Correio braziliense, n. 19352, 20/05/2016. Política, p. 2

Tropa de choque se distancia de Cunha

Natália Lambert

Um dia após mostrar o poder de influência no novo governo, com o aliado André Moura (PSC-SE) sendo escolhido para a liderança de Temer na Câmara, o presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), contou com uma tropa de choque menos aguerrida durante depoimento no Conselho de Ética ontem. Com poucas falas em seu favor, o peemedebista foi pessoalmente ao colegiado se defender no processo que pede a cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar. A partir de hoje, passa a contar o prazo de 10 dias úteis para o relator, Marcos Rogério (DEM-RO), entregar o parecer final, que será apreciado na primeira quinzena de junho.

Na primeira vez em que esteve na Casa desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) o suspendeu, há duas semanas, do exercício do mandato, Eduardo Cunha se manteve sereno. Durante as mais de sete horas de sessão, falou reiteradas vezes não ter contas ou investimentos no exterior. Cunha ressaltou que o trust é um investimento transparente. “Nada é mais transparente que o trust. Certamente, se o objetivo fosse esconder patrimônio, eu teria seguido o exemplo de alguns, e constituído uma fundação.” Perguntado a que fundação ele se referia, Cunha não respondeu.

Desde o começo, o parlamentar deixou claro que só falaria sobre o objeto da representação — que é a afirmação de que ele mentiu em depoimento voluntário na CPI da Petrobras ao dizer que não tinha contas no exterior. Cunha, inclusive, afirmou que pedirá a nulidade do processo por causa de depoimentos que fugiram à denúncia, como, por exemplo, o do lobista Fernando Baiano, em abril. Na ocasião, Baiano confirmou repasses ilegais de R$ 4 milhões ao presidente da Câmara. “Vou me ater somente ao objeto da denúncia. Se eu detinha ou não conta no exterior, se faltei ou não com a verdade, se omiti ou não patrimônio na declaração de renda”, comentou Cunha.

Um dos poucos parlamentares a defender bravamente Eduardo Cunha ontem, Carlos Marun (PMDB-MS) esteve no colegiado do início ao fim. Foi o primeiro a marcar presença. Marum criticou o Supremo Tribunal Federal (STF) por afastar o peemedebista do cargo. “Há evidentemente um abuso de poder do STF em relação aos trabalhos desta Casa. A Câmara se quedar silente diante de uma evidente intromissão dos assuntos da Casa é um absurdo”, comentou. Com claro objetivo de desviar o foco da reunião, Wladimir Costa (SD-PA) causou tumulto em vários momentos ao pedir esclarecimentos do deputado Julio Delgado (PSB-MG) sobre uma solicitação de abertura de investigação contra ele entregue à Mesa Diretora.

Integrantes da tropa de choque, André Fufuca e Laerte Bessa (PR-DF) fizeram discursos curtos, tranquilos e perguntas direcionadas ao objeto da denúncia. Outros fiéis escudeiros marcaram presença, mas não participaram da reunião, como Manoel Junior (PMDB-PB) e Wellington Roberto (PR-PB). De acordo com Manoel Junior, ele viajou ao estado ainda pela manhã porque tinha compromissos de campanha. “Não há ninguém melhor que o próprio Eduardo para se defender”, comentou.

A falta de discursos inflamados em defesa do presidente causou estranhamento em alguns deputados. O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), comentou que esperava uma sessão muito mais confusa e agitada. “Até estranhei a tranquilidade.” Para o líder do PSol, Ivan Valente, depois que Cunha foi afastado, alguns aliados se afastaram. “Senti ausências importantes a ele de integrantes do conselho. Em termos de apoio, a tropa de choque hoje (ontem) foi fraquíssima.”

O deputado Chico Alencar acredita que a repercussão ruim da votação da sessão de impeachment pode ter segurado os ânimos, mas isso não significa que Cunha está perdendo apoio. “Eles não quiseram valorizar muito. É uma estratégia. Tudo entre eles é combinado. Estão escaladados com o 17 de abril e fizeram comentários mais moderados.”

O líder da Rede concorda com Alencar. Para Alessandro Molon, Cunha está mais forte do que nunca, até porque tem conseguido colocar aliados e ex-advogados em cargos importantes do governo Temer. “Será que a decisão do Supremo não foi suficiente? O que será mais suficiente para Cunha entender que ele não pode exercer poder político?”, questionou. Em resposta, Cunha negou ter colocado aliados no governo. “Vossa Excelência não vai me constranger. Não tem um alfinete indicado neste governo por Eduardo Cunha. E não estou suspenso de exercer minha militância partidária.”

 

Relatoria

Cunha afirmou que pedirá novamente a destituição do relator pelo mesmo motivo que o antigo ocupante do cargo, Fausto Pinato (PP-SP), foi retirado: fazer parte do bloco partidário do presidente afastado da Câmara. Rogério é do DEM e não poderia cumprir tal função. Entretanto, Rogério foi indicado ao colegiado pelo PDT, seu antigo partido, que cedeu a vaga a ele. O objetivo da contestação, destacou o relator, é fazer com que o processo seja reaberto e volte à estaca zero. “Aqui é manobra em cima de manobra. Eles não querem enfrentar os fatos”, comentou.

Rogério indicou que pode incluir no parecer final a imputação de recebimento de vantagem indevida, como pedem os autores da representação (Rede e PSol). Diante dessa possibilidade, a defesa de Cunha protestou do prazo de apenas cinco dias úteis para se manifestar e insistiu que novas acusações não poderiam entrar no processo. “Não é inovação nenhuma a possibilidade de apreciação de vantagens indevidas e corrupção passiva”, declarou o relator.

Mesmo afastado pelo STF, Cunha afirmou que, a partir de segunda-feira, voltará a frequentar o gabinete pessoal na Câmara. “Estou suspenso do exercício do mandato e não de frequentar a Câmara. Vou frequentar meu gabinete pessoal não mais hoje, mas, a partir de segunda-feira, vocês me encontram no gabinete 510”, disse. Questionado se poderia frequentar seu gabinete, o peemedebista afirmou que está suspenso do exercício do mandato e não do mandato.

 

Quem é quem

Confira a tendência dos titulares do Conselho de Ética, se são a favor de Eduardo Cunha ou contra o deputado.

 

Por enquanto, está empatado: 9 a 9, com um indefinido

André Fufuca (PP-MA)    A favor

João Carlos Bacelar (PR-BA)    A favor

José Carlos Araújo (PR-BA)    Contra, mas só vota em caso de empate

Julio Delgado (PSB-MG)    Contra

Laerte Bessa (PR-DF)    A favor

Leo de Brito (PT-AC)    Contra

Marcos Rogério (DEM-RO)    Contra

Mauro Lopes (PMDB-PR)    A favor

Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS)    Contra

Nelson Meurer (PP-PR)    A favor

Paulo Azi (DEM-BA)    Contra

Sandro Alex (PSD-PR)    Contra

Sérgio Moraes (PTB-RS)    A favor

Tia Eron (PRB-BA)    Indefinido, mas com tendência favorável a Cunha

Valmir Prascidelli (PT-SP)    Contra

Washington Reis (PMDB-RJ)    A favor

Wellington Roberto (PR-PB)    A favor

Wladimir Costa (SD-PA)    A favor

Zé Geraldo (PT-PA)    Contra

 

A resposta de Renan

 

O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota pública contestando declarações do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que criticou a demora do julgamento do colega de partido no Supremo Tribunal Federal (STF). “Repilo a obsessão do deputado Eduardo Cunha com meu nome. Ela não encontra razões jurídicas ou políticas. Todas as citações que me envolvem são calçadas em ‘ouvi dizer’ ou avaliações subjetivas”, escreveu o senador. Em seu depoimento no Conselho de Ética, Cunha disse que há “seletividade” do STF na análise dos casos. “São estranhas a seletividade e celeridade dos processos contra mim quando, por exemplo, uma denúncia contra o Presidente do Senado está lá há três anos e não é apreciada pelo pleno”, disse Cunha