Título: De volta para casa
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2011, Mundo, p. 16

Capturado pelo Hamas em 2006, o soldado israelense Gilad Shalit é solto, após um acordo que incluiu a libertação inicial de 477 prisioneiros palestinos. Premiê Benjamin Netanyahu promete não tolerar o terror. Mais 550 presos serão anistiados em dois meses

Ele esperou 1.940 dias. Ontem, às 13h04 (9h04 em Brasília), Noam pôde finalmente abraçar seu filho, o sargento Gilad Shilat. O reencontro ocorreu na Base Aérea de Tel Nof, próximo a Rehovot, a 20km de Telavive. Prisioneiro durante todo esse tempo do movimento Hamas ¿ que controla a Faixa de Gaza ¿, o militar foi entregue ao governo israelense, enquanto 477 palestinos eram libertados na primeira fase de um acordo que prevê a soltura de 1.027 presos. Em sua primeira entrevista, concedida a uma emissora de tevê estatal egípcia, Shalit disse esperar que sua liberdade favoreça o processo de paz entre os dois povos.

Na contramão, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, fez um pronunciamento em tom duro, classificou a decisão de "difícil" e jurou continuar lutando contra o terror. "É duro ver esses selvagens em liberdade, mas também sei que era o melhor acordo possível. (...) Quem voltar ao terror pagará", afirmou o premiê. A festa tomou conta da Cisjordânia e da Faixa de Gaza (leia na página 17): palestinos receberam familiares que há décadas cumpriam penas, incluindo prisão perpétua, em instalações hebraicas. Autoridades do mundo inteiro elogiaram a libertação, enquanto analistas viam com preocupação o reflexo da medida para o processo de paz.

Shalit, de 25 anos, foi levado de ambulância pela divisa entre a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, do Egito, e entregue em um posto israelense na passagem fronteiriça de Kerem Shalom. De lá, foi transferido de helicóptero para a base aérea de Tel Nof. Apesar de ficar poucos minutos em território egípcio, o soldado falou com a tevê estatal, o que foi criticado em Israel, que considerou o ato uma "tortura". Em Tel Nof, Shalit recebeu os primeiros atendimentos médicos. Os profissionais que o examinaram confirmaram que ele está bem de saúde. Sua imagem no vídeo, porém, mostrou-o abatido, com olheiras e uma aparente dificuldade para respirar.

Na instalação militar, além de se encontrar com a família, Shalit se reuniu com Netanyahu, com o ministro da Defesa, Ehud Barak, e com o comandante do Estado-Maior, general Benne Gantz. E depois, seguiu para sua cidade natal, Mitzpe Hila. Em entrevista coletiva, na casa da família, Noam Shalit disse que o filho tinha "pequenos ferimentos", incluindo lesões causadas por estilhaços, além de sofrer com os efeitos da falta de exposição à luz solar. "Quando vi Gilad, eu não disse muito, apenas o abracei", afirmou. "Experimentamos o renascimento de um filho."

Militantes do Hamas cumprimentam os prisioneiros libertados, após comboio cruzar a fronteira sul da Faixa de Gaza

Assim que Shalit cruzou a fronteira, Israel começou a libertar os palestinos. Três ônibus com 133 prisioneiros originários da Cisjordânia deixaram duas penitenciárias, rumo a Beitunia, perto de Ramallah. Outro comboio levou 147 presos ao Egito, onde foram soltos e conseguiram autorização para entrar na Faixa de Gaza. Eles tinham mãos e pés algemados, mas usavam roupas civis, ao contrário de uniformes de detentos. Segundo a agência France-Presse, mais de mil policiais foram mobilizados para a passagem dos comboios. O restante foi solto em Jerusalém Oriental ou deportado para a Síria, a Turquia e o Catar.

Fim do cerco A negociação entre Israel e o Hamas foi mediada pelo Egito e pela Alemanha e considerada sem precedentes. Mas poderá se revelar mais ampla. Mahmoud Al-Zahar, líder do grupo palestino, afirmou ao jornal Haaretz que o acerto inclui o fim do cerco à Faixa de Gaza. A limitação militar, que causa fortes restrições a 2 milhões de habitantes, foi imposta há mais de 10 anos.

O acordo recebeu elogios da comunidade internacional. O ministro da Defesa, Celso Amorim, considerou-a "um bom presságio". O premiê egípcio, Esam Sharaf, cujo país foi crucial para a negociação, afirmou que a troca de prisioneiros "faz parte dos esforços pela estabilidade" no Oriente Médio. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, fez votos de que a libertação permita a "retomada das negociações" de paz. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou o desejo de que o acordo leve ao fim do bloqueio a Gaza. Os EUA pediram cautela. Enquanto a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que seu país estava "contente", o porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner, exibiu "preocupação". Segundo ele, a Casa Branca alertou Israel sobre a periculosidade dos detidos.

As primeiras palavras Trechos da entrevista do soldado Gilad Shalit a uma emissora de tevê egípcia estatal, assim que foi solto:

Isolamento "Eu sou muito emocional. Não me sinto bem. Não tenho visto gente por um longo período. Estou ansioso para conhecer pessoas, falar com pessoas. E não fazer as mesmas coisas o dia inteiro"

"É claro que senti muita falta de minha família. Também de meus amigos"

Perspectivas de paz "Eu espero que esse acordo leve à paz entre palestinos e israelenses e que ajude na cooperação entre ambos os lados"

Hamas "O Hamas me tratou bem"

Acordo "Se eles (israelenses) queriam assegurar minha liberdade, eles tiveram que pagar um preço por isso. Na minha opinião, as autoridades egípcias foram capazes de garantir esse acordo por causa das boas relações com ambos os lados, Hamas e Israel. Acho que as relações de Israel com o Hamas (ajudaram a garantir o acordo)"

A notícia da libertação "Eu recebei a notícia cerca de uma semana atrás. Não posso descrever meus sentimentos, mas eu senti que teria duros momentos à minha frente. Eu imaginei que me acharia nessa situação por mais muitos anos"

"Eu tinha pensamentos sobre essa esperança (de ser libertado). Senti que poderia levar tempo, mas senti também que poderia ocorrer. Eu senti isso na última semana, mas eu tive um sentimento durante o mês inteiro"

Gratidão "Eu acho que eu me sentiria melhor se os presos palestinos também conseguissem sair. (...) Eu me sinto muito grato aos egípcios e aos seus esforços para alcançar esse acordo"