Valor econômico, v. 17, n. 4002, 11/05/2016. Empresas, p. B3

Temor de ingerência política volta a assombrar a Petrobras

Por: Cláudia Schüffner

 

A diretoria da Petrobras ainda não foi procurada pela equipe de Michel Temer, mas há um temor crescente, dentro e fora da companhia, da volta de um político ao comando da estatal. Segundo fontes, o presidente Aldemir Bendine garante que não foi procurado e tem dito que não vai procurar ninguém. Avalia que qualquer tipo de transição vai ocorrer no momento devido. O que Bendine já disse a interlocutores é que, caso seja convidado a ficar, quer saber quais são as condições que serão dadas para a empresa.

No comando há pouco mais de um ano, equipe chefiada por Bendine implantou modelo de gestão que exige análise da área de governança para qualquer negócio

O entendimento da diretoria da estatal é de que um novo presidente terá dificuldades de provocar um "solavanco", considerando os controles internos que foram aprimorados no último ano. Para a equipe de Bendine, as mudanças ocorreram justamente porque não há hoje um viés político na gestão.

De todo modo, o nome de qualquer novo presidente precisará ser aprovado pelo conselho de administração. E no caso de mudanças do atual conselho, a percepção da diretoria é de que mexer de forma mais profunda na Petrobras pode levar a uma "ruptura com a sociedade", já que a empresa vai continuar no foco dos holofotes. A empresa é grande demais e se envolveu empolêmicas proporcionais a esse gigantismo.

O balanço do pouco mais de um ano após a chegada de Bendine à presidência da Petrobras, mostra uma empresa com uma dívida líquida 39% maior e com dificuldades em vender a quantidade de ativos que se esperava para reduzir a alavancagem. Mas na diretoria da estatal o sentimento é de que houve avanços, embora muitos não sejam visíveis. Há convicção de que a companhia criou defesas, ainda que frágeis e que precisam amadurecer.

Para este ano, a atual diretoria fixou como meta obter US$ 14,1 bilhões com o programa de venda de ativos. Há pressa, pois os indicadores de dívida da empresa pioraram, com o passivo total tendo chegado a dezembro em R$ 799 bilhões, ante os R$ 724 bilhões reportados em 2014.

Olhar a gestão de Bendine é um exercício que requer muitas lentes. A venda das operações na Argentina e Chile por US$ 1,38 bilhão, na semana passada, mostrou que a gestão pode entregar resultados, embora o ritmo não reflita a urgência esperada pelo mercado.

Altos executivos da estatal costumam se referir a 2015 como o ano em que a companhia pode ser comparada a um carro que precisou continuar rodando enquanto trocava os quatro pneus ao mesmo tempo. A Petrobras entrou em 2015 sem ter divulgado os balanços do terceiro e quarto trimestres do ano anterior e, tendo sua própria auditora, a PricewaterhouseCoopers, questionada pela Securities and Exchange Commission (SEC). A empresa também passou a ser investigada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ).

A interpretação do comando da petroleira é que no ano passado a Petrobras estava diante do maior desafio de sua história. Uma dívida muito elevada, segunda ou terceira maior dívida corporativa do mundo, em dólar, sendo que a receita em moeda estrangeira é muito pequena. Ou seja, não existe uma proteção natural para o endividamento. E adicionando ainda outros

problemas, Bendine disse a interlocutores que encontrou o caixa da empresa próximo de zero, além de não ter balanço. Para ele, a empresa estava em processo de quase insolvência.

A certeza no comando da estatal agora é que acabou o temor com relação à solvência. A companhia tem em caixa dinheiro suficiente para se sustentar até quase o fim de 2017, mesmo sem contar com um cheque robusto de US$ 10 bilhões obtido da China que pode ser acionado a qualquer momento.

O acesso a capital de terceiros pela Petrobras é visto como uma vitória na diretoria. Mas por outro lado, preocupa quem avalia que o endividamento está chegando a níveis insuportáveis. As críticas de que a gestão está voltada puramente para questões financeiras, sem foco na estratégia, inclusive energética, são respondidas com a afirmação de que primeiro era preciso fazer o dever de casa.

Apesar do alto endividamento, Bendine fez com que a Petrobras passasse a gerar fluxo de caixa livre positivo - de US$ 15,6 bilhões em 2015 - pela primeira vez em 13 anos. Isso significa que os recursos gerados pelas atividades operacionais foram maiores que os investimentos. Para se ter uma ideia, em 2013 esse número foi negativo em R$ 41,8 bilhões.

Ainda existem desafios pela frente do ponto de vista de permear, na companhia, a cultura do "compliance"

A dívida líquida em dólar diminuiu 5%, para US$ 100,4 bilhões, mas a estrutura de capital da companhia piorou em 2015. A relação entre capital de terceiros e o passivo total líquido aumentou para 68%, ante os 57% de 2014. Por outra métrica, que contabiliza o endividamento líquido dividido pela soma do endividamento líquido com o patrimônio, também aumentou, passando de 48% para 60%.

A produção caiu no primeiro trimestre de 2016, após cumprir, pela primeira vez em 13 anos, a meta prometida de produzir 2,125 milhões de barris por dia no ano passado. Agora, a expectativa é que esse revés seja revertido. A meta continua sendo a de produzir 20 mil barris a mais de petróleo no Brasil em 2016, atingindo na média do ano 2,145 milhões de barris, enquanto esperaque pelo menos 30 dos 50 interessados façam oferta pelos campos maduros à venda.

A estatal colocou em marcha, no ano passado, uma reestruturação do modelo de gestão que exige análise da área de governança para qualquer negócio feito. Tudo sob vigilância do Ministério Público Federal em Curitiba e no Rio de Janeiro, do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU), e atendendo às exigências das investigações da Lava-Jato.

Boa para o "compliance", a nova sistemática adicionou morosidade ao processo de venda de ativos que é considerado crucial para a saúde financeira da companhia. Na diretoria, a interpretação é de que foi feito um grande esforço de transparência, para corrigir processos falhos e desvios. E a avaliação é de que ainda existem desafios enormes pela frente do ponto de vista de permear, na companhia, essa cultura do "compliance".

Uma das preocupações do comando da Petrobras é que o processo de venda de ativos seja rastreável, transparente e crie competitividade. Além disso, que demonstre ser o melhor negócio possível para a Petrobras. Daí, diante dessa sistemática, há necessidade de várias fases na busca de participantes.

Uma das medidas tomadas no ano passado, depois da chegada de Bendine, foi alterar o plano de negócios que previa investimentos anuais de aproximadamente US$ 45 bilhões. Tanto Bendine como o diretor-financeiro, Ivan Monteiro, sempre consideraram esse valor incompatível com a geração de caixa da Petrobras e com o novo cenário de preços do petróleo, que afetoutodas as companhias, privadas e estatais no mundo.

Na média de 2014, o barril de petróleo Brent foi negociado por US$ 99,44. No ano passado a média foi de US$ 54,33, segundo dados do Valor Data. Enquanto o preço do petróleo caía, o real sofreu uma maxidesvalorização e a Petrobras, e o Brasil, perderam o selo de grau de investimento.

A previsão de investimentos anual foi reduzida para US$ 23 bilhões depois de uma revisão que previu metas de produção mais realistas, cancelou projetos como as refinarias do Maranhão e Ceará, e tirou do horizonte outros como as fábricas de fertilizantes.Mesmo assim, a interpretação interna na empresa é de que as condições melhoraram. A avaliação é que hoje a Petrobras recuperou a credibilidade, sendo capaz de ir ao mercado em qualquer momento em condições ímpares, o que teria diminuído a pressão de credores.