Valor econômico, v. 17, n. 4004, 13/05/2016. Política, p. A10

Impeachment não está consolidado

Senadores da nova base governista pensam que Temer terá que negociar para garantir os 54 votos

Por: Vandson Lima, Thiago Resende, Cristiane Agostine e Fernando Torres

 

Já passava da meia-noite quando Omar Aziz (PSD-AM), 44º senador inscrito para falar na sessão que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, subiu à tribuna. A seu estilo, direto e algo brusco, Aziz logo ganhou a atenção dos presentes - e do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL) - ao levar ao microfone um assunto de bastidor: as possíveis "chantagens" às quais o presidente interino, Michel Temer, estará exposto a partir de agora, principalmente no trato com os ocupantes do Salão Azul.

"Confio muito que o presidente Michel Temer possa denunciar o político ou os partidos que o estejam chantageando. Para manter mais do que os 54 votos, muita gente vai achar que o seu voto é valioso", disparou.

O Senado decidiu pelo afastamento de Dilma por 55 votos favoráveis a 22 contrários. O placar supera o mínimo de 54 senadores que serão necessários para cassar o mandato da presidente por crime de responsabilidade, ao fim do processo. E por conveniência ou convicção, não faltaram parlamentares que deixassem o recado: haviam formado juízo apenas sobre a existência de indícios para a abertura do processo formal, mas não com certeza da condenação. Ou seja, podem mudar de ideia, devolvendo o cargo a Dilma.

No cálculo dos governistas, o desafio não é necessariamente alcançar 28 votos no julgamento final, mas evitar que Temer mantenha 54 apoios (2/3). A negociação com o Senado, casa que abriga muitos ex-governadores e lideranças políticas de seus Estados, será ponto sensível na viabilização do governo Temer.

Reunido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até horas antes da sessão, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) fez questão de frisar, em seu curto discurso (menos de 5 minutos) feito às 5h40, que vinha "à tribuna, nesta feita, sem qualquer prazer. Eu não vim aqui para tripudiar sobre uma gladiadora ferida", falou, referindo-se a Dilma. "O voto que darei não é pelo impeachment e não significará a antecipação do meu julgamento".

Outro caso foi o de Cristovam Buarque (PPS-DF). Embora tenha feito duras críticas ao PT, seu antigo partido, ele disse que deixaria em aberto a decisão final, dizendo que quer ter segurança de que saberá explicar para o povo qual foi o crime cometido. "Porque se não formos capazes disso [de explicar], de nenhuma maneira será golpe, porque está na Constituição. Mas se não explicarmos bem, vai ter 'cheirinho' de golpe, e isso não é bom".

Em um indicativo da proximidade com a mandatária afastada, os senadores Benedito de Lira (PP-AL) e Marcelo Crivella (PRB-RJ) se referiram a Dilma como presidenta, com "A", ao explicar a decisão na tribuna. Mas se os partidos destes estão totalmente fechados com Temer, outros casos são mais sensíveis. Do PDT, por exemplo, o senador Acir Gurgacz (RO) votou pelo prosseguimento, mas era aliado do governo até há pouco, deu parecer na Comissão de Orçamento pela aprovação das contas da presidente em 2014 -das pedaladas fiscais originais - e seu partido é contra o impeachment.

No PR, contemplado com um vitaminado Ministério dos Transportes com Temer, os três senadores votaram pela admissibilidade do processo. Mas dois deles - Wellington Fagundes (MT) e Vicentinho Alves (TO), primeiro-secretário do Senado e a quem coube entregar a notificação de afastamento a Dilma - votavam com o governo. Uma mudança de rumos do partido e Temer poderia ficar sem os dois votos, indo a 53 apoios, número insuficiente para a cassação.

Ao mesmo tempo em que existem esses votos não totalmente firmes e seguros pela condenação final da presidente, há também o contrário. O piauiense Elmano Férrer (PTB), por exemplo, votou contra, mas havia declarado aos jornais que era a favor da abertura do processo - o único nessa situação, diga-se. Valeu neste caso a influência de Armando Monteiro (PTB-PE), que deixou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) antecipadamente para participar da votação.

Os senadores do PMDB Eduardo Braga (AM), que acaba deixar o Ministério de Minas e Energia, e Jader Barbalho (PA), que tinha o filho Hélder Barbalho no comando da pasta de Portos, tinham tendência para votar contra, mas se ausentaram da sessão. Renan, segundo aliados, atuou junto a Temer para contemplá-los na formação ministerial. Conseguiu a pasta da Integração Nacional para Hélder.

Outro voto não contabilizado ontem por ausência é o de Pedro Chaves (PSC-MS), que assumirá a vaga no lugar de Delcídio Amaral (MS), cassado na véspera.

Questões locais também podem pesar. Dos 27 entes da federação, Dilma fez maioria no Senado apenas em seis Estados: Amapá, Bahia, Pernambuco, Piauí, Paraná e Roraima. Só conseguiu os três apoios pelo arquivamento da denúncia na Bahia, do governador Rui Costa (PT) e do ex-ministro Jaques Wagner. Na Câmara, a petista só obteve maioria dos votos em três Estados (Bahia, Amapá e Ceará).

Humberto Costa (PT-PE), que ocupava a liderança do governo, disse até o julgamento final da petista, Temer terá que enfrentar as dificuldades da crise econômica, cumprir o que prometeu e pode ser surpreendido pelo avanço da Operação Lava-Jato, que também investiga corrupção no PMDB.

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