brasileira para afirmar que não estava chamando seu embaixador para consultas, o que representaria em uma escalada na tensão entre os dois países.

Maduro também decretou estado de exceção e ameaçou tomar fábricas prender empresários que tenham paralisado sua produção, em meio a uma grave crise econômica acompanhada de inflação de três dígitos e escassez de produtos básicos, como comida e remédios.

Os gestos foram vistos em Brasília como recados de Maduro ao público interno. Maduro tem usado o controle que exerce sobre o Judiciário e o Poder Eleitoral do país para postergar o processo de realização de um referendo para revogar seu mandato, impulsionado pela Assembleia Nacional (AN), controlada pela oposição.

Mas agora, com aliados fora dos governos de Brasil e Argentina, terá que conviver com um isolamento internacional inédito.

Também alvo de nota do Itamaraty, o governo de Cuba mantem-se ativo na propagação de sua posição no exterior. Altos funcionários de organizações internacionais, secretarias de convenções da ONU e jornalistas internacionais sediados em Genebra receberam mensagem por email da missão diplomática de Cuba denunciando o que Havana chama de "golpe de Estado parlamentar-judiciário no Brasil" contra Dilma Rousseff.

O texto repete acusações contra o que vê como complô da "oligarquia e da grande imprensa" para derrubar o projeto político do PT. Na sexta, o Itamaraty acusou os governos de Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua de estar "propagando falsidades" sobre o processo político interno do Brasil.

A mobilização cubana pela Internet é ampliada, na medida em que alguns que receberam a mensagem a repassam a outros, alimentando a percepção de Havana sobre o que se passa no Brasil. (Fabio Murakawa e Assis Moreira)

Senadores relacionados: