Título: Gaza e Cisjordânia se unem em festa
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2011, Mundo, p. 16

Libertação de presos tem gosto de vitória para palestinos, mas pode ser obstáculo a Abbas

Separados alguns quilômetros por terras israelenses, os territórios palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza se uniram, ontem, em uma grande festa pela libertação dos 477 prisioneiros, os primeiros de um grupo de 1.027 que serão soltos ao longo de dois meses.

Há dias decoradas para a celebração, as ruas de suas cidades foram tomadas por mais de 200 mil pessoas que comemoraram e receberam os recém-libertados. Jovens palestinos que presenciaram as comemorações relataram ao Correio um clima de euforia, mas ao mesmo tempo de preocupação com o futuro, demonstrado também por uma ativista que diz temer pela retomada das conversações de paz.

A blogueira Lina Al-Sharif contou que o clima de celebração teve início desde que o acordo para a troca de presos foi anunciado, na semana passada. Ontem, segundo a estudante, o sentimento geral era de uma "alegria esmagadora". "Há uma sensação de vitória e de euforia e esperança de que um dia não apenas prisioneiros, mas todos os palestinos serão libertados", ponderou. Ela se referia à ocupação israelense dos territórios, que, para a jovem, faz perene o sentimento de que a qualquer momento haverá uma escalada de violência contra os palestinos.

Para o blogueiro e fotógrafo Omar Graieb, morador de Gaza, o clima de felicidade não era completo. "Em geral, o sentimento no ar é de expectativa, felicidade e liberdade. Mas as pessoas em Gaza também expressaram solidariedade com as famílias dos outros palestinos ainda em cadeias israelenses", relatou. "A cidade (de Gaza) está literalmente colorida!", descreveu a jornalista, blogueira e pesquisadora Yasmeen El Khoudary. Mas, assim como os demais, demonstrou tristeza por ver que as bandeiras do Hamas, do Fatah e da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) ocupavam o lugar que deveria ser de apenas uma: a do Estado da Palestina. Yasmeen testemunhou a chegada de vários recém-libertados a Gaza, que segundo ela acenavam emocionados para as pessoas que os recebiam nas ruas.

Entre os ex-prisioneiros também havia um sentimento antagônico. Em entrevista à agência France-Presse, um deles, na Cisjordânia, disse "sentir uma mistura de felicidade e sofrimento, a felicidade de estar livre e ver o dia, mas o sofrimento pelos irmãos que deixei para trás", em referência aos mais de 4 mil presos palestinos ainda em penitenciárias israelenses. Abdallah, 52 anos, é casado com a brasileira Lamia Maruf, cujo advogado afirmou que o marido tentará vir para o Brasil, onde pretende viver com a mulher. O casal foi preso em 1986 acusado de envolvimento no assassinato do soldado israelense David Manos. Ela foi deportada em 1997.

Mensagem à AP Apesar de toda a festa nos territórios, um analista e ativista palestino ouvido pelo Correio manifestou preocupação sobre o momento em que o acordo de libertação ocorreu. Para Bassem Eid, fundador e diretor do Grupo Palestino de Monitoramento dos Direitos Humanos, esta provavelmente não era a melhor hora para a negociação, porque tanto a Autoridade Palestina (AP) como a comunidade internacional estão concentradas no pedido apresentado pelo presidente da AP, Mahmud Abbas, de reconhecimento junto às Nações Unidas. "O pedido para a troca de prisioneiros vem sendo feito há anos pelo Hamas. Por que só agora Israel aceitou fazê-lo?", questiona Eid, respondendo na sequência que, na sua opinião, o objetivo de Netanyahu é o de tentar enfraquecer Abbas. "A mensagem de Netanyahu é clara e diz que o presidente Abbas é incapaz de conseguir qualquer tipo de acordo por se recusar a negociar."

Eid se refere à rejeição do presidente da AP em aceitar voltar à mesa de conversações sem que Israel congele primeiro a expansão dos assentamentos judaicos em territórios ocupados. "Nesse momento, na maneira como Israel vem lidando com a questão, acredito que o Hamas tenha mais condições de chegar a um acordo com Jerusalém do que a AP", pondera. "Esse passo pode mudar todo o mapa do caminho da paz."

Reunião na ONU O Conselho de Segurança da ONU se reuniu ontem para revisar pela primeira vez o trabalho de um comitê de avaliação da proposta palestina de ingressar como membro pleno na organização. A reivindicação foi apresentada no mês passado pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. As discussões no conselho devem se estender até o fim do mês.