Valor econômico, v. 17, n. 4004, 13/05/2016. Especial, p. A16

Argentina espera que Temer freie a crise

Casa Rosada torce por uma recuperação que ajude a impulsionar a economia do país vizinho

Por: Marli Olmos

 

Os argentinos estão na torcida para que a nova equipe do governo brasileiro consiga manter a taxa de câmbio nos níveis atuais e dê algum sinal, por menor que seja, de que o Produto Interno Bruto (PIB) vai parar de se contrair a partir do próximo ano. Para o setor produtivo argentino, essas variáveis do vizinho são tão importantes quanto as do seu próprio país. Delas dependem a competitividade e grande parte da atividade na Argentina.

Cada ponto de contração no PIB brasileiro golpeia a atividade econômica do país vizinho, que destina ao mercado brasileiro 40% de sua exportação industrial. E se o real continuasse a se desvalorizar, as exportações argentinas perderiam cada vez mais.

Talvez por isso Diego Burzaco, economista-chefe da Inversor Global, consultoria de finanças sediada em Buenos Aires, se refira à ascensão do presidente interino, Michel Temer, como "um alívio provisório". A questão política do principal parceiro comercial da Argentina não está completamente resolvida, mas do lado econômico surgiram sinais preciosos.

A política cambial é um deles. "Quando o dólar chegou a R$ 4, surgiu um grande temor na Argentina, principalmente pelas perspectivas de que poderia chegar a até R$ 5 no fim do ano", afirma Burzaco. Os sinais da intenção do governo Temer de não deixar a cotação ir muito além dos R$ 3,50 tranquiliza os argentinos, principalmente porque não há no momento indicações de desvalorização do peso.

Embora o câmbio já esteja defasado, analistas consideram que as autoridades monetárias argentinas deverão continuar a intervir nos próximos meses para impedir a desvalorização da moeda e, assim, evitar mais pressão inflacionária.

Com a economia brasileira debilitada, a atividade argentina sofre em duas frentes, destaca Burzaco. De um lado, porque suas exportações, sobretudo de produtos manufaturados, diminuem por falta de compradores no outro lado da fronteira. De outro, a queda de demanda no Brasil tende a levar a indústria brasileira a pensar no mercado argentino como destino natural para o estoque que encalha.

O economista Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb, diz que, entre 2011 e 2015, o intercâmbio comercial entre os dois países caiu 42% -US$ 23 bilhões no ano passado. "A relação se deteriorou mais ainda nos últimos meses e a Argentina viu as importações crescerem", destaca. Nos quatro primeiros meses de 2016, o déficit bilateral triplicou em relação a igual período do ano passado, atingindo US$ 1,4 bilhão.

O governo argentino manteve posição de cautela em relação à crise política no Brasil mesmo depois da decisão do Senado pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo. "Desejamos que essa discussão política complexa se resolva da melhor maneira possível", disse o ministro-chefe de gabinete, Marcos Peña. "O Brasil é nosso vizinho, um país irmão e principal aliado estratégico nas questões política, econômica e cultural; tudo o que acontece lá tem uma transcendência importante para todos nós", destacou.

O Ministério das Relações Exteriores da Argentina divulgou uma nota pouco depois de concluída a votação no Senado, por meio da qual destacou que "respeita o processo institucional" no Brasil e "confia que o desenlace da situação consolide a democracia brasileira". Na nota, a chancelaria destacou, ainda, a intenção do governo argentino de continuar dialogando com as autoridades constituídas para continuar avançando com o processo de integração bilateral e regional.

Para Burzaco, no entanto, o governo de Temer terá pouco a avançar tanto no Mercosul quanto nas negociações do bloco sul-americano com a União Europeia. "O Brasil ainda passa por uma situação institucional delicada", afirma.

Já a escolha de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda foi bem recebida pelos analistas pela forte reputação que ele tem no mercado. "Trata-se de um profissional que consegue consenso e que parece ter claro os sacrifícios necessários para um ajuste inevitável", diz Burzaco.

Para Sica, a região espera que Temer consiga fazer com que a crise econômica chegue a um limite. "Seu maior desafio, agora, é conseguir apoio do Poder Legislativo", destaca. O economista afirma, ainda, que a maior expectativa se volta, agora, à sinalização de medidas que indiquem que haverá uma recuperação econômica brasileira em 2017.

A mudança na política do Brasil entusiasmou os argentinos e o assunto foi o principal tema mostrado pela imprensa durante todo o dia. Todos concordaram que não se pode esperar por uma rápida recuperação. Mas, diante de uma crise tão profunda um sinal de que as coisas podem melhorar já é um alento.

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