Valor econômico, v. 17, n. 3999, 06/05/2016. Política, p. A7

Vácuo de poder na Câmara fortalece Senado na repactuação com Temer

Por: Maria Cristina Fernandes

 

O processo de impeachment em curso no Senado não deve se manter incólume à decisão do Supremo Tribunal Federal. O vice-presidente Michel Temer terá que repactuar com as forças políticas da Câmara. Negociar com um presidente da Câmara no fio da navalha é mais confortável do que fazê-lo com um novo comando da Casa repactuado pelo voto da maioria de seus pares. A concessão de mais espaço para os deputados pode aumentar o grau de insatisfação dos senadores com a formação de um eventual governo Temer.

Renan: senador é um alvo exposto pelos processos que coleciona no STF

O desassossego rima com o presidente do Senado que não esconde sua falta de entusiasmo com o eventual governo Temer. Já avisou que usufruirá do direito, facultado pelo cargo que exerce, de não votar no impeachment. Como se pressentisse as mudanças que estavam por vir, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) deixou Brasília na quarta à noite, horário em que se contavam pelo menos 30 carros em frente à residência oficial do presidente da Câmara. Na madrugada, o ministro Teori Zavascki concederia liminar à representação da Procuradoria Geral da República, que afastou o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da Presidência da Casa e do exercício do mandato e seria referendada por unanimidade no plenário do Supremo.

A solução de interinidade na mesa da Câmara expõe a situação privilegiada de Renan na linha sucessória. Ao contrário de Cunha, o senador não teve seu afastamento pedido pela Procuradoria Geral da República, mas é um alvo exposto pelos processos que coleciona no Supremo.

Distante do núcleo duro do Jaburu, que privilegiou o senador Romero Jucá (PMDB-RR), Renan ganha condições, a partir do vácuo de poder na Câmara, de repactuar a votação do impeachment no Senado.

Não estão em jogo os 41 votos que devem permitir a admissibilidade do julgamento no dia 11, data a partir da qual Temer já começará a governar, mas os 54 senadores que terão que referendar a condenação semanas - ou meses - depois. Um senador do PMDB garantiu ontem que o vice não tem os três quartos de que necessita, impressão referendada por um negociador de Temer na noite de terça-feira.

O governo tem 20 votos invioláveis. Aliados da presidente Dilma Rousseff cogitavam ontem que o desgaste da negociação do ministério ao longo das semanas de julgamento que se seguirão, possam consolidar os oito que faltam ao governo para promover o "impeachment" de Temer ou, para ficar na nomenclatura da hora, o "golpe do golpe".

O cenário parece improvável pelo que viria a seguir, a ausência de apoio político para a presidente se manter no cargo ou mesmo a aprovação de uma emenda constitucional por novas eleições, proposta na qual Renan chegou a se engajar.

O que não parece haver dúvidas é que quanto maior a instabilidade gerada pelo afastamento de Cunha na Câmara mais dependente Temer estará da negociação com o Senado. A deferência com que Itamar Franco, ex-senador, tratou os colegas, juízes do seu processo, passou a ser uma referência constante na Casa. Por deferência, leia-se uma participação majoritária no governo resultante de uma negociação discreta e recolhida conduzida pelo vice de Fernando Collor.

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