Valor econômico, v. 17, n. 3999, 06/05/2016. Política, p. A6

Afastamento de Cunha deflagra conflito em base de Temer na Câmara

Por: Raphael Di Cunto e Thiago Resende

 

O afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deixou o 1º vice-presidente da Casa Waldir Maranhão (PP-MA) no comando interino dos trabalhos e já provocou o primeiro conflito aberto entre os dois grupos da futura base do vice-presidente Michel Temer.

Enquanto a oposição ao PT - PSDB, DEM, PSB e PPS - cobra a realização de novas eleições, o "centrão" trabalha para manter o comando via 1ª vice-presidência. Os dois grupos só concordam em uma coisa: Maranhão, que é investigado na Lava-Jato e não conseguiu conduzir o plenário nas três vezes em que presidiu a sessão, não tem condições de tocar a Câmara.

"É um Severino Cavalcanti piorado", afirmou um líder, em referência ao deputado do PP do baixo clero que comandou a Câmara em 2005 e renunciou após o envolvimento em escândalos. O centrão, ligado a Cunha e formado por 200 deputados de PP, PR, PSD, PTB, PRB, SD e PSC, quer pressionar Maranhão a renunciar e eleger alguém com mais "pulso" para conduzir a Câmara, conforme antecipado pelo Valor PRO.

Cunha continuaria afastado, mas o grupo manteria sua influência. A dúvida é se só poderia concorrer a vaga de Maranhão um deputado do PP, que ficou com a 1ª vice, ou qualquer um do bloco - o que poderia levar à eleição dos líderes do PTB, Jovair Arantes (GO), e do PSC, André Moura (SE), e preparar a sucessão de Cunha em 2017, mas abriria espaço para o DEM.

No entendimento da Câmara, o afastamento de Cunha não é definitivo e, portanto, a presidência não está vaga para realizar novas eleições. A vacância ocorreria apenas com renúncia -descartada por ele-, morte ou perda do mandato. A oposição pretende uma saída política e inédita, recorrendo à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que esta declare vaga a presidência e, caso rejeitado o recurso, ingressará no STF.

"Tendo em vista que a decisão do STF pelo afastamento não fixou prazo para retorno e tampouco para a conclusão da ação penal, os partidos de oposição consideram vago o cargo de presidente da Câmara e exigem a imediata realização de novas eleições, para que se restabeleça a normalidade e seja retomada a atividade parlamentar na Casa", diz nota de PSDB, DEM, PPS e PSB. O grupo disputa espaço com o centrão pelo protagonismo no governo Temer - uma das brigas é pela liderança do governo.

O PT aposta nessa confusão para tumultuar o início do governo do PMDB e a aprovação da pauta emergencial do pemedebista. Arrisca até que, se pressionado, Maranhão pode usar da mesma arma de Cunha e ameaçar o presidente da República - no caso Temer - com a abertura do impeachment que Cunha segurou.

A base de Dilma saiu em defesa de Maranhão. "Quem blindou Eduardo Cunha e agora quer um acordão para que ele renuncie e preserve o mandato é a oposição. Vamos cumprir a decisão do Supremo e cassar o mandato dele no Conselho de Ética", disse o líder do PT, Afonso Florence (BA).

Maranhão já dá mostras também de que não topará renunciar e discutiu com parlamentares uma agenda para as próximas semanas. A deputados, prometeu reunir os líderes e trabalhar para "pacificar a Casa". Mas evitou a imprensa.

Com a decisão do STF, Cunha continua no mandato -e com foro privilegiado-, que só perderá por decisão do Conselho de Ética, onde construía maioria para aprovar uma pena mais branda. Relator do processo,

Marcos Rogério (DEM-RO) disse que o afastamento pode mudar a disputa no colegiado, com menos manobras regimentais, mas dificilmente algum voto irá se alterar. Ele pretende votar o parecer até 2 de junho.

Se o plenário confirmar a cassação até novembro ocorrerá eleição para a presidência. Neste caso, se desenham quatro forças com prováveis candidatos, embora essa configuração possa mudar ao longo do governo Temer: a oposição, o centrão, PT e o PMDB, cujo líder, Leonardo Picciani (RJ), tenta construir sua candidatura, apesar do isolamento do partido na Casa. (Colaborou Murillo Camarotto)

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Maranhão é famoso por mudar de lado

Por: Raphael Di Cunto e Thiago Resende

 

Notabilizado por mudar de lado várias vezes ao negociar seu voto no impeachment da presidente Dilma Rousseff, o primeiro vice-presidente da Câmara dos Deputados, agora presidente interino com o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Waldir Maranhão (PP-MA) não é conhecido em seu Estado pela constância das alianças.

Maranhão: substituto de Cunha responde a inquérito no Supremo relacionado com a Operação Lava-Jato

Médico veterinário por formação, Maranhão galgou postos na direção da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) até chegar à reitoria, apoiado pelo ex-presidente José Sarney (PMDB). Aproximou-se do governador José Reinaldo (PSB), que assumiu o cargo como aliado dos Sarney, mas que rompeu em seguida e lançou o ex-governador Jackson Lago (PDT).

Maranhão concorreu pela primeira vez a deputado federal, na época no PSB, e apoiou Lago no primeiro turno, mas imaginando que Roseana Sarney (PMDB) venceria, mudou de lado no segundo turno. A escolha, que o levou a se filiar ao PP, se mostrou errada por dois anos - até que Roseana tirou o mandato do pedetista no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nomeou Maranhão secretário de Ciência e Tecnologia do Estado.

Ele deixou o cargo em 2010 para concorrer à reeleição na Câmara e tentou indicar o sucessor na secretaria, mas sem sucesso. Insatisfeito, mudou de lado de novo em 2014 e apoiou o hoje governador Flávio Dino (PCdoB) contra o candidato dos Sarney. Em troca, indicou uma técnica do Banco do Brasil para a Secretaria de Cidades e sonha em concorrer ao Senado em 2018.

Foi Dino que o levou ao governo federal para negociar o voto contra o impeachment. Integrante do grupo do ex-líder do PP Eduardo da Fonte (PE), Maranhão fez parte da turma que negociou com os dois lados - quando a cúpula do PP fechou com o PT, foi ao PMDB em busca de cargos; quando a direção fechou com o PMDB, voltou a procurar o PT. Essa prática - e o voto com Dilma - lhe custou a presidência do PP no Maranhão.

Maranhão responde a dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de lavagem de dinheiro e ocultação de bens. A Polícia Federal o investiga na operação Miquéias por supostamente atuar em prefeituras do partido para levar um esquema de desvio em fundos de pensão municipais que teria agido em dez Estados e movimentado R$ 300 milhões. A Lava-Jato, da qual também é alvo, é originária desta operação.

Na Lava-Jato, o agora presidente interino da Câmara foi acusado pelo doleiro Alberto Youssef de ser um dos integrantes da bancada do PP que recebia R$ 30 mil por mês desviados da Petrobras para votar a favor do governo. Maranhão fazia parte do baixo clero e tentou a liderança da bancada algumas vezes, mas o máximo que conseguiu foi a presidência da Comissão deLegislação Participativa, uma das mais irrelevantes da Casa.

Virou vice-presidente da Câmara na chapa de Cunha em meio ao turbilhão que abateu a bancada no início da legislatura, quando quase todos os deputados do PP passaram a ser investigados na Lava-Jato. O bom relacionamento com os pares, fruto das peixadas que prepara em sua casa em Brasília, pesou a favor.

A vice-presidência deixou mais conhecido o deputado que aprovou apenas um projeto em três legislaturas - uma lei assinada com outros quatro maranhenses para anistiar bombeiros e policiais militares das greves de 2011. Usou o cargo para proferir decisões que restringiram as ações do Conselho de Ética contra Cunha - adversários do pemedebista dizem que em troca de ajuda caso fosse processado também. O Valorprocurou o deputado, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.

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Base governista diz que Temer será desestabilizado

Por: Vandson Lima, Lucas Marchesini e Andrea Jubé

 

O afastamento do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara dos Deputados foi visto por parlamentares governistas e pelo Planalto como "tardio", mas com potencial de causar estragos no cenário político. Para o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), uma perda de mandato de Cunha pode levá-lo a "se transformar no maior delator da Lava-Jato, danificar de morte o PMDB e acabar com o governo Temer antes de começar".

Em mensagem no Facebook, o senador, questionou a legitimidade do processo de impeachment, agora em tramitação no Senado, concluindo que "a crise política se agrava".

O ministro Jaques Wagner, do Gabinete Pessoal da Presidência da República, afirmou que espera que, após afastar Eduardo Cunha, o Supremo Tribunal Federal também reconheça a "inocência" da presidente Dilma. "Finalmente, apareceu a verdade da culpa de Eduardo Cunha. Espero que, agora, a verdade sobre a inocência da presidente Dilma venha também ser reconhecida", disse o ministro, por meio de sua assessoria.

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