Valor econômico, v. 17, n. 4004, 13/05/2016. Política, p. A11

Dilma trabalha para tentar reverter impeachment

Em discurso, presidente reforçou ideia de que é vítima de um "golpe" e garantiu que lutará até o fim

Por: Lucas Marchesini/ Fábio Pupo/Letícia Casado/Andrea Jubé

 

Em seu último ato antes de deixar o Palácio do Planalto, a presidente afastada Dilma Rousseff reforçou a ideia de que é vítima de um "golpe" e garantiu que lutará até o fim por seu mandato.

Após a solenidade, reuniu-se com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os principais ex-ministros no Palácio da Alvorada, onde vai morar e de onde vai articular, com auxiliares e aliados, a estratégia para tentar reverter o impeachment no julgamento final. Hoje,viaja para Porto Alegre.

Dilma ficou emocionada depois de discursar para cerca de 4 mil militantes em frente ao Planalto. A presidente afastada e Lula vão viajar o país e participar de atos públicos para "denunciar o golpe", defender as realizações de seu governo e tentar reverter o impeachment.

Visivelmente abatido, Lula deve permanecer alinhado na defesa da presidente. Na próxima segunda-feira, ele participa de reunião do Diretório Nacional do PT em Brasília, quando o partido vai traçar uma estratégia de ação e definir o tipo de oposição que fará ao governo do presidente interino Michel Temer.

"Eu já sofri a dor indizível da tortura; a dor aflitiva da doença; e agora eu sofro mais uma vez a dor igualmente inominável da injustiça", disse a presidente em seu pronunciamento.

"O que mais dói, neste momento, é a injustiça. O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política", acrescentou.

Nos últimos dias, o governo se concentrou no passo a passo da saída de Dilma do Planalto. A intenção dos auxiliares era ganhar a "disputa pela narrativa". A estratégia foi justamente mostrar à população o sentimento dos petistas de que a presidente afastada é uma vítima.

Com isso, o partido espera contribuir para que cresça entre a população a visão de que o impeachment é golpe.

Depois do discurso, a presidente saiu do Palácio do Planalto pelo térreo - e não pela rampa, como chegou a ser planejado - e se encontrou com quatro mil manifestantes que a esperavam do lado de fora, na Praça dos Três Poderes.

O número de militantes frustrou a expectativa da ala governista, já que - até quarta-feira - eram esperadas de 10 mil a 15 mil pessoas para o ato. Isso não impediu, no entanto, de serem registradas agressões a profissionais da imprensa.

Após discursar para a multidão (por meio de um sistema de som montado em frente ao Planalto), Dilma seguiu a pé por um trajeto de aproximadamente 50 metros antes de entrar em um carro e seguir para o Palácio da Alvorada - onde passou o dia.

A estratégia definida para a partida tentou emplacar em Dilma a imagem de "injustiçada". Para ela, o processo de impeachment é "frágil, juridicamente inconsistente, um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente".

"Não cometi crime de responsabilidade, não há razão para um processo de impeachment. Não tenho contas no exterior, nunca recebi propinas, jamais compactuei com a corrupção", reiterou.

Diante disso, Dilma garantiu que lutará até o fim porque "a democracia é o lado certo da história". "A luta contra o golpe é longa. É uma luta que pode ser vencida e nós vamos vencer. Jamais vamos desistir, jamais vou desistir de lutar", continuou.

"O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos", afirmou um pouco antes.

A presidente também atacou o presidente interino Michel Temer. "O maior risco para o país nesse momento é ser dirigido por um governo dos sem-voto, um governo que não foi eleito pelo voto direto da população brasileira", apontou.

De acordo com Dilma, por nascer de uma "eleição indireta", a gestão Temer será ela própria "a grande razão para a continuidade da crise política em nosso país". "Um governo que não terá a legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do Brasil. Um governo que pode ser ver tentado a reprimir os que protestam contra ele", prosseguiu.

A presidente afastada também lembrou que não conseguiu governar desde que assumiu o seu segundo mandato devido à atuação da oposição, que ela classificou em outros momentos de "quanto pior, melhor". "Desde que fui eleita, parte da oposição, inconformada, pediu recontagem de votos, tentou anular as eleições e depois passou a conspirar abertamente pelo meuimpeachment. Mergulharam o País em um estado permanente de instabilidade política, impedindo a recuperação da economia com um único objetivo: de tomar à força o que não conquistaram nas urnas", recapitulou.

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PT e Lula temem ficar isolados no cenário político

Por: Cristiane Agostine

 

Desgastado com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva temem ficar isolados no cenário político e perder apoio até mesmo dos movimentos sociais. Lula voltou a articular, com muita intensidade, a criação de uma frente ampla de esquerda, com apoio dos movimentos sociais já reunidos em duas grandes frentes, a Brasil Popular e Povo Sem Medo, além de juristas, intelectuais, artistas e partidos de esquerda. O ex-presidente ainda é o mais cotado para disputar em 2018, mas diante da ofensiva judicial contra Lula, já ganha corpo outras candidaturas para representar a frente, não necessariamente do PT.

Na quarta-feira, durante a sessão que analisou a admissibilidade do impeachment, o ex-presidente passou boa parte da tarde reunido com líderes da CUT, MST e CTB, além de outros movimentos populares, para buscar apoio e tentar construir unidade durante o governo Michel Temer (PMDB). Ficou estabelecido que Lula vai voltar a viajar pelo país, mas em atos dos grupos populares.

Para o ex-presidente, se o PT não fizer esse movimento de volta às origens e retomar o apoio das bases sociais, perderá a relevância. "O partido entendeu que não pode mais agir sozinho nem pode ser o condutor da luta", afirmou o ex-ministro Gilberto Carvalho, braço direito do ex-presidente. Nos debates com os movimentos populares, discute-se inclusive uma fusão das entidadesnessa frente, com vistas à eleição de 2018.

A estratégia será debatida na segunda e na terça-feira em Brasília, em reunião da executiva nacional e do diretório do PT - esta deve contar com a presença de Lula. O ex-presidente se reunirá também na próxima semana com o comando das frentes populares.

Apesar do discurso de resistência e de não reconhecimento ao governo do PMDB, o comando do PT avalia que o presidente interino Michel Temer poderá, sim, fazer um bom governo nesse início de gestão, sobretudo durante os 180 dias em que o impeachment deve ser votado no Senado. O pemedebista terá apoio do empresariado e da imprensa, dizem petistas, e a economia poderá voltar a crescer. Com isso, a mobilização nas ruas tende a perder força e a população poderá esquecer do "golpe" contra a petista.

Lula estuda incluir Dilma em viagens que fará pelo país para defender seu legado e também o PT. Para dirigentes petistas, é importante manter viva a simbologia do "golpe" tanto no país quanto no exterior, sobretudo nos próximos seis meses, quando o Senado deverá julgar o impeachment. A análise corrente no partido é que é muito difícil, quase impossível, Dilma voltar ao cargo, mas que a presidente precisa consolidar a ideia de que foi vítima.

Nesse período, PT e as entidades populares mostrarão Dilma como se fosse uma nova candidata à Presidência, com um novo programa de governo na área econômica. No entanto, lideranças do partido dizem que a presidente afastada ainda precisará construir essa ponte com os movimentos sociais, ou ficará isolada em sua defesa.

Dilma ficará encarregada de sua própria imagem e de comandar a equipe jurídica que a defenderá.

Mesmo diante de sua pior fase, o PT resiste em fazer a auto-crítica neste momento e promover mudanças estruturais, como a "refundação" defendida pelo ex-ministro Tarso Genro. A direção da sigla deve assumir que errou na campanha presidencial de 2014 e afirmar que deveria ter sido mais clara e

honesta com a população, de que seria necessário um ajuste fiscal para que os avanços sociais não fossem perdidos. No entanto, o reconhecimento dos erros não deve avançar muito além disso.

As alianças com o PMDB e partidos que "traíram" Dilma na votação do impeachment serão mantidas já nesta eleição. Para o coordenador da maior corrente do PT, Francisco Rocha da Silva, o Rochinha, não haverá rompimento do PT com o PMDB. "Essa é uma discussão que tem que ser feita com prudência e tranquilidade. Não podemos entrar em desespero ou radicalismo exagerado."

Na mesma linha, no Congresso a oposição ao PMDB não será incendiária, como já tem dito o então líder do governo Dilma no Senado, Humberto Costa (PE).

Há um forte descontentamento, no entanto, dentro do partido com a falta de mudanças mesmo depois de graves crises, como o "mensalão", o "petrolão" e agora o impeachment. A estrutura do PT está engessada e o comando da sigla está enfraquecido, reclamam petistas de diferentes correntes internas. O mandato do presidente nacional do PT, Rui Falcão, só termina no fim de 2017 e o dirigente já avisou que não deixará o cargo antes do fim de seu mandato.

O grupo mais ligado a Lula deve promover mudanças na Executiva e colocar nomes de expressão nacional, como ex-ministros. Ricardo Berzoini e Marco Aurélio Garcia são cotados, assim como Jaques Wagner.

O PT está fragilizado como nunca esteve e a análise no partido é que a "perseguição política" só vai aumentar. Os ataques virão de duas frentes, dizem: uma será para tentar inviabilizar a candidatura de Lula em 2018. O partido teme tentativas de prisão do ex-presidente ou de transformá-lo em réu. Nesse caso, o nome cotado dentro do PT para substitui-lo em 2018 é o de Jaques Wagner.

A outra frente de perseguição, dizem petistas, será pela tentativa de sufocamento financeiro. O PT enfrenta processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por irregularidades na prestação de contas, ainda por suspeitas envolvendo o pagamento ao Banco Rural, do mensalão. O partido diz que com o ministro Gilmar Mendes na presidência do TSE, o risco de corte de recursos do Fundo Partidário e de pagamento de multa pela legenda será maior.

Fora do governo federal, o partido vai perder parte do "dízimo" que recebia com o pagamento de parte do salário de ministros e cargos comissionados. O PT diz que precisará fazer um choque de gestão e cortar muitos gastos, já que a perspectiva de doações para a legenda não é positiva. Recentemente, já reduziu e sua estrutura em Brasília e devolveu um andar e meio do prédio onde a sede está localizada.

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Petista terá direito a assessores e viagens

Por: Andrea Jubé/Lucas Marchesini /Letícia Casado

 

Enquanto aguarda o julgamento final do processo de impeachment no Senado, a presidente afastada Dilma Rousseff terá direito a algumas prerrogativas do cargo. Dilma poderá residir e despachar com auxiliares no Palácio da Alvorada, terá direito a segurança pessoal, assistência médica, transporte terrestre, poderá requisitar um dos aviões presidenciais e manterá uma equipe de assessores.

A expectativa é que o julgamento de mérito sobre o crime de responsabilidade ocorra no início de setembro. Isso porque o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que comandará a sessão de julgamento do Senado, aposenta-se em setembro. E Lewandowski sinalizou ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que gostaria de presidir a sessão. Do contrário, a incumbência ficará com a sucessora de Lewandowski, ministra Cármen Lúcia.

As prerrogativas de Dilma constam do mandado de intimação da admissibilidade do processo de impeachment no Senado, que o vice-presidente da Casa, senador Jorge Viana (PT-AC), entregou ontem a Dilma. O uso do avião era um dos itens principais, porque Dilma pretende viajar o país para participar de atos públicos, promovidos pelo PT e por movimentos sociais, contra o impeachment.

Ontem o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que após consulta à Comissão de Ética da Presidência da República obteve permissão "específica" para atuar, durante a sua quarentena, exclusivamente na defesa de Dilma no impeachment. Sem essa autorização, Cardozo não poderia continuar defendendo Dilma, porque tem que se afastar por seis meses do exercício da advocacia, por causa do cargo público. "Tem uma quarentena, mas que no caso específico do impeachment, a comissão entendeu que não haveria nenhum conflito para continuar [na defesa]", explicou. Ele vai comandar a equipe de advogados de Dilma, que manterá Flávio Caetano à frente das ações eleitorais no Tribunal Superior Eleitoral.

Entre os 15 auxiliares que assistirão à presidente afastada no Palácio da Alvorada está o ex-assessor especial da Presidência Giles Azevedo, que atuava na articulação política junto com o ex-ministro Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e acompanha a presidente há mais de 20 anos. Giles será o secretário-executivo do Gabinete Pessoal da Presidente, segundo edição de ontem do Diário Oficial. O ex-secretário de Imprensa da Presidência Olímpio Cruz também vai compor a equipe da presidente afastada.

Senadores relacionados:

  • Jorge Viana
  • Renan Calheiros

Órgãos relacionados:

  • Senado Federal