Valor econômico, v. 17, n. 4004, 13/05/2016. Política, p. A8

Temer terá caminho livre para remodelar agências

Até o fim de 2018, 36 dos 47 diretores poderão ser trocados

Por: Daniel Rittner/ Murillo Camarotto / Rafael Bitencourt

 

O presidente interino Michel Temer terá caminho aberto para uma renovação quase total das agências reguladoras em seus prováveis dois anos e sete meses de mandato. Até o fim de 2018, conforme levantamento feito pelo Valor, o novo governo poderá indicar 36 dos 47 cargos de diretores. À exceção da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que teve sua composição recém-alterada, todas as demais autarquias terão suas chefias trocadas.

Paradoxalmente, no entanto, o espaço de manobra será reduzido durante a interinidade de Temer no Palácio do Planalto. Só nove cargos de diretores estão ou vão ficar disponíveis - incluindo os comandos da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) - nos 180 dias iniciais do novo presidente.

Boa parte das vagas está hoje nas mãos de indicados pelo PT. É o caso dos presidentes da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, que fez críticas estridentes à gestão tucana no auge da crise hídrica em São Paulo, e da Anatel, João Rezende, ligado ao ex-ministro petista Paulo Bernardo. Ambos têm mandato até 2018. O presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Manoel Rangel, poderá sair antes disso. Indicado pelo PCdoB, ele tem mandato até maio de 2017.

Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, Temer terá à sua disposição a nomeação de um diretor em novembro. O novo integrante poderá ser indicado, no mês seguinte, à presidência do órgão - o sistema de escolha, na Anatel, é desvinculada da escolha de nomes para a diretoria.

Não é nem mesmo o perfil dos dirigentes a questão que mais incomoda o empresariado. Apesar de suas vinculações partidárias, muitos já tinham construído uma trajetória em seus setores e demonstram familiaridade com assuntos técnicas das autarquias.

O presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), Venilton Tadini, destaca outro aspecto: o enfraquecimento das agências nos últimos anos está mais relacionado à escassez de pessoal e aos cortes orçamentários que sofreram. As áreas técnicas, segundo ele, carecem de estrutura suficiente para trabalhar.

Não faltam exemplos do alerta de Tadini. Criada em 2006, a Anac preencheu só 1.167 dos 1.755 cargos de servidores efetivos previstos na legislação. No ano passado, a autarquia pediu ao Ministério do Planejamento um reforço de 534 especialistas, técnicos e analistas. Foi autorizada a realização de concurso para menos de um terço do pedido. Não há garantia de posse dos futuros aprovados.

Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma das mais blindadas contra indicações políticas na era petista, o problema de caixa ganha destaque no relatório de gestão de 2015. "Ao longo dos últimos anos, as restrições orçamentárias e financeiras têm impactado a efetividade da atuação da Aneel, sobretudo pela sua reincidência, que acaba por comprometer a necessária liberdade para se conciliar a dinâmica de planejamento e as realizações da agência", diz trecho do relatório.

O ápice da crise na Aneel ocorreu na semana passada, quando os serviços de teleatendimento ao consumidor foram suspensos por falta de recursos. A situação chegou a esse ponto, segundo a agência, porque o orçamento de custeio para 2016 foi reduzido a R$ 44 milhões. O governo havia autorizado apenas metade dos R$ 200 milhões solicitados, mas essa disponibilidade caiu com os seguidos decretos de contingenciamento. Curiosamente, a taxa de fiscalização paga por todos os consumidores de energia nas contas de luz deve arrecadar R$ 489 milhões neste ano - o grosso ajuda a conter o déficit fiscal.

Um projeto enviado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, em 2004, uniformizava as leis das agências reguladoras e atacava os principais pontos sensíveis em torno do assunto. O PL 3337/04 envolvia questões como mecanismos de transparência, vacância das diretorias e a melhor caracterização da autonomia dos órgãos.

"É verdade que faltava consenso, mas até que estávamos indo bem no governo Lula", recorda o deputado licenciado Ricardo Barros (PP-PR), que escolhido como novo ministro da Saúde. Ele foi um dos relatores do projeto de lei. "Pena que Dilma não levou mais a sério", acrescenta Barros.

Em 2013, após nove anos de vaivém do PL na Câmara dos Deputados, a presidente afastada decidiu retirá-lo de tramitação e não abordou mais o tema. Agora, o grupo próximo de Temer promete enviar uma nova proposta para reforçar a independência das agências e buscar a confiança dos investidores. Barros, que concorda com as críticas de que teria havido enfraquecimento das agências nos últimos anos, vê essa promessa com ressalvas. "Há uma janela para retomar o projeto, mas não acredita que será a prioridade número um", afirma.

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