Valor econômico, v. 17, n. 3999, 06/05/2016. Política, p. A7

Suspensão de Cunha vira revés para Temer

Vice se livra de figura impopular, mas perde perspectiva de aprovar projetos econômicos com rapidez

Por: Raymundo Costa

 

O afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), abre um período de grande instabilidade no Congresso, num momento crucial para a formação e a instalação do governo de Michel Temer. O vice-presidente da República ganha ao se livrar de uma figura incômoda e impopular, como é Eduardo Cunha, mas perde a perspectiva de aprovar com rapidez projetos econômicos que possibilitariam a restauração da confiança no governo.

A decisão do Supremo ocorre também num momento de grande pressão sobre o vice-presidente. As declarações de Temer de que não vê problemas para o aproveitamento no ministério de pessoas "citadas" na Operação Lava-Jato caíram mal entre políticos que defendem o apoio a seu eventual governo, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e até entre conselheiros próximos. O alvo é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), escolhido para o comandar o Ministério do Planejamento e integrar o "coração" do futuro governo, que é investigado pela Lava-Jato. As escolhas partidárias de Temer para o ministério também são motivo dequestionamento dos aliados.

A decisão do STF é inédita. O ministro Teori Zavascki classificou seu voto como "avanço civilizatório", pois, a rigor, não havia "previsão específica, com assento constitucional" para o afastamento. Pelo ineditismo, a decisão provoca dúvidas em cadeia na Câmara dos Deputados. Cunha está suspenso e afastado da presidência, mas seu mandato para exercer o cargo permaneceintacto e vai até fevereiro de 2017. Ninguém sabe como proceder. Pode-se eleger um novo presidente ou seguir sob o comando do vice-presidente Waldir Maranhão (PP-MA), por exemplo?

Cunha, segundo experientes regimentalistas, encontra-se numa situação parecida com a qual ficará a presidente Dilma Rousseff, quando for afastada pelo Senado, em sessão marcada para a quarta-feira, 11. Dilma perderá as prerrogativas para exercer a Presidência, mas ainda será a titular do cargo, até o julgamento definitivo dos senadores, - ou é condenada por crime deresponsabilidade, e perde o mandato, ou é inocentada e volta para o Palácio do Planalto.

Cunha controlava com mão de ferro o plenário da Câmara, onde coabitam 25 partidos. Dificilmente Maranhão terá condições de segurar uma sessão como fazia Cunha. Ontem mesmo ele encerrou a ordem do dia, os microfones foram desligados e a transmissão pela TV Câmara encerrada, mas os deputados continuaram a discussão em plenário. A deputada Luiza Erundina(PSOL-SP) aboletou-se em sua cadeira. Maranhão é candidato a suceder Cunha, ao lado dos deputados Jovair Arantes (PTB-GO) e Rogério Rosso (PSD-DF), relator e presidente da comissão que analisou na Câmara o pedido de impeachment da presidente.

Há três grandes blocos partidários hoje na Câmara dos Deputados: o chamado "Centrão do Cunha", cujo deslocamento costuma ser decisivo nas votações, a antiga oposição (formada pelo PSDB, DEM, PPS e o PSB) e a oposição a Temer, a ser integrada pelo PT e seus satélites PCdoB, PDT e PSOL, cuja tarefa fica facilitada sem a presença de Cunha no comando das sessões.

A decisão do ministro Teori Zavascki, anunciada no início da manhã de ontem, apanhou de surpresa o vice-presidente e seus principais conselheiros. Esperava-se que eventualmente Cunha pudesse ser afastado da presidência da Câmara. Mas a torcida era para que isso ocorresse só no segundo semestre, depois que Cunha "fizesse o serviço" na Câmara, aprovando os projetos de interesse do novo governo. Por outro lado, a entrada de Teori no

processo impediu que fosse julgado a ação do Rede Sustentabilidade, que poderia levar à anulação dos atos praticados por Cunha desde dezembro do ano passado - ou seja, o próprio impeachment da presidente. "Era um golpe que o ministro Teori abortou", disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).

A importância de Cunha para Temer pode ser medida numericamente, como é possível notar com o resultado da votação que autorizou o Senado a processar a presidente Dilma. Em fevereiro de 2015, Cunha se elegeu para a presidência da Câmara, contra um candidato do PT, com 267 votos contra 136. O candidato da oposição (PSB, PSDB, DEM e PPS) teve 100 votos. O impeachment teve 367 votos, justamente a soma dos votos de Cunha e da Oposição. Na montagem do ministério de Michel, o presidente tambémdesempenha um papel importante. Ele é o fiador dos partidos que integram o "Centrão do Cunha", sigla médias como PP, PR, PRB e parte do PSD, decisivas para a formação de maiorias. Quando perdeu o apoio desse segmento, Dilma começou a perder o segundo mandato.

Temer e seu grupo têm dificuldades para aparecer na companhia pública de Eduardo Cunha, mas sabem que o deputado seria fundamental pelo menos para desencadear o processo de aprovação da agenda legislativa do novo governo, pelo menos até que Temer pudesse considerar consolidada sua posição. Mas há outras crises encadeadas, como a escolha de ministros enredados na Operação Lava-Jato.

É difícil uma solução rápida para os impasses que imobilizam hoje a Câmara. Uma possibilidade seria a votação imediata da cassação do mandato de Eduardo Cunha pela Câmara, o que não é fácil, diante da reconhecida capacidade de resistência do deputado. Entre auxiliares do vice conta-se com a tradição: em momentos de grandes dificuldades, o Congresso costuma acomodar os conflitos. O problema é o alto nível de radicalização atual da política nacional.

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